quarta-feira, abril 18, 2012

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902-1987) - Apontamento de Poesia Contemporânea (Parte IX)




O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar...




Poeta, cronista, contista e tradutor brasileiro, Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, no dia 31 de outubro de 1902. A sua obra traduz a visão de um individualista comprometido com a realidade social.


Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Manuel Bandeira,
Mario Quintana  e Paulo Mendes Campos
Na obra poética de Carlos Drummond de Andrade, a expressão pessoal evolui numa linha em que a originalidade e a unidade do projeto  confirmam-se a cada passo. Ao mesmo tempo, também se assiste à construção de uma obra fiel à tradição literária que liga a paisagem brasileira à poesia culta ibérica e europeia.

Oriundo de uma família de fazendeiros em decadência, estudou na cidade natal, em Belo Horizonte, e no Rio de Janeiro com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo, de onde foi expulso por "insubordinação mental". De novo em Belo Horizonte, começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, que aglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista mineiro.

Cartaz de uma entrevista de Julieta Drummond de Andrade a seu pai,
o escritor Carlos Drummond de Andrade

Ante a insistência familiar para que obtivesse um diploma, formou-se em Farmácia na cidade de Ouro Preto, em 1925. Com outros escritores fundou "A Revista" que, apesar de uma vida breve, tornou-se num importante veículo de afirmação do modernismo em Minas. Ingressou no serviço público e em 1934 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945. Excelente funcionário, passou depois a trabalhar no Serviço de Património Histórico e Artístico Nacional, aposentando-se em 1962. A partir de 1954, colaborou como cronista no Correio da Manhã e, no início de 1969, no Jornal Brasil.

A obra poética de Drummond de Andrade é caracterizada pelo predomínio da individualidade. O modernismo não chega a ser dominante nem mesmo nos primeiros livros de Drummond, "Alguma Poesia" (1930) e "Brejo das Almas" (1934), em que o poema-piada e a descontração sintática pareceriam revelar o contrário. A característica dominante é a individualidade do autor, poeta da ordem e da consolidação, ainda que sempre, e fecundamente, contraditórias. 
Monumento a Drummond de Andrade em Copacabana, Rio de Janeiro

Torturado pelo passado, assombrado com o futuro, detem-se num presente dilacerado por este e por aquele, testemunha lúcida de si mesmo e do percurso dos homens, sob um ponto de vista melancólico e cético. Mas, quando ironiza os costumes e a sociedade, asperamente satírico em seu amargor e desencanto, entrega-se com empenho e requinte construtivo à comunicação estética desse modo de ser e estar.

Daí surge o rigor, que toca a obsessão. O poeta trabalha sobretudo com o tempo, no seu brilho do quotidiano e subjetivo, no que destila do corrosivo, no que desmonta, dispersa, desarruma, do berço ao túmulo - do indivíduo ou de uma cultura.

Notícia da morte do escritor no Jornal do Brasil
Em "Sentimento do Mundo" (1940), em "José" (1942) e sobretudo com "A Rosa do Povo" (1945), Drummond  lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, participando, solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta a explicitação da sua apreensão mais íntima para com a vida como um todo. A sucessão surpreendente das obras-primas, indica a maturidade plena do poeta, sempre presente em cada uma delas.

Alvo de uma admiração ilimitada, quer pela sua obra poética como pelo seu comportamento como escritor, Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17 de agosto de 1987, poucos dias após a morte da sua única filha, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade.


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Poemas de Drummond de Andrade:

1- Mãe; 2- José;  3-Memória; 4-O que se passa
na cama; 5-Confronto

Mãe

Por que é que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não se apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto do seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.



Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.



O que se passa na cama

(O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)
É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo,
e por ele navegando,
atinge a paz do outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pênis.

Ai, cama canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme onça suçuarana,
dorme cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima...O pênis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.

E silenciam os que amam,
entre lençol e cortina
ainda úmidos de sêmen,
estes segredos de cama.



Confronto

Bateu, Amor à porta da Loucura.
"Deixe-me entrar, pediu, sou teu irmão.
Só tu me limparás da lama escura
a que me conduziu a paixão"

A Loucura desdenha recebê-lo,
sabendo quanto o Amor vive de engano,
mas estarrece de surpresa ao vê-lo, de humano que era,
assim tão inumano.

E exclama: "Entra correndo, o pouso é teu".
Mais que ninguém mereces habitar
minha casa infernal, feita de breu.
Enquanto me retiro, sem destino,
pois não sei de mais triste desatino
que este mal sem perdão, o mal de Amor".












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