segunda-feira, março 31, 2014

HOJE, RECORDEI ESTE POEMA...








SE…


Se consegues manter a calma
quando à tua volta todos a perdem
e te culpam por isso.

Se consegues ter confiança em ti
quando todos duvidam de ti
e aceitas as suas dúvidas

Se consegues esperar sem te cansares por esperar
ou caluniado não responderes com calúnias
ou odiado não dares espaço ao ódio
sem porém te fazeres demasiado bom
ou falares cheio de conhecimentos

Se consegues sonhar
sem fazeres dos sonhos teus mestres

Se consegues pensar
sem fazeres dos pensamentos teus objectivos

Se consegues encontrar-te com o Triunfo e a Derrota
e tratares esses dois impostores do mesmo modo

Se consegues suportar
a escuta das verdades que dizes
distorcidas pelos que te querem ver
cair em armadilhas
ou encarar tudo aquilo pelo qual lutaste na vida
ficar destruído
e reconstruíres tudo de novo
com instrumentos gastos pelo tempo

Se consegues num único passo
arriscar tudo o que conquistaste
num lançamento de cara ou coroa,
perderes e recomeçares de novo
sem nunca suspirares palavras da tua perda.

Se consegues constringir o teu coração,
nervos e força
para te servirem na tua vez
já depois de não existirem,
e aguentares
quando já nada tens em ti
a não ser a vontade que te diz:
"Aguenta-te!"

Se consegues falar para multidões
e permaneceres com as tuas virtudes
ou andares entre reis e pobres
e agires naturalmente

Se nem inimigos
ou amigos queridos
te conseguirem ofender

Se todas as pessoas contam contigo
mas nenhuma demasiado

Se consegues preencher cada minuto
dando valor
a todos os segundos que passam

Tua é a Terra
e tudo o que nela existe
e mais ainda,
tu serás um Homem, meu filho!



RUDYARD KIPLING,
Nobel da Literatura(1909)

(Tradução de Vitor Vaz da Silva do poema "IF")







domingo, março 30, 2014

FINAL DE TARDE COM CHOPIN - Noturno Op.9





Oferecido a Camille Pleyel (1830-1832) e inserido num conjunto de três noturnos, Chopin traz-nos o caminho da inovação para as suas obras posteriores nesta peça maravilhosa.
Ouçamos...



quarta-feira, março 26, 2014

PELA NOITE...Com Fernando Pessoa






A MINHA CAMISA ROTA



A minha camisa rota 


(Pois não tenho quem me a cosa) 

É parte minha na rota 

Que vai para qualquer cousa, 

Pois o estar rota denota 

Que a minha atenção valiosa 

Para outros cimos se volta. 

Mas sei que isto é nada, 

Que a miséria não é mal

E que a camisa rasgada 

Não me traz a alma enganada, 

Em busca do Santo Graal



FERNANDO PESSOA 

31-10-1933 

In Poesias Inéditas (1930-1935), 1955




domingo, março 23, 2014

ÁFRICA MINHA...- As mais Belas Imagens da Região de Angola







"PRETO, BRANCO, E..." escolheu algumas das imagens mais belas da região de Angola, dos seus habitantes naturais, da sua fauna e da sua flora.
Ficam para sempre no seu coração.







sexta-feira, março 21, 2014

PELA NOITE DESTE DIA MUNDIAL DA POESIA...Com Luís Vaz de Camões








DESCALÇA VAI PERA A FONTE


Descalça vai pera a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.


Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de camalote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa, e não segura.


Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entraçado,
Fita de cor encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa, e não segura.



LUÍS DE CAMÕES
( 1524 ou 1525 - 1579 ou 1580)

NO DIA MUNDIAL DA POESIA - Sofia de Mello Breyner Andresen
















segunda-feira, março 17, 2014

EDELWEISS - A LENDA












 Edelweiss(Leontopodium alpinum), a mais conhecida e poética flor das montanhas e da neve, é originária das estepes da Ásia Central. É uma pequena flor, com o centro de um amarelo acinzentado, rodeada de pétalas brancas e aveludadas. Floresce de Julho a Setembro.
Esta flor branca é uma planta protegida por lei na Áustria e Suiça.  Surge nas moedas de euro austríacas (0,02 €), é considerada o “supremo talismã do amor” e os generais suíços exibem-na em vez de estrelas, para assinalar a sua graduação.

