quarta-feira, março 30, 2016

À NOITINHA, COM MIA COUTO: "O OUTRO PÉ DA SEREIA"




"(...) A terra é a página onde Deus lê.”
...... ...... ......

 “- Veja, mãezita, escrevi esta cartinha para Deus.
   – Não se escreve para Deus, minha filha.
   – E porquê?

O pobre Deus, esplicava Dona Constança, sofria de vista cansada, exaurido pelos peditórios infinitos.
   
  – A mãe pode ler?
   – Não quero.
   – Posso ler em voz alta?

Também não. Os pedidos verbais, fora da oficial oração, não têm validade legal. Ela que rezasse, como mandavam as escrituras.
E tudo se repetia, sempre igual, até que, certa vez, Constança puxou a menina pelos braços, convidando-a com gentileza a sentar-se no chão. Partiu um galho de arbusto e solicitou, apontando a areia:
  
   – Escreva aí!
  
   – Escrever o quê?

   – Qualquer coisa, um nome, o seu, o meu, qualquer…

  A moça hesitou. Escrever no chão? A mãe, por fim, se explanou:

   – É que eu só sei ler na areia.

Tinha sido ali, no pátio da velha casa, que ela havia recebido lições do abecê. A terra tinha sido o seu quadro-negro, o quintal tinha sido a sua escola. Mwadia sorriu, fingindo acreditar. A mãe insistiu.

   – Escreva na terra, filha. A terra é a página onde Deus lê.”


MIA COUTO
(O outro pé da sereia)



ESTA NOITE A MÚSICA ANDA NO AR, COM PEDRO ABRUNHOSA





LEMBREI-ME DO MAIOR POETA PORTUGUÊS, NUM DOS SEUS MAIS BELOS SONETOS: "AQUELA TRISTE E LEDA MADRUGADA"




AQUELA TRISTE E LEDA MADRUGADA


Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade,
quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada
saía, dando ao mundo claridade,
viu apartar-se d`ua outra vontade,
que nunca poderá ver-se apartada.

Ela só viu as lágrimas em fio,
que duns e doutros olhos derivadas,
s`acrescentaram em grande e largo rio;

Ela viu as palavras magoadas,
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso às almas condenadas.


LUÍS VAZ DE CAMÕES



PELA NOITE, COM ADELAIDE MONTEIRO: "QUANDO ME DIZES, POEMA"






QUANDO ME DIZES, POEMA
  

Quando me dizes mar, poema,
dizes-me vaga em mar alteroso.

Não me digas assim, poema!
Pois tu não sabes que o meu nadar
é feito de frágeis braçadas,
respiração descompassada,
braços e pernas desatentos,
corpo inábil,
na iminência de afundar.

Se me quiseres dizer, poema,
diz-me rio,
apressado
ou calmo,
vadio,
ou constante,
esticando com suas águas,
as ervas que lhe são margens,
ou dormindo sobre os seixos
que lhe são leito e
no espelho beijando o céu.

Diz-me também ribeiro,
apressado,
à beira do precipício,
suspensa a respiração,
arrepios na espinha,
e o abraço a dar-se,
o remoinho a formar-se,
uma força a sugar
toda a espuma em alvoroço
e aí sim,
na loucura do rio,
eu serei vaga alterosa,
envolvente,
apaixonada,
sem pé
nem chão.


ADELAIDE  MONTEIRO






segunda-feira, março 28, 2016

PELA NOITE, COM FERNANDO PESSOA: "TIREM-ME A COLEIRA DE PRATA"





TIREM-ME A COLEIRA DE PRATA


Tirem-me a coleira de prata
Com que fui cão do Destino.
Meu coração que se parta
Como um boneco sem menino.

Não saiam das vielas!
Não cantem, que eu já acabo!
Quero beber as estrelas
Num dos cornos do Diabo!


