segunda-feira, março 30, 2015

IMAGEM DO DIA, PRIMEIRO DA SEMANA SANTA. COM O PAPA FRANCISCO.











ESTA NOITE, COM DAVID MOURÃO-FERREIRA: "PENÉLOPE"




PENÉLOPE


Mais do que um sonho: comoção!
Sinto-me tonto, enternecido,
...quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.



DAVID MOURÃO-FERREIRA



sexta-feira, março 27, 2015

PELA NOITE, COM MIA COUTO: "EMBOSCADA"






EMBOSCADA

Sou dente para teu beijo,
garra para tua beleza.

Abro a casa 
para o teu silêncio.

Mas não tenho leito 
para o teu cansaço.

O que nosso amor acende,
luz cega, 
não nos deixa ver,
distintos um e outro.

Embriagada visão
do que é metade,
só vejo o que é tudo.

Eis o meu vício:
o que bebo não tem medida.

O que a minha sede busca
não é bebida,
mas a sombra da água
onde eu,
numa outra vida,
morei sem voz nem mágoa.


MIA COUTO
in "Vagas e lumes"



quarta-feira, março 25, 2015

PELA NOITE, COM MIA COUTO: "VINTE E ZINCO"





29 de abril


Vou-lhe explicar uma coisa – o que é triste é morrermos da morte de um outro. Quer dizer: cada qual tem a sua própria morte, única e exclusiva como a vida. Esse é o momento final que nos está destinado. Mas, às vezes, uma outra morte, por engano, cruza connosco.

Assim é que é triste morrer.

MIA COUTO
In “Vinte e zinco (29 de abril)”



IMAGEM DO DIA, COM HERBERTO HELDER: "OS PASSOS EM VOLTA"










ESTA NOITE, ÚLTIMA HOMENAGEM AO GRANDE POETA HERBERTO HELDER (1930-2015): " NÃO SEI COMO DIZER-TE "




NÃO SEI COMO DIZER-TE


Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
— E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
— não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço —
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
 que te procuram.



Aquele que era o maior poeta português vivo deixou a vida nesta manhã de segunda-feira, aos 84 anos, mas a sua obra permanecerá. 

O seu último livro, "A Morte Sem Mestre", foi publicado no ano passado. Distinguido em 1994 com o Prémio Pessoa, recusou recebê-lo. "Não digam a ninguém e deem o prémio a outro", pediu ao júri.

Descanse em paz.




terça-feira, março 24, 2015

PELA NOITE, COM JOSÉ RÉGIO: " PÉROLA SOLTA "







PÉROLA SOLTA


Sem que eu a esperasse,

Rolou aquela lágrima

No frio e na aridez da minha face.

Rolou devagarinho...,

Até à minha boca abriu caminho.

Sede! o que eu tenho é sede!

Recolhi-a nos lábios e bebi-a.

Como numa parede

Rejuvenesce a flor que a manhã orvalhou,

Na boca me cantou,

Breve como essa lágrima,

Esta breve elegia.



JOSÉ RÉGIO
1901 - 1969

Portugal





quinta-feira, março 19, 2015

PARABÉNS A TODOS OS PAIS, NESTE SEU DIA. COM O POETA JORGE DE SENA...- Dia do Pai 2015







NASCEU-TE UM FILHO


Nasceu-te um filho. Não conhecerás,
jamais, a extrema solidão da vida.
Se a não chegaste a conhecer, se a vida
ta não mostrou - já não conhecerás

a dor terrível de a saber escondida
até no puro amor. E esquecerás,
se alguma vez adivinhaste a paz
traiçoeira de estar só, a pressentida,

leve e distante imagem que ilumina
uma paisagem mais distante ainda.
Já nenhum astro te será fatal.

E quando a Sorte julgue que domina,
ou mesmo a Morte, se a alegria finda
- ri-te de ambas, que um filho é imortal.



JORGE DE SENA,
in 'Visão Perpétua'




quarta-feira, março 18, 2015

IMAGEM DO DIA, COM MIA COUTO: " SE OBAMA FOSSE AFRICANO"





A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza. 
A nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. 
Quem deve sentir vergonha não é o pobre mas quem cria pobreza.


MIA COUTO
In “Se Obama fosse africano (Os sete sapatos sujos)”



segunda-feira, março 16, 2015

PELA NOITE, COM MIA COUTO. "DIZ O MEU NOME"







DIZ O MEU NOME


Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem
os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome



MIA COUTO,
in 'Raiz de Orvalho'




domingo, março 15, 2015

IMAGEM DO DIA, COM MIA COUTO: "TERRA SONÂMBULA"







MORRE SIR TERRY PRATCHET (1948-2015), PAI DO MUNDO DA FANTASIA...







Morreu Terry Pratchet, escritor da série "Discworld", aos 66 anos de idade, na semana passada. O autor sofria de uma forma rara da doença de Alzeimer com um início precoce. Vendeu mais de 65 milhões de livros da franquia "Discworld", saga de fantasia que lançou em 1983.