Historicamente,  Edelweiss foi usada como símbolo do movimento jovem anti-nazista chamado The Edelweiss Pirates, nos anos 1930.
Mais tarde, em 1959, foi criado nos Estados Unidos o musical The Sound of Music (conhecido no Brasil como A Noviça Rebelde), que conta a história da nobre família Von Trapp no período de avanço do III Reich. As canções são de Richard Rodgers e as letras de Oscar Hammerstein II – uma das músicas da peça é a Edelweiss.

Mas acerca desta flor, contam-se lendas…

Conta-se que há milhares e milhares de anos – quem poderia contá-los? – surgiu uma montanha num planalto coberto de neve.
Todas as suas vertentes eram escarpas cobertas de neve e gelo, como se fosse uma cobertura rendada. E lá no cimo da montanha, num píncaro inacessível de brancuras imaculadas, encontrava-se a Dama Branca sobre o seu trono de gelo. Vítima de um sortilégio, ali ficara prisioneira das neves eternas, até que um ser humano chegasse até ela e lhe beijasse a mão.

A aventura era considerada impossível porque, ainda que algum audacioso pudesse escalar a alta e íngreme montanha, pequenos gnomos armados de flechas trespassá-lo-iam.
No entanto, um dia, um belo e jovem príncipe quis tentar a escalada perigosa. Chamava-se Dourado. Insensível às súplicas e lágrimas do seu povo, partiu.

Ao atingir o planalto, despediu-se dos seus soldados e começou a subir a montanha.
Quando estava prestes a atingir o pico onde se encontrava a Dama Branca, uma enorme massa do rochedo desprendeu-se e arrastou-o. A Dama Branca que ansiosa e trémula tinha seguido os seus esforços, desatou a chorar quando viu o seu príncipe precipitar-se no abismo.
E cada uma das suas lágrimas, ao tocarem a neve, transformava-se numa estranha flor, desconhecida até ali. As pétalas dispostas em auréola em volta de um pequeno chapéu de flores amarelo acinzentado, eram brancas e como que cobertas de uma delicada penugem para as proteger do frio.

Pareciam recortadas num tecido suave e irreal, duma beleza delicadíssima, mas severa. Eram os filhos da dor e do rochedo. O vento, acariciando estas flores, levou para longe sementes que foram cair sobre montanhas vizinhas e dessas, passaram depois de novas flores, para outras montanhas… E foi assim que de montanha em montanha chegaram aos Alpes e lembram para sempre a Dama Branca e o seu príncipe Dourado.
Por isso muitos apaixonados arriscaram-se, escalando os alpes em busca da flor do amor eterno.
         
Os que retornaram com um ramo de Edelweiss provaram que eram valentes e merecedores do amor de sua amada. Porém,  muitos não voltaram …








sábado, março 15, 2014

PORQUE OS PAIS SÃO OS MELHORES AMIGOS, COMPANHEIROS... - Dia do Pai, 19 de Março de 2014






AMIGO


Porque vejo nos teus olhos
sem os ver
Porque sinto a tua presença
sem a ter
Porque me escutas
sem me ouvires
Porque me afagas
sem me tocares
Porque me olhas
sem me ver
Porque derrotas
a minha solidão
Porque me iluminas
quando há escuridão
Porque és
Verdade
Luz
Espelho
Água
Vida
Sorriso
Ponte
Mar
Casa
Porque és
partilha
És
meu amigo.


FÁTIMA GUIMARÃES 
(a publicar)




quinta-feira, março 13, 2014

13:ª EDIÇÃO DOS "WELLCOME IMAGE AWARDS OF THE YEAR"- As Melhores Imagens da Ciència




A 13ª Edição dos Wellcome Image Awards realizou-se  em 11 de março de 2013 e reconheceu algumas das mais maravilhosas imagens cientificas do ano.

Neste ano de 2014 a  vencedora de todas as categorias foi uma imagem de um bypass no peito de um paciente. A fotografia foi tirada por Anders Persson, Director do Medical Image Science and Visualisation na Universidade Linköping na Suiça e que introduz esta mensagem.

