sábado, setembro 30, 2017

MENSAGEM DO DIA INTERNACIONAL DA DANÇA 2017




"Dançar é sentir, 
sentir é sofrer, 
sofrer é amar... 
Tu amas, sofres e sentes.
 Dança!" 
Isadora Duncan




O Dia Mundial da Dança celebrou-se no passado  dia 29 de abril, celebração  que se repete todos os anos neste dia. A data foi criada em 1982 pelo Comité Internacional da Dança (CID) da UNESCO, que escolheu o dia 29 de abril como o Dia Internacional da Dança. A comemoração tem por base o dia de nascimento de Jean-Georges Noverre, que nasceu em 1727 e foi um dos grandes nomes mundiais da dança.


Dançarinas do Charleston
A celebração do Dia Mundial da Dança tem como objetivo celebrar esta arte e mostrar a sua universalidade, independentemente das barreiras políticas, culturais e éticas.

No dia de hoje: 

MENSAGEM DO DIA MUNDIAL DA DANÇA 2017 – 29 de Abril

"Tornei-me bailarina devido ao meu desejo de voar. A transcendência da gravidade foi uma coisa que sempre me motivou. As minhas obras não encerram um significado secreto. São exercícios espirituais em forma física.

A dança comunica e expande a linguagem universal da comunicação, dando origem à alegria, beleza e ao avanço do conhecimento humano. A dança tem a ver com a criatividade… e repetidamente… no pensamento, no fazer e na interpretação. Os nossos corpos são a ferramenta para a expressão e não um meio para a representação. Esta noção liberta a nossa criatividade que é a lição essencial e o dom da rate de fazer.

A vida dum artista não termina com a idade, como alguns críticos acreditam. A dança é feita de pessoas e ideias. Na qualidade de espectador pode-se levar o impulso criativo para casa e aplicá-lo na sua vida quotidiana.

Trisha Brown  
(1936-2017)
Trisha Brown


Em comemoração desta data que celebra a Dança, "Preto, Branco, E...", uma vez mais escolheu a década dos anos 20 - os loucos anos 20 - com toda a sua alegria, criatividade e também toda a sua loucura.
Uma década de prosperidade e liberdade, animada pelo som das jazz-bands e pelo charme das melindrosas mulheres modernas da época, a década dos anos 20 caracterizou-se pela frequência dos salões de dança, simbolos dos comportamentos, modo de vestir e também do espírito da época.

A época do Jazz tinha chegado.

Além dos salões, da ópera ou teatro, a sociedade dos anos 20 também frequentava os animatógrafos que exibiam os filmes de Hollywood e os seus astros, como Rodolfo Valentino e Douglas Fairbanks. 

As mulheres copiavam as roupas e os trejeitos das atrizes famosas, entre elas Gloria Swanson e Mary Pickford.

A cantora e dançarina Josephine Baker destacou-se, à data, pela ousadia das suas apresentações, sempre em trajes ousados.

Rosto Anos 20
Livre dos espartilhos, usados até ao final do século XIX, a mulher começou a ter mais liberdade e já se permitia mostrar as pernas, o colo e usar maquiagem. A boca era carmim, pintada de modo semelhante a um coração ou arco de cupido; os olhos eram bem realçados, as sobrancelhas tiradas e delineadas a lápis; a pele era branca, o que acentuava os tons escuros da maquiagem.

A silhueta dos anos 20 era tubular, com vestidos mais curtos, leves elegantes, geralmente em seda, deixando braços e costas à mostra, o que facilitava os movimentos exigentes e frenéticos das novas danças, de onde se destacava o Charleston.

Usualmente as meias eram em tons de beige, para sugerir a nudez das pernas. O chapéu, até então acessório obrigatório, ficou limitado ao uso diurno. O modelo mais popular era o "cloche", enterrado até aos olhos, que só podia ser usado com os cabelos curtíssimos, a "la garçonne", como era chamado.

