AS MINHAS ASAS
Eu tinha umas asas
brancas,
Asas que um anjo me
deu,
Que, em me eu cansando
da terra,
Batia-as, voava ao céu.
-Eram brancas, brancas,
brancas,
Como as do anjo que
m'as deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de
tesouros
Minhas asas não quis
dar.
-Veio a ambição, co'as
grandezas,
Vinham para m'as
cortar,
Davam-me poder e
glória;
Por nenhum preço as
quis dar.
Porque as minhas asas
brancas,
Asas que um anjo me
deu,
Em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as
estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
-Deixei descair os
olhos
Do céu alto e das
estrelas...
Vi entre a névoa da
terra,
Outra luz mais bela que
elas.
E as minhas asas
brancas,
Asas que um anjo me
deu,
Para a terra me
pesavam,
Já não se erguiam ao
céu.
Cegou-me essas luz
funesta
De enfeitiçados
amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de
dores!
-Tudo perdi n'essa hora
Que provei nos seus
amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das
dores.
E as minhas asas
brancas,
Asas que um anjo me
deu,
Pena a pena me
caíram...
Nunca mais voei ao céu.
ALMEIDA GARRETT
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