"O mundo perdeu uma das pessoas mais brilhantes, uma das mentes mais afiadas", declarou Larry Finlay, editor do autor.
"Terry faleceu em sua casa, com o seu gato dormindo na sua cama e cercado pela família, no passado dia 12 de março. Lutou contra uma doença progressiva com a sua determinação e criatividade, e nunca deixou de escrever".


“Discworld” é uma série iniciada em 1983, com a publicação de “A cor da magia”, que faz paródias com universos de fantasia bem populares, passando pelo “Senhor dos anéis” e brincando até com fenómenos mais recentes, como “Harry Potter”. Rincewind, um dos personagens mais famosos de Pratchett, por exemplo, é um mago que foi reprovado na escola de magia.

Com mais de 40 livros publicados, a história da série passa-se em Discworld, um mundo plano posicionado sobre as costas de quatro elefantes, que por sua vez ficam em cima do casco de uma tartaruga  gigante. Pratchett brincava com mitos e folclores de culturas do mundo todo para criar seus livros, e fez mesmo parcerias com outros escritores modernos de ficção como Neil Gailman, de “Sandman”.
Deixou a  esposa Lyn e a sua filha Rhianna.

Descanse em paz











PELA TARDE, COM MIGUEL SOUSA TAVARES: "MADRUGADA SUJA"





E agora, de volta à minha aldeia, onde a luz elétrica chegara tarde demais para os homens, madrugada dentro, eu lia o Guerra e Paz. Numa aldeia morta, numa noite deserta, seguia, como se estivesse a ver, o esplendor dos salões de baile do Império Russo, a imensidão das estepes gélidas, os gritos de horror dos estropiados pelo fogo dos canhões de Napoleão Bonaparte e chegava-me mais ao calor da lareira para não sentir a solidão das trincheiras de lama, húmidas, frias, desoladas, onde se abrigava o exército de Kutúsov.

Alguém dissera um dia, que se pode viver sem tudo, menos água e comida, mas que viver sem livros e sem música não seria o mesmo que viver,


MIGUEL SOUSA TAVARES
in "Madrugada Suja"


quinta-feira, março 12, 2015

50 ANOS DEPOIS, ANTHONY HOPKINS OUVE A SUA VALSA, INTERPRETADA POR ANDRÉ RIEU...





Esta estória aconteceu em 2011, mas o tempo não esquece episódios incríveis  como este. No início da sua carreira o ator Anthony Hopkins, antes de se tornar numa das maiores estrelas e galardoado com um Óscar pela sua interpretação em "O Silêncio dos Inocentes", foi músico e compôs uma valsa que se chamou "Anda The Waltz Goes On".


A composição surgiu depois Antony Hopkins ter assistido a uma atuação do então jovem violinista André Rieu. O ator então decidiu mandar a composição ao musico holandês que, segundo ele, recebia imensas cartas e telefonemas a pedirem que tocasse as suas peças.

Rieu, ao perceber quem lhe tinha enviado a valsa, entrou em contacto com Hopkins que lhe afirmou que ninguém havia ainda interpretado a peça. Entusiasmado, André Rieu decidiu levar a peça a uma das salas da Ópera de Viena, convidou Anthony Hopkins, de Hollywood, e este deslocou-se a Viena, sem saber que a peça iria ser interpretada.

O seu olhar emocionado, quando escutava a sua valsa, comoveu toda a gente. A valsa, magnífica, deixou todos os presentes rendidos à desconhecida veia artística do ator...







quarta-feira, março 11, 2015

PELA NOITE, COM O POETA MIA COUTO: " AMOR, MEU AMOR "







O AMOR, MEU AMOR

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meu dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
Menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.


MIA COUTO


PELA NOITE, COM LUÍZ VAZ DE CAMÕES:"O AMOR É UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER"






Amor é um Fogo que Arde sem se Ver


Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?


LUIZ VAZ DE CAMÕES,
in “Sonetos”






sábado, março 07, 2015

IMAGEM DO DIA, COM MIA COUTO: "O BEIJO DA PALAVRINHA"










DIA INTERNACIONAL DA MULHER 2015 - Para todas, o meu abraço...




MÃE...



São três letras apenas,

As desse nome bendito:
Três letrinhas,nada mais...
E nelas cabe o infinito
E palavra tão pequena
-confessam mesmo os ateus-
És do tamanho do céu
E apenas menor do que Deus!


MÁRIO QUINTANA


PARA TODAS AS MULHERES, O MEU ABRAÇO E O MEU CARINHO.

quarta-feira, março 04, 2015

UMA TARDE COM MIA COUTO: " A PRIMEIRA PALAVRA"





A PRIMEIRA PALAVRA


"Aproxima o teu coração
e inclina o teu sangue
para que eu recolha
os teus inacessíveis frutos
para que prove da tua água
e repouse na tua fronte
Debruça o teu rosto
sobre a terra sem vestígio
prepara o teu ventre
para a anunciada visita
até que nos lábios humedeça
a primeira palavra do teu corpo"


MIA COUTO



segunda-feira, março 02, 2015

PELA NOITE. COM MIA COUTO: "O ESPELHO"






O ESPELHO


Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.
Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.
A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos...



MIA COUTO


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