A mulher era sensual e sem curvas, seios e quadris pequenos. A atenção estava toda voltada para os tornozelos. Em 1927, Jacques Doucet (1853-1929), figurinista francês, subiu as saias ao ponto de mostrar as ligas de renda das mulheres - um verdadeiro escândalo para os mais conservadores.
Esta foi a década da estilista Coco Chanel, com os seus cortes retos, capas , blazers, cardigãs, colares bonitos e compridos, boinas e cabelos curtos.

Durante toda a década Chanel lançou uma moda nova após outra, tornando-se numa das maiores criadoras de moda de todos os tempos. Outro estilista que igualmente marcou estes anos foi Jean Patou, com a sua linha "sportswear" dos famosos fatos de banho e toucas que inundaram as praias elegantes da época.

Os anos 20 foram a década do apogeu da "arte-déco", de Juan Miró e Pablo Picasso. Foram ainda a era das inovações tecnológicas, da eletricidade, da modernização das fábricas, do rádio e também do início do cinema sonoro.

Menu do Cotton Club

Dos clubes e salões de dança, o mais famoso foi o Cotton Club, que se tornou num ícone da época. Nas suas pistas dançava-se o Charleston, originário da estado norte-americano Carolina do Sul, ao som de uma orquestra formada exclusivamente por negros. Era frequentado por uma elite branca.

As mulheres agitavam os vestidos curtos, de cintura baixa e muitas franjas, ao som do Charleston, abanando os colares compridos de cristal e ondulando plumas e os leques. A suas mãos cruzavam-se e descruzavam-se sobre os joelhos, as pernas ora se encostavam ora se afastavam, seguindo um ritmo frenético. Num outro passo da dança, levantavam  as pernas e finalizavam com um agitar das mãos no ar, imitando pandeiros. 

O Charleston, com os seus frenéticos movimentos e integrado no Jazz da época em constante evolução, foi seguido pelo Black Bottom, Shimmy, Quickstep, que não passaram de variantes desta corrente musical e coreográfica.

Sobrevivendo ao logo do tempo, sabemos que o próprio Michael Jackson baseou a criação  do seu famoso passo "Moonwalk" nos movimentos do Charleston e seus congéneres.

Foi ainda e já no final desta década que surgiu o "Swing" e o atual Jive, novas modalidade do jazz, que viriam a atingir o seu apogeu nos anos 30, 40 e 50.

Mas toda a euforia dos "loucos anos 20" acabou no dia 29 de outubro de 1929, quando a Bolsa de Valores de Nova Iorque registou a maior queda da sua história. De um dia para o outro, os investidores perderam tudo, afetando toda a economia dos Estados Unidos e de todo o mundo, consequentemente.


Festa em Salão-Clube "Anos 20"

Aos "loucos anos 20" seguiram-se os anos da "Grande Depressão", marcados pelas falências, desemprego e pelo desespero...







sexta-feira, setembro 22, 2017

PELA NOITE, COM ALBERTO CAEIRO (Het. FERNANDO PESSOA): "QUANDO VIER A PRIMAVERA"



QUANDO VIER A PRIMAVERA


Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma


Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.


Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.


ALBERTO CAEIRO
(het. Fernando Pessoa)



Imagem: Grafite de Sérgio Odeith ("Fernando Pessoa", dist. Lisboa)
Composição gráfica:





Voz: Pedro Lamares


IMAGEM DO DIA, COM VASCO GATO






ESTA NOITE A MÚSICA ANDA NO AR, COM NAT KING COLE: "BLUE MOON", "I WHISH YOU LOVE", "AUTUMN LEAVES".




Nat King Cole
Hoje, para a nossa primeira noite de Outono e como tal,"PRETO, BRANCO, E..." convidou o lendário e inesquecível cantor dos anos 50, NAT KING COLE, Nathaniel Adams Coles, para a preencher. 

NAT KING COLE foi também  o pai da cantora Natalie Cole e faleceu em 1965.O apelido de "King Cole" veio de uma popular cantiga de roda inglesa conhecida como "Old King Cole".