FERNANDO PESSOA
in Cancioneiro, uma antologia.
28-8-1930



domingo, março 27, 2016

PELA NOITE, COM AFONSO LOPES VIEIRA: "DANÇA DO VENTO"




DANÇA DO VENTO


O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia.
Baila, baila e rodopia
E tudo baila em redor.
E diz às flores, bailando:
- Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando.
E suas folhas, tombando,
Uma se esfolha, outra cai.
E o vento as deixa, abalando,
- E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor.
E diz às altas ramadas:
Bailai comigo, bailai!
E elas sentem-se agarradas
Bailam no ar desgrenhadas,
Bailam com ele assustadas,
Já cansadas, suspirando;
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às folhas caídas:
Bailai comigo, bailai!
No quieto chão remexidas,
As folhas, por ele erguidas,
Pobres velhas ressequidas
E pendidas como um ai,
Bailam, doidas e chorando,
E o vento as deixa abalando
- E lá vai!
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às ondas que rolam:
- Bailai comigo, bailai!
e as ondas no ar se empolam,
Em seus braços nus o enrolam,
E batalham,
E seus cabelos se espalham
Nas mãos do vento, flutuando
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,

E tudo baila em redor!


AFONSO LOPES VIEIRA



ESTA NOITE A MÚSICA ANDA NO AR, COM IL DIVO: "HALLELUJAH (ALLELUJA)"





FELIZ PÁSCOA! - Missa do Domingo de Páscoa e Benção Urbi et Orbi.







CRISTO RESSUSCITOU!

Hoje é a festa das festas, o dia por excelência de "Cristo Senhor", em que Ele, depois de ter passado pela morte, para conhecer tudo o que de dor e humilhação ela encerra, triunfou das suas trevas, para nunca mais morrer.
A Páscoa é assim fonte de alegria, de otimismo e de esperança para o cristão.
Por maiores que sejam as dificuldades da "sua" páscoa, o cristão nunca desanima!
A meta está sempre à nossa frente, iluminada pelo esplendor de Cristo Ressuscitado, vivo eternamente e nosso companheiro, ensinando-nos a respeitar e a sermos fiéis ao Pai e aos homens nossos irmãos.


SANTA E FELIZ PÁSCOA!






sábado, março 26, 2016

IMAGEM DO DIA: FERNANDO PESSOA








NESTE SÁBADO DE ALELUIA, JOSÉ LUÍS RODRIGUES: " A INOCÊNCIA"



A INOCÊNCIA

Salmo...
Sábado Santo ou Sábado de Aleluia:

Na mesa senta-se o poeta
e escreve magoado na brancura do papel
onde a luz do candeeiro
se derrama numa nódoa
infinda de melancolia
como se o negro da noite
fosse a alma da luz cintilante
e daquela palidez soberba.

As letras letra a letra saltam no papel
nesse ambiente de anémicas penumbras,
mágoas íntimas acordadas pelo silêncio
que por momentos desceu das estrelas
e trespassa as fendas pedra a pedra
nas paredes da nossa casa.

Neste ambiente quimérico
saturado de anímicas essências,
emanações astrais divinizadas
onde há sonhos de anjos e de homens
que anunciam o poema,
uma fina flor celeste
numa paisagem sinistra, infernal
ladeada de montes tisnados pelo sol
e à noite povoados de fantasmas penitentes.

E não é que o autor e o leitor de cada texto
são os mais trágicos penitentes?
- São. Ficou registado para todo o sempre
quem sofre em nós não é o pecado:
é a inocência.


JOSÉ LUÍS RODRIGUES







sexta-feira, março 25, 2016

PAI NOSSO- O mais Belo Poema de todos os tempos



PAI NOSSO

Pai Nosso, que estais no Céu,
santificado seja o Vosso Nome,
venha a nós o Vosso Reino,
e seja feita a vossa vontade 
assim na terra como no Céu.
O pão nosso de cada dia 
nos dai hoje,
perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos
a quem nos tem ofendido,
e não nos deixeis cair em tentação
mas livrai-nos 
de todo o mal.
Amem.





terça-feira, março 22, 2016

ESTA NOITE, COM JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS: "KYRIE"





KYRIE


Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas,
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e os destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói.
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo,
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filhos de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!



