quinta-feira, maio 09, 2013

RANSHI.EU - UM POEMA ESCRITO A 28 MÃOS E QUE É "UM DIÁLOGO EUROPEU EM VERSOS"











Filipa Leal é uma jornalista cultural que nasceu no Porto. Tem 33 anos e representou Portugal no Festival de Poesia de Berlim entre 1 e 9 de Junho de 2012. Os temas principais do Festival foram o debate e o significado da cultura para a construção da identidade europeia.

A apresentação de um poema escrito em cadeia ( "renshi") por todos os participantes, oriundos dos 28 países da UE, na chamada Noite de Renshi, foi o alvo de todas as atenções. "É a primeira vez que um parlamento de poetas e de todos os países da União Europeia se expressa, através de versos, sobre os receios e os valores europeus. Com fúria, tristeza ou prazer", escreveu o diretor do Festival, Thomas Wohlfhart.

O poema começou a ser escrito na Grécia, país europeu mais afetado pela crise das dívidas soberanas. Mas também a pátria da democracia e da cultura europeias. E o lírico grego Yannis Stiggas foi o seu iniciadorCada poeta começa a partir do último verso do poema anterior, dando origem a uma obra gigantesca que espelha uma miríade de olhares e referências culturais.

E aqui temos a prestação de Filipa Leal, que eu considero notável, bem o espelho da alma dos portugueses e também dos cidadãos dos países que vivem os tempos da crise devoradora que assola as respetivas pátrias. Não conheço ainda o poema final, mas a ansiedade acompanhada da curosidade, são enormes...



Apontas para o rosto sarcástico do sol do Inverno
E disparas. Há tantos meses que não chove - reparaste?
É o próprio céu a desistir de ti. E mesmo assim tu disparas, sós sabes disparar.
Estás enganada, Europa. Envelheceste mal e perdeste a humildade.
Não é contra o sarcasmo que disparas, não é contra o Inverno,
Nem sequer contra o insólito, contra o desespero.
Tu disparas contra a luz.
 Podes atirar-nos à cara, Europa: bombas, palavras, relatórios de contas.
Podes até atirar-nos à cara um deputado, uma cimeira.
Mas os teus filhos não querem gravatas. Os teus filhos querem paz.
Os teus filhos não querem que lhes dês a sopa. Os teus filhos querem trabalhar.
Há tantos meses que não chove - reparaste?
A terra está seca. Nem abraçados à terra conseguimos dormir.
Enquanto eu te escrevo, tu continuas a fazer contas, Europa. 
Quem deve. Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus filhos têm fome, têm sono. Os teus filhos têm medo do escuro.
Os teus filhos precisam que lhes cantes uma canção, que os vá adormecer.
Eu acreditei em ti e tu roubaste-me o futuro dos meus irmãos.
Se estamos calados, Europa, é apenas porque, contrários ao teu gesto,
Não queremos disparar.

                                                                                            Filipa Leal 
                                                                                           (a seguir...)






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