MUDANÇA DE IDADE
Para
explicar
os
excessos do meu irmão
a
minha mãe dizia:
está
na mudança de idade.
Na
altura,
eu
não tinha idade nenhuma
e
o tempo era todo meu.
Despontavam
borbulhas
no
rosto do meu irmão,
eu
morria de inveja
enquanto
me perguntava:
em
que idade a idade muda?
Que
vida,
escondida
de mim, vivia ele?
Em
que adiantada estação
o
tempo lhe vinha comer à mão?
Na
espera de recompensa,
eu
à lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me
batuques
mas
vinham de longe,
de
onde já não chega o luar.
Antes
de dormirmos
a
mãe vinha esticar os lençóis
que
era um modo
de
beijar o nosso sono.
Meu
anjo, não durmas triste, pedia.
E
eu não sabia
se
era comigo que ela falava.
A
tristeza, dizia,
é
uma doença envergonhada.
Não
aprendas a gostar dessa doença.
As
suas palavras
soavam
mais longe
que
os tambores noturnos.
O
que invejas, falava a mãe, não é a idade.
É
a vida
para
além do sonho.
Idades
mudaram-me,
calaram-se
tambores,
na
lua se anichou a materna voz.
E
eu já nada reclamo.
Agora
sei:
apenas
o amor nos rouba o tempo.
E
ainda hoje
estico
os lençóis
antes
de adormecer.
MIA
COUTO.
in “Tradutor de chuvas”
Mia Couto |
Mia
Couto (1955), pseudónimo de António Emílio Leite Couto, nasceu na cidade da
Beira, em Moçambique, África, no dia 5 de julho de 1955. Filho de Fernando
Couto, emigrante português, jornalista e poeta que pertencia aos círculos
intelectuais de sua cidade. Com 14 anos, Mia Couto publicou os seus primeiros
poemas no jornal Notícias da Beira. Em 1971 deixou a cidade da Beira e foi para
a capital Lourenço Marques, hoje Maputo, para ingressar no curso de Medicina, que
não chegou a concluir.
A partir de 1974 passou a trabalhar como jornalista na
Tribuna e no Jornal de Notícias. Em 1976, com a independência de Moçambique,
tornou-se repórter e diretor da Agência de Informação de Moçambique. Foi
jornalista da revista semanal Tempo, entre 1979 e 1981. Em 1983, publicou o seu
primeiro livro de poesias “Raízes de Orvalho”. Em 1985, abandona a carreira de
jornalista e ingressa no curso de Biologia, na Universidade de Eduardo
Mondlane, na especialidade de Ecologia.
Em
1992, Mia Couto publicou “Terra Sonâmbula”, o seu primeiro romance, escrito em
prosa poética, onde compõe uma bela fábula passada no Moçambique
pós-independência, mergulhado na devastadora guerra civil que se estendeu por
dez anos. Em 1995, a obra ganhou o Prémio Nacional de Ficção da Associação dos
Escritores Moçambicanos. O livro foi considerado por um júri especial da Feira
do Livro de Zimbabwe, um dos melhores doze livros africanos do século XX.
Mia
Couto escreve poesias, contos, romances e crónicas. Entre as suas obras
destacam-se: “Cada Homem é Uma Raça” (1990), “Cronicando” (1991), “Raízes de
Orvalho e Outros Poemas” (1999), “Mar Me Quer” (2000), “Um Rio Chamado Tempo”
(2002), “O Fio das Missangas” (2003), “Venenos de Deus, Remédios do Diabo”
(2008), “Tradutor de Chuvas” (2011), “A Confissão da Leoa” (2012) e “Mulheres
de Cinza” (2015).
Mia
Couto é o autor moçambicano mais traduzido e divulgado além-fronteiras e um dos
autores estrangeiros mais vendidos em Portugal. Recebeu inúmeros prémios
nacionais e internacionais, por vários dos seus livros e pelo conjunto da obra
literária, entre eles contam-se: Prémio Vergílio Ferreira (1999), pelo conjunto
da obra, Prémio União Latina de Literaturas Românicas (2007) e Prémio Camões
(2013).
É o único escritor africano que é membro da Academia Brasileira de
Letras, como sócio correspondente, eleito em 1998, para a cadeira nº 5.
Como
Biólogo, foi o responsável pela preservação da reserva natural da Ilha de
Inhaca, em 1992. Realiza trabalhos de pesquisa em diversas áreas, especialmente
em áreas costeiras. É diretor da empresa “Impacto”, que realiza avaliações de
impacto ambiental. É professor da cadeira de Ecologia em diversas faculdades da
Universidade Eduardo Mondlane.
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