"(...)
A terra é a página onde Deus lê.”
......
...... ......
“-
Veja, mãezita, escrevi esta cartinha para Deus.
–
Não se escreve para Deus, minha filha.
–
E porquê?
O
pobre Deus, esplicava Dona Constança, sofria de vista cansada, exaurido pelos
peditórios infinitos.
–
A mãe pode ler?
–
Não quero.
–
Posso ler em voz alta?
Também
não. Os pedidos verbais, fora da oficial oração, não têm validade legal. Ela
que rezasse, como mandavam as escrituras.
E
tudo se repetia, sempre igual, até que, certa vez, Constança puxou a menina
pelos braços, convidando-a com gentileza a sentar-se no chão. Partiu um galho
de arbusto e solicitou, apontando a areia:
–
Escreva aí!
–
Escrever o quê?
–
Qualquer coisa, um nome, o seu, o meu, qualquer…
A moça hesitou. Escrever no chão? A mãe, por fim, se explanou:
–
É que eu só sei ler na areia.
Tinha
sido ali, no pátio da velha casa, que ela havia recebido lições do abecê. A
terra tinha sido o seu quadro-negro, o quintal tinha sido a sua escola. Mwadia
sorriu, fingindo acreditar. A mãe insistiu.
–
Escreva na terra, filha. A terra é a página onde Deus lê.”
MIA
COUTO
(O
outro pé da sereia)
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