segunda-feira, agosto 28, 2017

PELA NOITE, COM SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN: "MARINHEIRO SEM MAR"




MARINHEIRO SEM MAR

Longe o marinheiro tem
Uma serena praia de mãos puras
Mas perdido caminha nas obscuras
Ruas da cidade sem piedade

Todas as cidades são navios
Carregados de cães uivando à lua
Carregados de anões e mortos frios

E ele vai balouçando como um mastro
Aos seus ombros apoiam-se as esquinas
Vai sem aves nem ondas repentinas
Somente sombras nadam no seu rastro.

Nas confusas redes do seu pensamento
Prendem-se obscuras medusas
Morta cai a noite com o vento

E sobe por escadas escondidas
E vira por ruas sem nome
Pela própria escuridão conduzido
Com pupilas transparentes e de vidro

Vai nos contínuos corredores
Onde os polvos da sombra o estrangulam
E as luzes como peixes voadores
O alucinam.

Porque ele tem um navio mas sem mastros
Porque o mar secou
Porque o destino apagou
O seu nome dos astros
Porque o seu caminho foi perdido
O seu triunfo vendido
E ele tem as mãos pesadas de desastres

E é em vão que ele se ergue entre os sinais
Buscando a luz da madrugada pura
Chamando pelo vento que há nos cais

Nenhum mar lavará o nojo do seu rosto
As imagens são eternas e precisas
Em vão chamará pelo vento
Que a direito corre pelas praias lisas

Ele morrerá sem mar e sem navios
Sem rumo distante e sem mastros esguios
Morrerá entre paredes cinzentas
Pedaços de braços e restos de cabeças
Boiarão na penumbra das madrugadas lentas

E ao Norte e ao Sul
E ao Leste e ao Poente
Os quatro cavalos do vento
Sacodem as suas crinas

E o espírito do mar pergunta:

“Que é feito daquele
Para quem eu guardava um reino puro
De espaço e de vazio
De ondas brancas e fundas
E de verde frio?”

Ele não dormirá na areia lisa
Entre medusas, conchas e corais

Ele dormirá na podridão
E ao Norte e ao Sul
E ao Leste e ao Poente
Os quatro cavalos do vento
Exactos e transparentes
O esquecerão

Porque ele se perdeu do que era eterno
E separou o seu corpo da unidade
E se entregou ao tempo dividido
Das ruas sem piedade.



SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN






terça-feira, agosto 22, 2017

À NOITINHA, COM FERNANDO PESSOA: "NÃO SEI QUANTAS ALMAS EU TENHO"




NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.


FERNANDO PESSOA,
Novas Poesias Inéditas (24-8-1930)


Edição e voz: António-José Moreira, Sons da Escrita.


PELA NOITE, COM CECÍLIA MEIRELES: "CÂNTICO II"




CÂNTICO II


Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens . . .
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade. . .
É a eternidade.
És tu.


CECÍLIA MEIRELES

In memoriam, 22/8

sábado, agosto 19, 2017

HOJE, VAMOS TODOS A VIANA...


HAVEMOS DE IR A VIANA


Se o meu sangue não me engana
como engana a fantasia
havemos de ir a Viana
ó meu amor de algum dia
ó meu amor de algum dia
havemos de ir a Viana
se o meu sangue não me engana
havemos de ir a Viana

Partamos de flor ao peito
que o amor é como o vento
quem pára perde-lhe o jeito
e morre a todo o momento

Se o meu sangue não me engana

Ciganos verdes ciganos
deixai-me com esta crença
os pecados têm vinte anos
os remorsos têm oitenta


PEDRO HOMEM DE MELLO
(1904-1984)




Imagem:



Voz: Amália Rodrigues
Música: Alain Oulman



CHEGOU A RAINHA DAS ROMARIAS PORTUGUESAS - Festas da Senhora D'Agonia 2017(Dias 17, 18 19 e 20 de Agosto ) Viana do Castelo



A minha terra é Viana!
Sou do monte e sou do mar.
Só dou o nome de terra
Onde o da minha chegar!