OUTRAS FOTOS:

Cancro da mama:  As células azuis são as cancerígenas e são as responsáveis pela morte das células roxas.
Micrografia eletrónica de um talo de uma flor de agrião onde são mostrados os órgãos reprodutores masculinos e femininos.
Digitalização micrografia eletrónica da superfície do tecido do coração humano. Aglomerados de sais de cálcio (terminações cor de laranja) obstruem a válvula do coração através de um processo chamado calcificação.
Vista panoramica de fibras nervosas num cérebro humano, adulto, normal e saudável

Digitalização micrografia eletrónica de uma pedra no rim.
Tomografia computadorizada (TC) da cabeça de uma foca. Partes 'virtuais' foram retiradas da foca usando radiografias. Estas foram usadas para criar um modelo digital 3D que pode ser modificado e ampliado
Piolho em cabelo humano. Cor verde (o piolho) e a cor castanha (cabelo castanho).



UMA PORTA QUE SE FECHA SOBRE UM GRANDE HOMEM DA RELIGIÃO E CULTURA...- D. JOSÉ POLICARPO (1936-2014)



"As coisas bonitas da Igreja não vêm nos jornais"
(D. José Policarpo, 1936-2014)




Esperava ser um exemplo de um doutor que pode ser bom pastor. Dizia-se "sensível" para a política, mas "sem jeito". Na última entrevista à Renascença, D. José Policarpo lembrou aos portugueses que "o céu não é o Estado", falava de falta generosidade nas finanças e reiterava que os políticos profissionais são um "perigo". Falou do último livro que o entusiasmou e contou piadas sobre as reuniões em Roma. 

Assim era D. José Policarpo, na primeira pessoa. 

O Patriarca Emérito de Lisboa faleceu aos 78 anos às 19h50 no hospital SAMS, de Lisboa, vítima de um aneurisma na aorta.

Espera-se a sua chegada esta quinta-feira, 13 de Março, à Sé de Lisboa, pelas 15h00. As exéquias, presididas pelo Patriarca de Lisboa D. Manuel Clemente, vão ser celebradas na sexta-feira, dia 14, às 16h00 na Sé Patriarcal, seguindo depois para o Panteão dos Patriarcas, no Mosteiro de São Vicente de Fora.



Descanse na sua paz, tão merecida.







quarta-feira, março 12, 2014

PORQUE AMANHÃ NÃO SERÁ A ÚLTIMA QUINTA FEIRA...





DIA DE ANOS


Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse…
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!

 Não sei quem foi que me disse
Que fez  a mesma tolice
Aqui o ano passado…
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!

 Não faça tal; porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa; que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.

 Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los, queira ou não queira!


JOÃO DE DEUS





terça-feira, março 11, 2014

PELA NOITE...Recordando MIA COUTO





PERGUNTA-ME

 
Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistérioindecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer


MIA COUTO

(Raiz de Orvalho e Outros Poemas)


MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA A QUARESMA DE 2014 - UM ANO DE PONTIFICADO








Nesta semana, em que o Papa Francisco celebra o primeiro aniversário do seu pontificado, em retiro espiritual, conjuntamente com toda a Cúria Romana, a sua mensagem quaresmal dirigida a todos os católicos e ao mundo.


Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2014:


“Fez-Se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza” (cf. 2 Cor 8, 9)


Queridos irmãos e irmãs!

Por ocasião da Quaresma, ofereço-vos algumas reflexões com a esperança de que possam servir para o caminho pessoal e comunitário de conversão. Como motivo inspirador tomei a seguinte frase de São Paulo: «Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2 Cor 8, 9). O Apóstolo escreve aos cristãos de Corinto encorajando-os a serem generosos na ajuda aos fiéis de Jerusalém que passam necessidade. A nós, cristãos de hoje, que nos dizem estas palavras de São Paulo? Que nos diz, hoje, a nós, o convite à pobreza, a uma vida pobre em sentido evangélico?