Não mais alguém celebrou o Outono como NAT KING COLE o fez, com a sua extraordinária voz plena de soul, nessa década dos anos 50, gloriosa no panorama da Música mundial.



BOA NOITE, AMIGOS!




segunda-feira, setembro 18, 2017

PARABÉNS, QUERIDA HARI TRINDADE!



MINHA PRAIA


Aqui na minha praia, o sol brilha com prazer,
alimentado a vida que há em mim,
trazendo calor para os dias meus.
Hoje ele aquece o frio de ontem,
faz eu querer mais e mais viver.

As ondas do meu mar estão tranquilas,
fecho os olhos para sentir a brisa
sussurrando em meus ouvidos,
que o amor está logo ali,
quase consigo visualiza-lo,
um pouco mais e posso toca-lo.

Ele espera por mim no virar da esquina,
ou atrás daquela pedra que a onda
acaricia com sua espuma.

Aqui na minha praia,
sinto outro coração bater dentro do meu,
fazendo circular toda emoção guardada
para juntos bater em um só ritmo.

No mesmo compasso,
sentindo o mesmo sol,
ouvindo a mesma brisa.
amando o mesmo amor.

HARI TRINDADE


Imagem – Internet


Hari Trindade
Hari Trindade, nascida em 1963, é Mãe, Amiga, Companheira… é MULHER.
A sua ideia de vida centra-se no conceito de que o amor está em todos e, assim, é para todos, de igual modo.
A autora escreve sobre o amor, suas ações e reações, em forma de poesia.
Como mulher, ela traz, às mulheres, palavras que confortam a alma, e alegram o coração de quem ama, ou espera o amor. Mas as suas palavras também se dirigem aos homens, pois também eles se podem rever em tudo o que ela escreve, com igual ênfase!
Publicou duas coletâneas em 2013, “Café com Verso” pela Futurama Editora, e “Mulheres Fascinantes”, pela Editora Delicatta.
Como fervorosa amante da poesia, Hari Trindade usa o papel e a tinta para transmitir o que sente, levando aos apaixonados, palavras de amor, como um bálsamo para alguns dos seus momentos!
A poetisa vive, em Florianópolis, no sul do Brasil.


Site:


quarta-feira, setembro 13, 2017

PELA NOITE, COM JOAQUIM PESSOA: "HOUVE UMA ILHA EM TI"




HOUVE UMA ILHA EM TI


Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidão.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.

Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vão.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei, não.

Só sei de mim, coberto de raízes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.

A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.


JOAQUIM PESSOA,

in “Ano Comum”




OBRIGADA - "Preto, Branco, E..."



Ao ultrapassar as suas 200.000 visitas, "PRETO, BRANCO, E..." agradece a atenção, amizade e carinho que todos os seus amigos, seguidores e visitantes das diversas redes sociais continuam a testemulhar-lhe. Considerado um Blogue de Excelência e Moderador por uma das mais importantes rede de blogues "World Directory Blogspot", é atualmente visto em 73 países. Particularmente, não podia deixar de referenciar o grande amigo de sempre, Dr. João Catarino, ao qual  este blogue também deveu a sua existência.

 A amizade, retribui-se.

  OBRIGADA!
Dr. João Catarino.


“ O seu trabalho vai preencher uma parte grande da sua vida, e a única maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz. Não há razão para não seguir o seu coração.
Tudo se resume a tentar expor-se às melhores coisas que os seres humanos fizeram e, depois, tentar trazer essas coisas para o que você está a fazer.
Vamos inventar o amanhã e parar de nos preocupar com o passado.”

Steve Jobs





terça-feira, setembro 12, 2017

VIVER NO LIXO, E VIVER DO LIXO - Fabiana Silva, mais uma estória de encantar...






Fabiana Silva deixou de viver nas ruas de São Paulo para passar a viver das ruas da cidade brasileira.
Dos 38 anos que tem, 16 foram passados a céu aberto e esperança fechada pelo crack que a tornou dependente e vulnerável na maior cidade da América do Sul.

