sábado, junho 28, 2014

800 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA, COM VASCO GRAÇA MOURA: "LAMENTO PARA A LÍNGUA PORTUGUESA"






LAMENTO PARA A LÍNGUA PORTUGUESA


Não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.
mais valia que fossem de outra sorte
em cada um a força da vontade
e tão filosofais melancolias
nessa escusada busca da verdade,
e que a ti nos prendesse melhor grade.
bem que ao longo do tempo ensurdecias,
nublando-se entre nós os teus cristais,
e entre gentes remotas descobrias
o que não eram notas tropicais
mas coisas tuas que não tinhas mais,
perdidas no enredar das nossas vias
por desvairados, lúgubres sinais,
mísera sorte, estranha condição,
mas cá e lá do que eras tu te esvais,
por ser combate de armas desiguais.
matam-te a casa, a escola, a profissão,
a técnica, a ciência, a propaganda,
o discurso político, a paixão
de estranhas novidades, a ciranda
de violência alvar que não abranda
entre rádios, jornais, televisão.
e toda a gente o diz, mesmo essa que anda
por tal degradação tão mais feliz
que o repete por luxo e não comanda,
com o bafo de hienas dos covis,
mais que uma vela vã nos ventos panda
cheia do podre cheiro a que tresanda.
foste memória, música e matriz
de um áspero combate: apreender
e dominar o mundo e as mais subtis
equações em que é igual a xis
qualquer das dimensões do conhecer,
dizer de amor e morte, e a quem quis
e soube utilizar-te, do viver,
do mais simples viver quotidiano,
de ilusões e silêncios, desengano,
sombras e luz, risadas e prazer
e dor e sofrimento, e de ano a ano,
passarem aves, ceifas, estações,
o trabalho, o sossego, o tempo insano
do sobressalto a vir a todo o pano,
e bonanças também e tais razões
que no mundo costumam suceder
e deslumbram na só variedade
de seu modo, lugar e qualidade,
e coisas certas, inexactidões,
venturas, infortúnios, cativeiros,
e paisagens e luas e monções,
e os caminhos da terra a percorrer,
e arados, atrelagens e veleiros,
pedacinhos de conchas, verde jade,
doces luminescências e luzeiros,
que podias dizer e desdizer
no teu corpo de tempo e liberdade.
agora que és refugo e cicatriz
esperança nenhuma hás-de manter:
o teu próprio domínio foi proscrito,
laje de lousa gasta em que algum giz
se esborratou informe em borrões vis.
de assim acontecer, ficou-te o mito
de haver milhões que te uivam triunfantes
na raiva e na oração, no amor, no grito
de desespero, mas foi noutro atrito
que tu partiste até as próprias jantes
nos estradões da história: estava escrito
que iam desconjuntar-te os teus falantes
na terra em que nasceste, eu acredito
que te fizeram avaria grossa.
não rodarás nas rotas como dantes,
quer murmures, escrevas, fales, cantes,
mas apesar de tudo ainda és nossa,
e crescemos em ti. nem imaginas
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, vãs aspirinas,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vidas novas repentinas.
enredada em vilezas, ódios, troça,
no teu próprio país te contaminas
e é dele essa miséria que te roça.
mas com o que te resta me iluminas.


VASCO GRAÇA MOURA,
in "Antologia dos Sessenta Anos"
(1942-2014)
Portugal
(Ensaísta/Tradutor/Político)
MHN-imagem


sexta-feira, junho 27, 2014

O "REI" NÃO PERDEU O TRONO...- CINCO ANOS SEM MICHAEL JACKSON (25 DE JUNHO DE 2009)






Há dois dias, 25 de Junho, passaram cinco anos desde a morte de Michael Jackson. A 25 de Junho de 2009, o mundo perdia o Rei da Pop, mas em 2014, o seu legado está mais vivo do que nunca.

Em 2010, foi lançado «Michael», primeiro álbum póstumo do músico, e já este ano saiu o aclamado «Xscape», com oito faixas inéditas, e uma colaboração com Justin Timberlake em «Love Never Felt So Good». O vídeo junta, através da tecnologia, Jackson àquele que muitos consideram ser o seu sucessor, Timberlake.


Em Maio passado, mesmo mês em que foi lançado «Xscape», Jackson «subiu ao palco» em formato holograma, nos prémios Billboard, para interpretar «Slave To The Rythm», um dos inéditos de «Xscape». A performance terá sido pensada e trabalhada durante meio ano, e emocionou a irmã de Michael, Janet Jackson:
«O meu irmão, Michael, era, e será sempre um génio. Adoro-te, Mike», escreveu a cantora na sua página oficial de Facebook.

O génio de Michael Jackson, que gerou clássicos como «Thriller», «Bad», «Beat It», «They Don’t Care About Us», «Earth Song», «Smooth Criminal», entre tantos outros, fará com que continuemos a ouvir Michael durante muito tempo. Segundo o último artigo da revista Rolling Stone sobre o Rei da Pop, será mesmo possível o lançamento até oito álbuns póstumos, tendo em conta material excedente dos discos de Jackson. Segundo o engenheiro de som Matt Forger, «Era recorrente  Michael Jackson gravar músicas e colocá-las na gaveta». «Tenho a certeza que temos mais umas coisas grandes aí e, se tudo correr bem, teremos a hipótese de as ouvirmos», afirmou ainda o produtor Rodney Jerkins a propósito dos possíveis novos discos.