(Pedro Homem de Mello)


Era uma vez uma pequena povoação nascida no margem direita do rio Lima, junto à foz, quando as águas doces e vaporosas se misturaram com o bravio das ondas salgadas. Chamava-se Átrio e tinha, sobranceira, uma montanha de arvoredo, onde no alto existia a fortificação de um castro habitado por povos sem nome e que, a dada altura, desceram ao litoral, buscando na pesca melhor alimento e mais comércio.
Era extremamente bela, entre veigas cultivadas, palmos de horta viçosas, redis, pomares e vinhedos, mas a sua principal vocação era o mar, a pesca. Na praia, várias embarcações esperavam pelas madrugadas para serem lançadas às vagas, com o afã dos remos, o aceno das velas e o espalhar das redes.

Pelo entardecer, as companhas regressavam ao Átrio, para a alegria das mulheres e crianças, com o fundo da embarcação coberto e pescado palpitante: a sardinha, o carapau, a faneca, o congro...
Vinham rio abaixo, habitantes de outras povoações, para o abastecimento pródigo das suas mesas.

Ora morava no Átrio, na modéstia de um casebre, uma linda rapariga chamada Ana, filha de pescador e desenvolta na venda do peixe, sempre com uma canção nos lábios, ouvida a algum jogral chegado da vizinha Galiza, onde animava os serões dos paços e terreiros das romarias.
Escutava-lhe, deliciado, estas cantigas de amor e de amigo, um jovem barqueiro que transportava na correnteza do rio, até ao Átrio, lavradores, mercadores, à compra de peixe fresco e saboroso. De tanto escutar a voz harmónica de Ana e de lhe admirar a graça, o rapaz começou a sentir pela rapariga um amor que ia aumentando dia após dia.

Confessava já aos amigos e companheiros de lida, o agrado desse amor nascente. E estes, contentes com o seu contentamento, sorriam quando o moço barqueiro, ao voltar ao Átrio, lhes atirava um brado feliz:
    - Vi Ana! Vi Ana!
Um dia, porém, não se contentou em vê-la e dirigiu-lhe a palavra, num enleio que corava as faces. A rapariga, percebeu o vivo interesse amoroso do rapaz por ela, os olhos brilhantes sobre o rosto, sobre o cabelo dela. O seu coração lisonjeado retribui-lhe esse interesse, retribui-lhe esse amor.
Não tardou em realizar-se a boda dos dois namorados. Durante os festejos, os companheiros e amigos do noivo recordavam-lhe o brado entusiástico:
    -Vi Ana! Vi Ana!
O dito foi logo adotado pelos pescadores do Átrio que passaram a repeti-lo, quando regressavam dos trabalhos duros da faina, se lhes deparava o vulto acolhedor da montanha, as praias douradas, as veigas férteis, as águas lentas do rio e a paz dos seus lares:
    -Vi Ana! Vi Ana !

Ao conceder o foral à povoação da foz do Lima, em 1258, o rei D. Afonso III, que a visitara tempos antes, extasiando-se com tanta beleza e prosperidade, substitui-lhe o nome de Átrio pelo de Viana.
                                                                                (António Manuel Couto - "Lendas do Vale do Lima")

Acorda-se ao som de foguetes, misturam-se lágrimas com saudades, regressos e reencontros. Dos que voltam e ficam amarrados às suas coisas que não querem perder. Dos que voltam e partem à bolina, a sul e a norte, à busca de nova maré.

É a FESTA do Minho, no norte de Portugal - a animação permanente noite e dia. Um palco cheio de iniciativas e uma passerelle cheia de atrações que justificam bem a razão de uma visita. São quatro dias de festa rija, que têm como pontos altos o Desfile da Mordomia, composto por muitas centenas de minhotas envergando os diversos trajes regionais, o Cortejo Etnográfico, o Fogo de Artifício e a Procissão ao Mar, ainda a Feira Franca, os Zés Pereiras, corridas de touros, serenatas e concertos.

A Procissão ao Mar e Rio Lima, é uma impressionante manifestação de fé sem fronteiras, sendo por aí que as nossas caravelas chegaram ao Brasil, Índia e a outros pontos do globo. As ruas da Ribeira cobrem-se com tapetes floridos, assinalando a passagem da imagem da Senhora D'Agonia rumo ao mar e são igualmente testemunhos de profunda fé religiosa.

A etnografia tem o seu espaço nos desfiles do Cortejo Etnográfico e na Festa do Traje, onde se podem admirar os belos trajes de noiva, mordoma e lavradeira, vestidos por lindas minhotas que ostentam peitos repletos de autênticas obras de arte em ouro. A festa continua...Tocam as concertinas e os bombos, dançam as lavradeiras...