Hoje, os 400 quilos de lixo que consegue transportar no carrinho que arrasta a força de músculo são a evidência da força de vontade que a fez, como a milhares de brasileiros, viver do lixo que fica aquém da capacidade de recolha das estruturas camarárias.
 
Fabiana no dia da entrega dos diplomas na escola Coração de Jesus, São Paulo

“Temos de limpar o nosso planeta. Para os nossos futuros netos, os nossos filhos, os nossos tetra-netos. Por isso, sim, temos de limpar a cidade. Eu ando muito nela e vejo como está ficando suja”, responde quando lhe perguntam acerca do que faz e como vive.
Em casa, a limpeza continua e as crianças, uma de 14 anos outra de 8, são cuidadas com os cerca de 27 euros que ganha por dia, isto se Fabiana chegar ao máximo de lixo recolhido que pode vender para reciclar.

Hoje é um dia especial, com direito a maquilhagem e olhar cheio de orgulho. Fabiana voltou à escola que deixou com apenas sete anos para fugir a um padrasto abusivo e recolhe hoje não lixo, mas o diploma pelo qual se esforçou.
Fabiana já passou por muito, mas o sofrimento que testemunha apaga-se na esperança do futuro, quando talvez consiga ser médica veterinária:

“Estou muito feliz. é uma vitória para mim, minha mãe teve 12 filhos, 8 vivos e desses oito nenhum tem formação em nada, e eu estou no processo de me formar, começar a formação. Então, quem sabe depois de um tempo eu não vou para o Superior? Agora quero escrever um livro, a história da minha vida. O meu sonho é ganhar um dinheirinho para poder dar a entrada para comprar uma casinha e conseguir sair da favela do Moinho".



Fabiana continuará, como diria Caetano Veloso, a viver da dura poesia concreta das esquinas de São Paulo…




segunda-feira, setembro 11, 2017

WE REMEMBER - Dia 11 de Setembro de 2001, 16 ANOS DEPOIS.






“Eu, Barack Obama, Presidente dos Estados Unidos, em virtude da autoridade que me confere a Constituição e as leis dos Estados Unidos, proclamo, de sexta-feira, 11, até domingo, 13 de setembro, três dias de oração e comemoração nacional.
Peço aos norte-americanos que honrem e recordem as vítimas do 11 de setembro de 2001 e os seus seres queridos através de orações, contemplação, memoriais, visitas a locais de homenagem, do tocar dos sinos, vigílias às luz de velas e outras cerimónias e homenagens apropriadas”, indicou, num comunicado emitido pelo ainda presidente Barack Obama.

Foi há 16 anos que o mundo parou e assistiu perplexo, às imagens de uma página negra da história, que mudou a humanidade. Cerca de três mil pessoas morreram então.



Também na passada noite, uma vez mais e por todo o mundo, os nossos corações se acenderam em memória desta tragédia que mudou a humanidade. 



domingo, setembro 10, 2017

PELA NOITE, COM VASCO GATO: "A PRISÃO E PAIXÃO DE EGON SCHIELE"






A PRISÃO E PAIXÃO DE EGON SCHIELE



A esta hora em que a noite é uma seringa partida. A esta hora em que os pulmões são de seda e o sangue circula muito devagar. Eu não estou.

Pode ser a chuva numa esplanada ou, ao invés, o carro que trava o tempo da primavera. Não importa.

A noite é uma especiaria que acende os corpos.

Há três dias que durmo desordenadamente. Transpiro e acordo e vejo casas que são desdobramentos da minha própria casa. A verdade é que preciso de ti para um poema. Preciso que te passeies por uma dessas casas, que te sentes, que te deites. Preciso olhar para ti durante 27 segundos.

A solidão é um serviço misterioso. Reunimo-nos para prestar contas do nosso desaparecimento e por vezes agarramos um braço como se pretendêssemos instalá-lo, de repente e para sempre, na nossa ternura.

