BLUES DA MORTE DE AMOR
já ninguém morre de
amor, eu uma vez
andei lá perto, estive
mesmo quase,
era um tempo de humores
bem sacudidos,
depressões sincopadas,
bem graves, minha querida.
mas afinal não morri,
como se vê, ah não
passava o tempo a ouvir
deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas
safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite
dentro, minha querida.
a gente sopra e não
atina, há um aperto
no coração, uma tensão
no clarinete e
tão desgraçado o que
senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca
tive jeito, ah não,
eu nunca tive queda
para kamikaze,
é tudo uma questão de
swing, de swing minha querida,
saber sair a tempo,
saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi,
minha querida, ah, não, ah, sim.
há ritmos na rua que
vêm de casa em casa,
ao acender das luzes.
uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o
vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da
canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi,
ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a
gente do bairro,
e então murmurarei, a
ver fugir a escala
do clarinete:- morrer
ou não morrer, darling, ah, sim.
VASCO GRAÇA MOURA,
in
“Antologia dos Sessenta Anos”
Vasco Graça Moura |
Vasco Navarro da Graça
Moura
(1942-2014) foi um escritor, tradutor e político português, natural do Porto.
Licenciado em Direito, atividade que chegou a exercer, foi secretário de estado
da Segurança Social do IV Governo Provisório e secretário de estado dos
Retornados do VI Governo Provisório. Nomeado diretor de programas da RTP, em
1978, nesse mesmo ano passou à Imprensa Nacional-Casa da Moeda, cuja área
editorial administrou até 1988. Entre 1988 e 1995 foi presidente da Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. É autor de obras
de ensaio, poesia, romance, e ainda de traduções.
Paralelamente,
desenvolveu uma ampla intervenção pública como comentador e analista político.
A sua obra iniciou-se em 1963, com o título “Modo Mudando”, a que se seguiram “O
Mês de Dezembro” (1977), Instrumentos para a “Melancolia” (1980), “A Variação
dos Semestres deste Ano”; “365 Versos” (1981), “Nó Cego”, o regresso (1982), “Os
Rostos Comunicantes” (1984), “A Sombra das Figuras” (1985), “A Furiosa Paixão
pelo Tangível” (1987), “O Concerto Campestre” (1993), Sonetos Familiares
(1994), Poemas Escolhidos 1963-1995 (1996), Poemas com Pessoas (1997), “Uma
Carta no Inverno” (1997, prémio de Poesia APE/CTT de 1997) e “Retrato de
Francisca Matroco e Outros Poemas” (1998). Entre os seus ensaios encontram-se “David
Mourão-Ferreira ou a Mestria de Eros” (1978), “Camões e a Divina Proporção”
(1985), “Os Penhascos e a Serpente” e “Outros Ensaios Camonianos” (1987), “Várias
Vozes” (1987), “Retrato de Isabel e Outras Tentativas” (1994) e “Contra
Bernardo Soares e Outras Observações” (1999).
Na
sua vasta obra encontramos igualmente obras de ficção, entre as quais “Quatro
Últimas Canções” (1987), “Naufrágio de Sepúlveda” (1988), “Partida de Sofonista
às Seis e Doze da Manhã” (1993) e “A Morte de Ninguém” (1998). Vasco Graça
Moura escreveu ainda uma peça de teatro “Ronda dos Meninos Expostos” (1987), um
diário “As Circunstâncias Vividas” (1995) e as crónicas de “Papéis de Jornal”
(1995). Distinguindo-se publicamente como tradutor, amplamente consagrado, as
suas traduções da “Vita Nuova” e da “Divina Comédia de Dante” (1995)
mereceram-lhe a atribuição do Prémio Pessoa, em 1995. Em 2000, publica “Poesia
1997-2000”, seguido do romance “Meu Amor, era de Noite” (2001).
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