segunda-feira, janeiro 23, 2012

MANUEL ALEGRE, O POETA (1936-) - Apontamento de Poesia Contemporânea (Parte VII)






...Eu venho incomodar.
Trago palavras como bofetadas
e é inútil mandarem-me calar.
...Já disse: planto espadas
e transformo destinos.
E para isso basta-me tocar os sinos
que cada homem tem no coração.
(Manuel Alegre, in "Praça da Canção")





Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de maio de 1936, em Águeda. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde foi um aluno de intensa atividade estudantil. Apoiou a candidatura do General Humberto Delgado. Foi fundador da CITAC - Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, membro do TEUC - Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, campeão naci onal de natação e atleta internacional da Associação Académica de Coimbra. Dirigiu o jornal "A Briosa", foi redator da revista "Vértice" e colaborador de "Via Latina".

Manuel Alegre, estudante em Coimbra

A sua tomada de posição sobre a ditadura e a guerra colonial levam o regime de Salazar a chamá-lo para o serviço militar em 1961, sendo colocado nos Açores, onde tenta uma ocupação da Ilha de São Miguel, com Melo Antunes. Em 1962 é mobilizado para Angola, onde dirige uma tentativa pioneira de revolta militar.

É preso pela PIDE em Luanda, em 1963, durante 6 meses. Na cadeia conhece escritores angolanos como Luandino Vieira, António Jacinto e António Cardoso. Colocado com residência fixa em Coimbra, acaba por passar à clandestinidade e sair para o exílio em 1964.

Passa dez anos exilado em Argel, onde foi dirigente da Frente Patriótica de Libertação Nacional. Aos microfones da emissora A Voz da Liberdade, a sua voz converte-se num símbolo de resistência e liberdade.

Entretanto, os seus dois primeiros livros, Praça da Canção (1965) e O Canto das Armas (1967) são apreendidos pela censura, mas passam de mão em mão, em cópias clandestinas, manuscritas ou dactilografadas. Poemas seus, cantados entre outros, por Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e Luís Cília, tornaram-se emblemáticos da luta pela liberdade.

Regressa finalmente a Portugal em 2 de maio de1974, dias após o 25 de Abril. Entra no Partido Socialista onde, ao lado de Mário Soares, promove as grandes mobilizações populares que permitem a consolidação da democracia e a aprovação de Constituição de 1976, de cujo preâmbulo é redactor.
"Praça da Canção", exemplar da 2.ª edição

Deputado por Coimbra em todas as eleições desde 1975 até 2002 e por Lisboa a partir de 2002, participa no I Governo Constitucional formado pelo Partido Socialista. Dirigente histórico do PS desde 1974, foi Vice-Presidente da Assembleia da República desde 1955 e é membro do Conselho de Estado (de 1996 a 2002 e de novo em 2005). É candidato a Secretário-geral do PS em 2004, aquele que foi o congresso partidário mais participado de sempre.

Em 2005 candidatou-se à Presidência da República, como independente e apoiado pelos cidadãos. tendo obtido mais de um milhão de votos nas eleições presidenciais de 2006, ficando em segundo lugar à frente de Mário Soares, o candidato então apoiado pelo PS. Em jullho de 2009 despediu-se do lugar de Deputado, que ocupou durante 34 anos e que deixou por vontade própria nas legislativas de setembro. Foi reeleito para o Conselho de Estado em Novembro de 2009. Em maio de 2010, Manuel Alegre apresentou oficialmente a sua candidatura à Presidência da República.

É sócio correspondente da Classe de Letras da Academia de Ciências, eleito em março de 2005. Em abril de 2010, a Universidade de Pádua inaugura a Cátedra Manuel Alegre, destinada ao estudo da Língua, Literatura e Cultura Portuguesas. Tem edições da sua obra em italiano, espanhol, alemão, catalão, francês, romeno e russo.

Manuel Alegre com Miguel Torga,
também em Coimbra

A sua obra é vasta, foi reeditada sucessivas vezes e dela destacam-se: Praça da Canção, O Canto das Armas, Cão como Nós e tantas outras. Manuel Alegre recebeu o Grande Prémio da Associação de Escritores (1998) e o Prémio Pessoa (1999).