Estas Festas da Senhora D'Agonia constituem o maior cartaz vivo de atração turística do norte de Portugal. Por dois motivos: em primeiro lugar, porque mantém a especificidade e a individualidade que a caracteriza e a torna diferente, o que significa a preservação do nosso património, das tradições histórico / culturais, da riqueza do nosso folclore, da autenticidade do artesanato, a valorização dos costumes.
Em segundo lugar pelo cartaz turístico da Romaria que já representa, hoje, uma vivência duplamente centenária ( a Romaria data de 1783) e assumida que foi como símbolo de uma região. Região que em termos populares a designa de FESTA.


Saiba mais em:





terça-feira, agosto 15, 2017

O QUE FESTEJAMOS HOJE: A ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA - 15 DE AGOSTO DE 2017



Ao terminar a Sua Missão na terra, Maria, a Imaculada Mãe de Deus, «foi elevada em corpo e alma à glória do Céu». Esta glorificação de Maria é uma consequência natural da sua maternidade divina.
E é este privilégio, concedido à Virgem Imaculada, imune de toda a culpa do pecado original, que nós, católicos, e toda a Igreja Católica, celebramos hoje.
O Seu triunfo como mãe imaculada e filha da Igreja.


LEITURA DO LIVRO DO APOCALIPSE  (Ap. 11,  19a;  12,  1,  3-6a,  10ab):

O Templo de Deus abriu-se no Céu, e a Sua Arca da Aliança foi vista no Templo. Apareceu no Céu um sinal grandioso: uma Mulher vestida com o Sol, e a Lua debaixo dos pés; na cabeça, uma coroa de doze estrelas. E apareceu no Céu outro sinal: um enorme Dragão cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres, e, nas cabeças, sete diademas. A cauda arrastava um terço das estrelas do Céu e lançou-as sobre a Terra. O Dragão colocou-se diante da Mulher que estava para ser mãe, para lhe devorar o Filho assim que nascesse. E Ela teve um Filho varão, que há-de reger todas as nações com ceptro de ferro. O Filho foi-lhe levado para junto de Deus e do Seu trono, e a Mulher fugiu para o deserto, onde tinha um lugar preparado por Deus. Depois, ouvi no Céu uma voz potente : «Eis agora a salvação, o poder e o reinado do nosso Deus, e a autoridade do seu Cristo.»

Palavra do Senhor




Ave Maria, gratia plena. Dominus tecum.
Benedicta tu in mulieribus,
et benedictus fructus ventris tui, Iesus.
Sancta Maria, Mater Dei,
ora pro nobis, peccatoribus,
nunc et in hora mortis nostrae.

Amen.




quinta-feira, agosto 10, 2017

BOA NOITE, AMIGOS. COM O POETA JOÃO MORGADO: "CIÚMES"




CIÚMES


Esta noite, meu amor,
repara que a lua não saiu.

As estrelas, ingénuas e temerosas,
fecharam os olhos e não brilharam.

-E porque não saiu a lua? Perguntas.
-Por ciúmes!

Por ciúmes dos lençóis brancos
onde nos amamos
do branco despido dos nossos corpos
do branco que desvirginámos com os dedos.

Amor, deslaça os braços do teu peito
e que o teu seio seja o nosso astro.

Deixa que a lua chore de ciúmes!



JOÃO MORGADO,
in "PARA TI", pág.32
(KREAMUS)

terça-feira, agosto 08, 2017

PELA NOITE, COM MIA COUTO: " O POUCO PÓ QUE SOMOS"




O POUCO PÓ QUE SOMOS

Não calcas
apenas um pedaço de caminho.

A Terra inteira
está sempre debaixo dos teus pés.

O mesmo torrão que pisas
te irá pesar depois.

Se quiseres leve a eternidade
trata com leveza o chão.

Imaginas-te autor da viagem?

É o oposto:
a terra é que andou em ti.

E, sem queixa nem cansaço,
de mundo e gente
a Terra te acrescentou.

A estrada,
que acreditaste alheia e morta,
é o teu corpo
feito de pedra e sonho.


MIA COUTO,
"vagas e lumes", pág.60


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