A graça de Cristo

Tais palavras dizem-nos, antes de mais nada, qual é o estilo de Deus. Deus não Se revela através dos meios do poder e da riqueza do mundo, mas com os da fragilidade e da pobreza: «sendo rico, fez-Se pobre por vós». Cristo, o Filho eterno de Deus, igual ao Pai em poder e glória, fez-Se pobre; desceu ao nosso meio, aproximou-Se de cada um de nós; despojou-Se, «esvaziou-Se», para Se tornar em tudo semelhante a nós (cf. Fil 2, 7; Heb 4, 15). A encarnação de Deus é um grande mistério. Mas, a razão de tudo isso é o amor divino: um amor que é graça, generosidade, desejo de proximidade, não hesitando em doar-Se e sacrificar-Se pelas suas amadas criaturas. A caridade, o amor é partilhar, em tudo, a sorte do amado. O amor torna semelhante, cria igualdade, abate os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez connosco. Na realidade, Jesus «trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado» (CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. Gaudium et spes, 22).

A finalidade de Jesus Se fazer pobre não foi a pobreza em si mesma, mas – como diz São Paulo – «para vos enriquecer com a sua pobreza». Não se trata dum jogo de palavras, duma frase sensacional. Pelo contrário, é uma síntese da lógica de Deus: a lógica do amor, a lógica da Encarnação e da Cruz. Deus não fez cair do alto a salvação sobre nós, como a esmola de quem dá parte do próprio supérfluo com piedade filantrópica. Não é assim o amor de Cristo! Quando Jesus desce às águas do Jordão e pede a João Batista para O batizar, não o faz porque tem necessidade de penitência, de conversão; mas fá-lo para Se colocar no meio do povo necessitado de perdão, no meio de nós pecadores, e carregar sobre Si o peso dos nossos pecados. Este foi o caminho que Ele escolheu para nos consolar, salvar, libertar da nossa miséria. Faz impressão ouvir o Apóstolo dizer que fomos libertados, não por meio da riqueza de Cristo, mas por meio da sua pobreza. E todavia São Paulo conhece bem a «insondável riqueza de Cristo» (Ef 3, 8), «herdeiro de todas as coisas» (Heb 1, 2).

Em que consiste então esta pobreza com a qual Jesus nos liberta e torna ricos? É precisamente o seu modo de nos amar, o seu aproximar-Se de nós como fez o Bom Samaritano com o homem abandonado meio morto na berma da estrada (cf. Lc 10, 25-37). Aquilo que nos dá verdadeira liberdade, verdadeira salvação e verdadeira felicidade é o seu amor de compaixão, de ternura e de partilha. A pobreza de Cristo, que nos enriquece, é Ele fazer-Se carne, tomar sobre Si as nossas fraquezas, os nossos pecados, comunicando-nos a misericórdia infinita de Deus. A pobreza de Cristo é a maior riqueza: Jesus é rico de confiança ilimitada em Deus Pai, confiando-Se a Ele em todo o momento, procurando sempre e apenas a sua vontade e a sua glória. É rico como o é uma criança que se sente amada e ama os seus pais, não duvidando um momento sequer do seu amor e da sua ternura. A riqueza de Jesus é Ele ser o Filho: a sua relação única com o Pai é a prerrogativa soberana deste Messias pobre. Quando Jesus nos convida a tomar sobre nós o seu «jugo suave» (cf. Mt 11, 30), convida-nos a enriquecer-nos com esta sua «rica pobreza» e «pobre riqueza», a partilhar com Ele o seu Espírito filial e fraterno, a tornar-nos filhos no Filho, irmãos no Irmão Primogénito (cf. Rm 8, 29).
Foi dito que a única verdadeira tristeza é não ser santos (Léon Bloy); poder-se-ia dizer também que só há uma verdadeira miséria: é não viver como filhos de Deus e irmãos de Cristo.

O nosso testemunho

Poderíamos pensar que este «caminho» da pobreza fora o de Jesus, mas não o nosso: nós, que viemos depois d'Ele, podemos salvar o mundo com meios humanos adequados. Isto não é verdade. Em cada época e lugar, Deus continua a salvar os homens e o mundo por meio da pobreza de Cristo, que Se faz pobre nos Sacramentos, na Palavra e na sua Igreja, que é um povo de pobres. A riqueza de Deus não pode passar através da nossa riqueza, mas sempre e apenas através da nossa pobreza, pessoal e comunitária, animada pelo Espírito de Cristo.