O autor é sobejamente conhecido. A partir da década de oitenta a sua produção é de quase um livro por ano. É a poesia que predomina nesse conjunto, e não desmente o que dele se conhece: a sua grande vocação poética, o seu muito especial sentido do ritmo, que permitiu facilmente transformar em canções muitos dos seus poemas mais emblemáticos. "Um escritor", respondeu alguém a quem se perguntou o que era um escritor, "é alguém que escreve". E isso é o que Manuel Alegre faz: escreve.

Na sua poesia, Manuel Alegre dá voz à liberdade, à revolta, à evocação histórica ou à saudade e mesmo o lamento. O estilo quer da sua prosa ou poesia, inicialmente mais clássico, afinando-se depois, não escapou mais modernamente à influência de Pessoa ou de Sophia, como os poetas da sua geração. "A arte é a maior razão da minha vida". Esta afirmação tem sido uma constante para Manuel Alegre.





Manuel foi descoberto, isso lhe dizem os leitores, há muitos anos.
E lhe dirão os netos, mais tarde, quando o lerem.

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POEMAS DE MANUEL ALEGRE:


Apresentação
Cantar não é talvez suficiente.
Não porque não acendam de repente as noites
tuas palavras irmãs do fogo
mas só porque palavras são
apenas chama e vento.
E contudo canção
só cantando por vezes se resiste
só cantando se pode incomodar
quem à vileza do silêncio nos obriga.

Eu venho incomodar.
Trago palavras como bofetadas
e é inútil mandarem-me calar
porque a minha canção não fica no papel.
Eu venho tocar os sinos.
Planto espadas
e transformo destinos.
Os homens ouvem-me cantar
e a pele
dos homens fica arrepiada.
E depois é madrugada
dentro dos homens onde ponho
uma espingarda e um sonho.

E é inútil mandarem-me calar.
De certo modo sou um guerrilheiro
que traz a tiracolo
uma espingarda carregada de poemas
ou se preferem sou um marinheiro
que traz o mar ao colo
e meteu um navio pela terra dentro
e pendurou depois no vento
uma canção.

Já disse: planto espadas
e transformo destinos.
E para isso basta-me tocar os sinos
que cada homem tem no coração.
(In Praça da Canção)



Os ratos invadiram a cidade
Os ratos invadiram a cidade
povoaram as casas os ratos roeram
o coração das gentes.
Cada homem traz um rato na alma.
Na rua os ratos roeram a vida.
É proibido não ser rato.

Canto na toca. E sou um homem.
Os ratos não tiveram tempo de roer-me
os ratos não podem roer um homem
que grita não aos ratos.

Encho a toca de sol.
(Cá fora os ratos roeram o sol).
Encho a toca de luar.
(Cá fora os ratos roeram a lua).
Encho a toca de amor.
(Cá fora os ratos roeram o amor)Na toca que já foi dos ratos cantam
os homens que não chiam. E cantando
a toca enche-se de sol.
(O pouco sol que os ratos não roeram).
(In Praça da Canção)


1-Apresentação; 2- Os Ratos invadiram a Cidade;
3- Trinta Dinheiros; 4- As Facas
5- As Mãos; 6- Trova do Vento que passa;
7- Praça da Canção
Trinta Dinheiros
No bengaleiro do mercado público
penduraram o coração.
Vestem o fato dos domingos fáceis.
Não têm rosto
têm sorrisos muitos sorrisos
aprendidos no espelho da própria podridão.
Têm palavras como sanguessugas.
Curva-se muito.
As mãos parecem prostitutas.
Alma não têm. Penduraram a alma.
Por fora parecem homens.
Custam apenas trinta dinheiros.
(In Praça da Canção)


As facas
Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome

Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.
(In Obra Poética)
As mãos
Com as mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com as mãos tudo se faz e se desfaz.
Com as mãos se faz o poema - e são de terra.
Com as mãos se faz a guerra - e são a paz.

Com as mãos se rasga o mar. Com as mãos se lavra.
Não são de pedra estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam -se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
(In O Canto e as Armas)











2 comentários:

Peonia disse...

Manuel Alegre, um poeta de inspiração única!!!Parabéns por mais uma mensagem completa!!! Abraço

MARIA LUMIAR disse...

fantástico como sempre

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