quinta-feira, maio 25, 2017

PELA NOITE, COM VASCO GRAÇA MOURA: "BLUES DA MORTE DE AMOR"




BLUES DA MORTE DE AMOR


já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida.
mas afinal não morri, como se vê, ah não
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.


a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.


há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes. uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete:- morrer ou não morrer, darling, ah, sim.



VASCO GRAÇA MOURA,
in “Antologia dos Sessenta Anos”



Vasco Graça Moura
Vasco Navarro da Graça Moura (1942-2014) foi um escritor, tradutor e político português, natural do Porto. Licenciado em Direito, atividade que chegou a exercer, foi secretário de estado da Segurança Social do IV Governo Provisório e secretário de estado dos Retornados do VI Governo Provisório. Nomeado diretor de programas da RTP, em 1978, nesse mesmo ano passou à Imprensa Nacional-Casa da Moeda, cuja área editorial administrou até 1988. Entre 1988 e 1995 foi presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. É autor de obras de ensaio, poesia, romance, e ainda de traduções.

Paralelamente, desenvolveu uma ampla intervenção pública como comentador e analista político. A sua obra iniciou-se em 1963, com o título “Modo Mudando”, a que se seguiram “O Mês de Dezembro” (1977), Instrumentos para a “Melancolia” (1980), “A Variação dos Semestres deste Ano”; “365 Versos” (1981), “Nó Cego”, o regresso (1982), “Os Rostos Comunicantes” (1984), “A Sombra das Figuras” (1985), “A Furiosa Paixão pelo Tangível” (1987), “O Concerto Campestre” (1993), Sonetos Familiares (1994), Poemas Escolhidos 1963-1995 (1996), Poemas com Pessoas (1997), “Uma Carta no Inverno” (1997, prémio de Poesia APE/CTT de 1997) e “Retrato de Francisca Matroco e Outros Poemas” (1998). Entre os seus ensaios encontram-se “David Mourão-Ferreira ou a Mestria de Eros” (1978), “Camões e a Divina Proporção” (1985), “Os Penhascos e a Serpente” e “Outros Ensaios Camonianos” (1987), “Várias Vozes” (1987), “Retrato de Isabel e Outras Tentativas” (1994) e “Contra Bernardo Soares e Outras Observações” (1999).

Na sua vasta obra encontramos igualmente obras de ficção, entre as quais “Quatro Últimas Canções” (1987), “Naufrágio de Sepúlveda” (1988), “Partida de Sofonista às Seis e Doze da Manhã” (1993) e “A Morte de Ninguém” (1998). Vasco Graça Moura escreveu ainda uma peça de teatro “Ronda dos Meninos Expostos” (1987), um diário “As Circunstâncias Vividas” (1995) e as crónicas de “Papéis de Jornal” (1995). Distinguindo-se publicamente como tradutor, amplamente consagrado, as suas traduções da “Vita Nuova” e da “Divina Comédia de Dante” (1995) mereceram-lhe a atribuição do Prémio Pessoa, em 1995. Em 2000, publica “Poesia 1997-2000”, seguido do romance “Meu Amor, era de Noite” (2001).


Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...