À imitação do nosso Mestre, nós, cristãos, somos chamados a ver as misérias dos irmãos, a tocá-las, a ocupar-nos delas e a trabalhar concretamente para as aliviar. A miséria não coincide com a pobreza; a miséria é a pobreza sem confiança, sem solidariedade, sem esperança. Podemos distinguir três tipos de miséria: a miséria material, a miséria moral e a miséria espiritual. A miséria material é a que habitualmente designamos por pobreza e atinge todos aqueles que vivem numa condição indigna da pessoa humana: privados dos direitos fundamentais e dos bens de primeira necessidade como o alimento, a água, as condições higiénicas, o trabalho, a possibilidade de progresso e de crescimento cultural. Perante esta miséria, a Igreja oferece o seu serviço, a sua diakonia, para ir ao encontro das necessidades e curar estas chagas que deturpam o rosto da humanidade. Nos pobres e nos últimos, vemos o rosto de Cristo; amando e ajudando os pobres, amamos e servimos Cristo. O nosso compromisso orienta-se também para fazer com que cessem no mundo as violações da dignidade humana, as discriminações e os abusos, que, em muitos casos, estão na origem da miséria. Quando o poder, o luxo e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por se antepor à exigência duma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha.

Não menos preocupante é a miséria moral, que consiste em tornar-se escravo do vício e do pecado. Quantas famílias vivem na angústia, porque algum dos seus membros – frequentemente jovem – se deixou subjugar pelo álcool, pela droga, pelo jogo, pela pornografia! Quantas pessoas perderam o sentido da vida; sem perspetivas de futuro, perderam a esperança! E quantas pessoas se veem constrangidas a tal miséria por condições sociais injustas, por falta de trabalho que as priva da dignidade de poderem trazer o pão para casa, por falta de igualdade nos direitos à educação e à saúde. Nestes casos, a miséria moral pode-se justamente chamar um suicídio incipiente. Esta forma de miséria, que é causa também de ruína económica, anda sempre associada com a miséria espiritual, que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos o seu amor. Se julgamos não ter necessidade de Deus, que em Cristo nos dá a mão, porque nos consideramos autossuficientes, vamos a caminho da falência. O único que verdadeiramente salva e liberta é Deus.

O Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão e a vida eterna. O Senhor convida-nos a sermos jubilosos anunciadores desta mensagem de misericórdia e esperança. É bom experimentar a alegria de difundir esta boa nova, partilhar o tesouro que nos foi confiado para consolar os corações dilacerados e dar esperança a tantos irmãos e irmãs imersos na escuridão. Trata-se de seguir e imitar Jesus, que foi ao encontro dos pobres e dos pecadores como o pastor à procura da ovelha perdida, e fê-lo cheio de amor. Unidos a Ele, podemos corajosamente abrir novas vias de evangelização e promoção humana.

Queridos irmãos e irmãs, possa este tempo de Quaresma encontrar a Igreja inteira pronta e solícita para testemunhar, a quantos vivem na miséria material, moral e espiritual, a mensagem evangélica, que se resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto a abraçar em Cristo toda a pessoa. E poderemos fazê-lo na medida em que estivermos configurados com Cristo, que Se fez pobre e nos enriqueceu com a sua pobreza. A Quaresma é um tempo propício para o despojamento; e far-nos-á bem questionar-nos acerca do que nos podemos privar a fim de ajudar e enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói.

Pedimos a graça do Espírito Santo que nos permita ser «tidos por pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e, no entanto, tudo possuindo» (2 Cor 6, 10). Que Ele sustente estes nossos propósitos e reforce em nós a atenção e solicitude pela miséria humana, para nos tornarmos misericordiosos e agentes de misericórdia. Com estes votos, asseguro a minha oração para que cada crente e cada comunidade eclesial percorra frutuosamente o itinerário quaresmal, e peço-vos que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!


Vaticano, 26 de dezembro de 2013 (Agência Ecclesia)


Festa de Santo Estêvão, diácono e protomártir.






Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...