ARY DOS SANTOS

(in memoriam 22/3/2016)




UMA VEZ MAIS O SANGUE FOI DERRAMADO. A EUROPA CHORA - Atentados terroristas de hoje em Bruxelas







Uma dupla explosão na zona de partidas do aeroporto de Zaventem, em Bruxelas, fez esta manhã 14 vítimas mortais. Menos de uma hora depois, nova explosão na estação de metro de Maelbeek, provocaria mais 20 mortos. Das três explosões terão resultado ainda mais de 200 feridos.


As primeiras  explosões ocorreram pouco depois das sete horas (oito horas em Lisboa) em Zaventem, o principal aeroporto de Bruxelas, junto aos balcões de check-in da American Airlines, numa zona do aeroporto não muito distante dos balcões da TAP. O aeroporto foi de imediato evacuado, todos os voos cancelados e os acessos suspensos. Com cerca de 30 aviões no espaço aéreo de influência de Zaventem, todos os voos foram desviados para outros aeroportos, nomeadamente para Schiphol, na Holanda, e Dusseldorf, na Alemanha. Só aqueles que se preparavam para aterrar foram autorizados a fazê-lo.

O encerramento do espaço aéreo foi a primeira decisão que levaria a isolar a capital belga, com todos os transportes públicos cancelados e os túneis no interior da cidade encerrados. Em Lisboa, a TAP começa a dar as primeiras indicações aos passageiros, preparando-se para fazer a operação via Luxemburgo.


O terceiro atentado aconteceu a poucos metros das principais instituições europeias na estação de metro de Maelbeek. De acordo com a AFP, a explosão ocorreu no interior de uma composição que estaria parada na estação, mas que terá afectado igualmente as carruagens que circulavam em sentido contrário. O presidente da Câmara de Bruxelas admite que terão morrido 20 pessoas e outras 106 tenham ficado feridos, 17 das quais com gravidade.

O secretário de Estado português das Comunidades, José Luís Carneiro, dá conta de que uma portuguesa de 30 anos está entre os feridos da explosão de Maalbeek. De acordo com a mesma fonte, a jovem, natural de Coimbra, “encontra-se fora de perigo” e depois de assistida no hospital seguiu para casa. “Conseguimos apurar esta informação fora do quadro das informações oficial”, explicou o governante.
A Bélgica eleva para o nível máximo o estado de alerta terrorista. Todos os transportes públicos são suspensas e as ligações ferroviárias internacionais para Bruxelas, asseguradas pelo Eurostar, através do canal da Mancha, e pelo Thalys, que Bélgica, Alemanha, França e Holanda, interrompidas.


Por esta altura começam a surgir os primeiros apelos das autoridades para que as pessoas permaneçam onde estão. A Comissão Europeia e o Parlamento Europeu encerram as instalações, apelam aos funcionários para que não saiam e rapidamente cancelam todas as reuniões previstas para esta terça-feira.  O porta-voz da Comissão, Margaritis Schinas, diz que a instituição elevou o nível de segurança de amarelo para laranja, o que se traduz em “controlos mais rigorosos à entrada na instituição”, com “proibição de acesso a visitantes e o cancelamento de todas as reuniões previstas, entre outras medidas de segurança”.

A fronteira entre a Bélgica e a França é encerrada. As autoridades francesas decidem colocar mais 1.600 polícias nas ruas, principalmente nas fronteiras e nos transportes. Nos aeroportos e estações de comboio o acesso é reservado aos portadores de bilhetes.

Nas ruas de Bruxelas, as autoridades desencadeiam uma caça ao homem e o que se sabe é que os suspeitos podem estar a monte. As informações sobre as acções policiais são limitadas pelos órgãos de comunicação social belgas, em resposta a um pedido do Ministério Público belga, de forma a não comprometer a investigação.

