sexta-feira, maio 15, 2015

À NOITINHA, COM MIA COUTO: " CONTOS DO NASCER DA TERRA"






    
   (...) Chuva era sinal dos deuses, sua escassa e rara oferta. E quando me dispunha assim, todo nu, todo inteiramente descalço, parecia que os divinos destinavam toda aquela água só para mim. Eu tenho essa única saudade. Que caia um muitão de chuva, até chover dentro de mim, pingar-me os tetos da cabeça, me aguar o coração e eu sentir que Deus me está lavando das poeiras que a vida me sujou. E assim diluviado, eu escute, entre o ruído das gotas dos telhados, a voz de minha mãe me farolando:
   
     - Você vem, volta...
   
    ... Logo hoje que é  véspera de eu ser sentenciado no suspenso da corda. Como se essa corda me conduzisse para onde minha mãe me espera, sentada na berma de um chuvisco. Como se esse nó de forca fosse o meu cordão desumbilical.
         
        Me invente uma última chuvinha, doutor...



MIA COUTO,
in "Contos do nascer da terra 
(A última chuva do prisioneiro)"
    



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