Michael Jackson faleceu em casa, aos 50 anos, mas viverá sempre nos músicos que nele se inspiraram, na marca distinta que deixou na música, e em canções que já provaram ser maiores que a vida.

(Fonte MSN)






PELA TARDE, COM "UM ABRAÇO PARA O MANOEL", DE MIA COUTO...






UM ABRAÇO PARA MANOEL



Dizem que entre nós
há oceanos e terras com peso de distância.
Talvez. Quem sabe de certezas não é o poeta.
O mundo que é nosso
é sempre tão pequeno e tão infindo
que só cabe em olhar de menino.


Contra essa distância
tu me deste uma sabedora desgeografia
e engravidando palavra africana
tornei-me tão vizinho
que ganhei intimidades
com a barriga do teu chão brasileiro.


E é sempre o mesmo chão,
a mesma poeira nos versos,
a mesma peneira separando os grãos,
a mesma infância nos devolvendo a palavra
a mesma palavra devolvendo a infância.


E assim,
sem lonjura,
na mesma água
riscaremos a palavra
que incendeia a nuvem.



MIA COUTO
19-12-2013
(Poema escrito hoje, por Mia Couto, ao poeta Manoel de Barros)






terça-feira, junho 24, 2014

PELA NOITE, COM JOSÉ RÉGIO: FADO PORTUGUÊS





FADO PORTUGUÊS


O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.


Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.


Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.


Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.


Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.


Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.


Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.


Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.


Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.


JOSÉ RÉGIO







PIERRE LEMAÎTRE, PRÉMIO GONCOURT 2013 - "Até Nos Vermos Lá Em Cima"







Pierre Lemaître nasceu em Paris, em 1956. Deu aulas de Literatura francesa e americana durante vários anos e atualmente dedica-se à escrita e ao teatro. Foi galardoado com o Prémio Le Point do Romance Policial Europeu em 2010.

Os cinco romances policiais que escreveu, premiados pela crítica e aplaudidos pelos leitores, fizeram dele um dos grandes nomes da literatura francesa e granjearam-lhe o reconhecimento internacional.


Brinda-nos agora com “Até nos vermos lá em cima”, a sua primeira incursão fora do romance «negro», que confirmou o seu sucesso: galardoado com o Prémio Goncourt de 2013, foi considerado «o melhor romance francês do ano» pela revista Lire e incluído no palmarés dos 25 melhores livros do ano pela Le Point. Recebeu ainda o Prix du roman France Télévision, o Prix des lycéens en toutes lettres, o Prix des librairies Nancy/Le Point e o Prix littéraire de la ville de Brignoles.

Sinopse:

Sobre as ruínas da Grande Guerra, dois sobreviventes das trincheiras, consideravelmente maltratados, desforram-se levando a cabo uma burla tão espetacular como amoral.

Fresco de uma rara crueldade, notável pela sua arquitetura e pelo poder de evocação, Até nos vermos lá em cima é um grande romance sobre o pós-guerra de 1914-1918, sobre a ilusão do armistício, a hipocrisia do Estado que glorifica os seus desaparecidos e se desembaraça dos cidadãos vivos e incómodos e sobre a abominação elevada a virtude. Numa atmosfera crepuscular e visionária, Pierre Lemaitre compõe a grande tragédia dessa geração perdida com um talento e uma segurança impressionantes.


Críticas da imprensa:

«Uma escrita fantástica, dura, tão eficaz como um murro na cara.» (L' Express)

«Lemaitre desfere um poderoso golpe: cativante, profundo e comovente, este romance consagra um enorme talento. A linguagem, viva, apurada e original, é dominada pelo autor na perfeição. Eis uma ficção prodigiosa que não passará despercebida.»  (Lire)

«Um livro imaginado e descrito com talento e escrito com vigor. Impossível pô-lo de lado até chegar à última página.  As reviravoltas são mais do que muitas, e o final, particularmente conseguido, concilia a tragédia antiga com a mais comovedora história de amor.» (Le Soir)



DO OUTRO LADO... - A Prostituição Infantil no Brasil, Fruto Amargo da Copa do Mundo 2014.







A prostituição infantil no Brasil, fruto amargo da Copa do Mundo 2014.

Um problema que existe há muito no Brasil, agora registado por um dos maiores jornais do Mundo. Uma vergonha, mas adiante descreve-se o retrato do Brasil, feito por um repórter inglês:
O país anfitrião da Copa do Mundo  2014 está numa corrida febril para terminar os seus principais estádios de futebol a tempo para o evento desportivo mais popular do mundo. Um deles é Arena Corinthians, em São Paulo, que se prepara para sediar o jogo de abertura a 12 junho entre Brasil e Croácia, uma partida a que vai assistir metade da população mundial.
Há 18 meses centenas de trabalhadores em todo o Brasil começaram a chegar ao país para trabalhar na construção do estádio, ficando em favelas próximas da grande cidade. Mas, com o aumento do emprego também veio a explosão da prostituição infantil.