Já a meio da tarde, as autoridades belgas fizeram um balanço dos atentados, confirmando a existência de três bombas no aeroporto de Zaventem. Além das duas que explodiram logo de manhã, uma terceira bomba foi encontrada e desactivada pela polícia.

Cerca de oito horas depois das duas explosões no aeroporto de Bruxelas a Reuters avançou que o Estado Islâmico reclama a autoria dos atentados. De acordo com as últimas notícias desta agência, as duas explosões no aeroporto de Bruxelas e a que ocorreu, uma hora depois, no metro da capital belga, provocaram 34 mortos e quase 200 feridos.


A BBC cita, entretanto, a agência A’maq, com ligações ao grupo ‘jihadista’, a confirmar a mesma informação: "Combatentes do Estado Islâmico cometeram uma série de ataques à bomba com cintos de explosivos e engenhos, na terça-feira, visando um aeroporto e uma estação de metro no centro da capital belga, Bruxelas"

O Presidente da República de Portugal declarou:
"Tive a oportunidade de manifestar a sua majestade o rei dos belgas o repúdio dos portugueses em relação a estes ataques." Disse ainda que está a acompanhar a situação da portuguesa ferida no ataque do Metro de Maelbeeck.









NESTE DIA DA POESIA, PORTUGAL CELEBRA O RIO TEJO E O POETA JOSÉ RÉGIO - " FADO PORTUGUÊS"



FADO PORTUGUÊS


O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.


Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.


Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.


Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.


Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.


JOSÉ RÉGIO




segunda-feira, março 21, 2016

MENSAGEM PARA O DIA MUNDIAL DA POESIA 2016





Mensagem de Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO, por ocasião do Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2016


Shakespeare, que morreu há 400 anos, escreveu em “Sonho de uma noite de verão” que: “O olho do poeta, no frenesi, o faz olhar do céu à terra, da terra ao céu. E como a imaginação corporifica as formas de coisas desconhecidas, a pena do poeta as transforma em formas e dá ao nada uma habitação e um nome ".
Irina Bokova

Ao prestar homenagem aos homens e mulheres cujo único instrumento é a liberdade de expressão, que imaginam e agem, a UNESCO reconhece na poesia o seu valor como um símbolo da criatividade do espírito humano.

Ao dar forma e palavras ao que não as tem – como a beleza insondável que nos rodeia, o imenso sofrimento e miséria do mundo – a poesia contribui para a expansão da nossa humanidade comum, ajudando a aumentar a sua força, sua solidariedade e sua autoconsciência .

As vozes que carregam a poesia ajudam a promover a diversidade linguística e a liberdade de expressão. Elas participam do esforço mundial para a educação artística e a disseminação da cultura.
William Shakespeare

A primeira palavra de um poema, por vezes, é suficiente para recuperar a confiança em face da adversidade, para encontrar o caminho da esperança em face da barbárie.

Na era da automatização e do imediatismo da vida moderna, a poesia também abre um espaço para a liberdade e a aventura inerentes à dignidade humana.

Do canto “Arirang” da Coreia ao “Pirekua” do México, os cânticos “Hudhud” do povo ifugao, o “Alardah” da Arábia Saudita, o “Koroghlu” do Turcomenistão e o “Aitysh” do Quirguistão, cada cultura tem sua arte poética que usa para transmitir conhecimentos, valores socioculturais e memória coletiva, aspetos que fortalecem o respeito mútuo, a coesão social e a busca pela paz.

Hoje, eu aplaudo os profissionais, atores, contadores de histórias e todas aquelas vozes anónimas comprometidas com e por meio da poesia, realizando leituras nas sombras ou nos holofotes, em jardins ou nas ruas. Clamo a todos os Estados-membros para que apoiem este esforço poético, que tem o poder de nos unir, independentemente da origem ou da crença, pelo que é a própria essência da humanidade.



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