Todos os meus silêncios são uma criança que espreita. Todas as minhas faltas são uma criança entusiasmada. Todos os meus poemas são crianças mudas que gesticulam.

Todos os dias saio para a decisão de um amor sem protagonista. 

Encosto-me às paragens de autocarro e aceno subitamente a alguém que passa. Por vezes retribuem-me o gesto e ficamos ambos sem saber se por graça, se por um escuro reduto de uma franqueza cada vez mais rara. 

Tens tempo para um estranho? A que horas me poderias dizer o teu nome? Conheço uma igreja que ardeu, conheço outra que é muito muito pequena. Escuta, no meio desse teu deserto, ao passar a caravana do luxo, será que és capaz de suplicar: água?

És capaz? És capaz ainda de suplicar?

Bebe, este poema atua sobre o nervo da alegria. Este poema é um cavalo de crina incendiada a ultrapassar a tarde. Nunca perceberás por que se move, para onde vai, de que se alimenta. Bebe, alguma vez estiveste ébrio no meio da tua ignorância?

Preciso de ti para um poema. Ofereço-te em troca o meu auto-retrato sincero. Tenho quarenta livros prontos para serem lidos. Tenho uma estratégia infalível para implementar a primavera.

Tenho a segurança de um corpo cheio de insónias, pele de galinha, súbitos arrepios, termómetros para novecentas febres, saliva muito devagar, pés descalços, arrebatamentos incomunicáveis, fins de noite numa garrafa de vinho, estilhaços de quatrocentos orgasmos, comoções, paixões flagrantes, primeiros cuidados para jovens suicidas, lâmpadas que se queimaram nas minhas próprias mãos.

Não me visites. Não me visites agora. A noite deu-me uma filha. Tem cabelos verdes. Fiz-lhe um berço de papel. Parece uma estrela caída do invisível trapézio. Vai demorar muito tempo até reencontrar o equilíbrio. Tem pés muito pequenos. Dorme de dia, e à noite respira muito e não me larga a mão.

Sou um pintor. Trago sangue para os vossos olhos. Tenho artérias que se descosem e me cospem dentro de mim mesmo. Preciso de muita paciência, de todas as mulheres do mundo. Durmo sobre a cama profana da minha escuridão. Contagio e deixo-me contagiar pela peste dos bairros pequenos. Não suporto muita luz, não sei o que é uma avenida. Esquina, sou qualquer coisa que o espanto torce. Sou viciado no álcool dos corpos que se difundem. Bebo das vossas bocas o que não pode ser visto. Pinto para me esquecer do que não pode ser visto. Pinto com os materiais clandestinos do meu amor. Não projecto nada na minha tela. Eu sou a tela. Eu sou a luta das cores por um diafragma de beleza. Sou um pintor. Mereço morrer como pintor. Não mereço que me prendam. Mereço todas as minhas paixões. Mereço todas as minhas paixões.

Vi tudo. Não tudo, mas tudo o que me aconteceu. Garanto-te que prestei atenção e estou pronto para mais 47 anos de fita. Não quero rebobinar, quero atravessar os pomares da minha loucura terrena, colhendo frutos, marcando todas as árvores, com fogo, a ilegível assinatura da minha passagem.

Não é para decifrar! Não é para decifrar! É para se desfazer na boca, como açúcar, como vinho, como a erva lenta da infância.

 VASCO GATO
“A prisão e paixão de Egon Schiele”,
&etc, 2005.



Vasco Gato

Vasco Gato, poeta, nasceu no dia 30 de março de 1978 e reside em Lisboa onde nasceu e  trabalha como tradutor.

Publicou as seguintes obras: “Um mover de mão” (2000), “Imo” (2003), “Lúcifer” (2003), “47” (2005), “A prisão e paixão de Egon Schiele” (2005), “Omertà” (2007), “Cerco Voluntário” (2009), “Rusga” (2010), “Napule” (2011), “A Fábrica” (2013), “Fera oculta” (2014).




Voz e montagem: José-António Moreira, Sons da Escrita


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