As autoridades brasileiras investiram milhões de dólares na Copa do Mundo,  que é esperado ser o mais espetacular na história do campeonato, algo que fez os sindicatos do crime prepararem-se muito bem para aproveitar o evento desportivo.

Segundo informações do portal da agência News.com., clãs mafiosos internacionais planejam uma onda de prostituição infantil organizada em torno dos estádios em mais de uma dúzia de cidades no Brasil, a partir da capital, Brasília, para o Rio de Janeiro, onde os fans de futebol se reunirão durante seis semanas intensas, até ao último jogo.

Gangues criminosos vão buscar crianças às aldeias mais pobres do país, onde lhes fornecem  droga ou simplesmente as compram às suas famílias. A maioria das meninas são levadas para São Paulo, para trabalharem na prostituição. Algumas delas têm apenas 11 anos, moram na Favela de Paz, um bairro onde centenas de famílias não têm eletricidade nem água corrente.

À noite, as jovens vão passear para fora da favela, na Avenida Miguel Inácio Curi ou outras estra motéis ou quartos perto do estádio gigante.
Segundo o jornalista,Matt Roper, e também segundo  uma activista local contra a prostituição infantil, que realizou vários estudos sobre a situação, ambos garantem que este negócio ilegal ocorre aos olhos da polícia, guardas de segurança e moradores da capital financeira do Brasil.


Na sua primeira entrevista ao jornal britânico "Sunday Mirror", o jornalista declarou ter informações de que os clãs da máfia da droga haviam levado algumas crianças do Leste Europeu, de aldeias brasileiras, e África, especialmente Congo e Somália, para trabalharem como escravas sexuais.
Para realizar esta sua pesquisa como independente, Roper partiu para São Paulo a fim de conhecer pessoalmente as prostitutas e a situação de carência destas meninas do país.

Polyana, 14 anos
Polyana de 14 anos, tem apenas três meses de profissão. No entanto, os clientes não faltam. A menina vendeu o seu corpo para os trabalhadores Arena Corinthians por menos de 4,7 dólares, durante o almoço.

A cama de Polyana, coberta com bonecos de peluche, está localizada numa pequena casa escondida num labirinto de vielas com esgoto a céu aberto, onde os trabalhadores vão para comprar as jovens prostitutas.
Segundo o relato de Roper, a adolescente saiu na mesma noite em que a sua mãe morreu. "Eu não sabia como encontrar dinheiro para comer ou pagar a renda da casa. Passou muito tempo. Mas bem. Há muitos homens da construção que procuram sexo ", confessou  a menina ao jornalista.

Por enquanto Polyana não planeja deixar a prostituição. Duas semanas atrás, descobriu que estava grávida. No entanto todos os dias, à hora do almoço, marca um encontro com clientes num dos hotéis perto da favela.
"Quando a Copa do Mundo começar, haverá muitas mais meninas da minha idade e mais jovens. Eu sou uma delas" declarou Polyana, com preocupação.

Thais, 16 anos
Orfã de 16 anos e viciada em crack (uma droga derivada da cocaína, muito popular nas favelas brasileiras) foi trazido para a Favela da paz com outra jovem prostituta e exerce a profissão a partir de uma garagem onde tem relações sexuais  com homens, num número de 15 por dia.

"A maioria dos meus clientes estão na construção", diz a menina. "Eles pagam sempre, mas eu nem sempre os trato bem", confessou.
"Mas o que eu posso fazer? Os meus pais estão mortos, eu preciso de dinheiro. Se não fosse com os homens que trabalham no estádio, eu não sei o que eu faria", confessou Thais.

"Amanhã um reservou um dia inteiro no hotel comigo, vai ser um bom dia de trabalho para mim", acrescentou.
Segundo Roper, a jovem prostituta também espera ter "um monte de trabalhos com fans de futebol quando começar o Mundial" e tenciona cobrar US$ 23, quatro vezes mais do que o preço habitual.


Como parte de sua campanha contra a prostituição infantil, Matt Roper também supervisiona Meninadanca e Casa Rosada, duas instituições de caridade que tentam lutar contra  este flagelo social."Elas querem ser alguém na vida, mas o que estamos a viver agora é um pesadelo", afirma Roper.

O ativista também destacou que as autoridades brasileiras não têm pressa em tomar medidas contra esta situação criminosa e que ainda não realizaram qualquer operação policial adequada.






A cidade, que hospeda o Mundial, é considerada a capital brasileira da prostituição de menores e um dos principais epicentros do turismo sexual no país.

Nicolas Bourcier
(Rio de Janeiro, correspondente regional do “Le Monde”)






sexta-feira, junho 20, 2014

ESTA NOITE, Com Manuel Bandeira: O Último Poema











O ÚLTIMO POEMA

Assim eu quereria meu último poema

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas

Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume

A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos

A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.



MANUEL BANDEIRA


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