terça-feira, outubro 09, 2012

CECÍLIA MEIRELES (1901-1964) - Apontamento de Poesia Contemporânea ( Parte XII)



"...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."
(Romanceira da Inconfidência)



Filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil S.A., e de Matilde Benavides Meireles,  professora municipal, Cecília Benavides de Carvalho Meireles nasceu em 7 de novembro de 1901, na Tijuca, Rio de Janeiro. O pai faleceu três meses antes do seu nascimento, e sua mãe quando não tinha ainda três anos. Criou-a, a partir de então, sua avó Jacinta Benavides, açoreana, natural da ilha de São Miguel.
Escreveria mais tarde:

Cecília Meireles, 1959

"Nasci aqui mesmo no Rio do Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, deram-me, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efémero e o Eterno.
  
(...) Em toda uma vida, nunca me esforcei por ganhar nem por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.

Compilação de textos "Literatura Comentada"

(...) Minha infância de menina sozinha, deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área da minha vida. Área mágica onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como fios de um pano."

Cecília concluiu os seus primeiros estudos - curso primário - em 1910, na Escola Estácio de Sá, ocasião em que recebeu de Olavo Bilac, Inspetor Escolar do Rio de Janeiro, uma medalha de ouro por ter feito o curso com "distinção e louvor". Aqui estudou línguas, literatura, música, folclore e teoria educacional. 


Em 1919, aos dezoito anos de idade, Cecília Meireles publicou o seu primeiro livro de poesias, Espectros, um conjunto de sonetos simbolistas. Embora vivesse sob a influência do Modernismo, apresentava ainda, na sua obra, heranças do Classicismo, Gongorismo, Romantismo, Parnasianismo, Realismo e Surrealismo, razão pela qual a sua poesia é considerada atemporal.

Visita a Washington, em 1940

No ano de 1922 casou com o artista plástico português Fernando Correia Dias, de quem teve três filhas. O seu marido, que sofria de depressão aguda, suicidou-se em 1935. Voltou a casar-se no ano de 1940, com o professor e engenheiro agrónomo Heitor Vinicius da Silveira Grilo, falecido em 1972. Das três filhas que Cecília teve, a mais conhecida é Maria Fernanda, que se tornou uma atriz de sucesso.

Teve ainda uma importante atuação como jornalista, com publicações diárias sobre problemas de educação, área à qual se manteve ligada, tendo fundado, em 1934, a primeira biblioteca infantil do Brasil. Na poesia infantil, a que se dedicou, destacam-se textos como Leilão de Jardim, O Cavalinho Branco, Colar de Carolina, O mosquito escreve, Sonhos de Menina, O menino azul e A pombinha da mata, entre outros. Com eles traz, para a poesia infantil a musicalidade característica da sua poesia, explorando versos regulares, a combinação de diferentes metros, o verso livre, a aliteração, a assonância e a rima. Os poemas infantis não ficam restritos à literatura infantil, permitindo diferentes níveis de leitura.

Compilação de poemas "Viagem"

Em 1923 Cecília Meireles publicou Nunca mais...e Poemas dos Poemas, e, em 1925, Baladas Para El-Rei. Após um período longo, em 1939, publicou Viagem, livro com o qual ganhou o Prémio de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Católica, escreveu textos em homenagem a santos, como o Oratório de Santa Clara, de 1955, o Romance de Santa Cecília e outros.

Em 1951 viajou pela Europa, Índia e Goa, e visitou pela primeira e única vez os Açores, onde, na ilha de São Miguel contactou o poeta Armando César Côrtes-Rodrigues, amigo e correspondente desde 1940. Aqui nos Açores, de onde eram oriundos os seus pais, o nome de Cecília Meireles foi dado à escola básica da freguesia de Fajã de Cima, terra da sua materna, Jacinta Benavides. 


Cecília Meireles

Considerada um dos grandes destaques do Modernismo Brasileiro, a poesia de Cecília Meireles caracteriza-se pelo seu lirismo, consciência da efemeridade; o tempo das pessoas, das coisas; a solidão, a morte, a melancolia, a tristeza, a preocupação com temas universais, reflexão filosófica e musicalidade.

Homenagens:
  • Prémio Machado de Assis (1965)
  • Sócia Honorária do do Real Gabinete Português de Literatura
  • Sócia Honorária do Instituto Vasco da Gama (Goa)
  • Doutora honoris causa pela Universidade de Delhi (Índia)
  • Oficial da Ordem de Mérito (Chile)









Após a sua morte, Cecília Meireles recebeu como homenagem a impressão de uma nota de cem cruzados novos, com a sua efígie estampada, lançada pelo Banco Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Esta nota, em 1989, foi convertida numa nota de cem cruzeiros, quando da troca da moeda pelo governo de Fernando Collor.



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POEMAS DE CECÍLIA MEIRELES:
1-Naufrágio  2-Cântico II  3-Canção Mínima




Naufrágio

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas mãos quebradas.
(In Viagem)




Cântico II

Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que será assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.
(In Arte Poética)




Canção Mínima

No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e no jardim, um canteiro

no caneiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.
(In Arte Poética)
1-Amém  2-Cântico VI  3-Retrato




AMÉM

Hoje acabou-se-me a palavra,
e nenhuma lágrima vem.
Ai, se a vida se me acabara
também!

A profusão do mundo, imensa,
tem tudo, tudo - e nada tem.
Onde repousar a cabeça?
No além?

Fala-se com os homens, com os santos,
consigo, com Deus...E ninguém
entende o que se está contando
e a quem...

Mas a terra e sol, lua e estrelas
giram de tal maneira bem
que a alma desanima de queixas.
Amém.
(In Poesias)

Cântico VI

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acaba todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.
(Antologia Poética)



Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
(In Poemas)







"RETRATO" (Declamado por Paulo Autran):



"NAUFRÁGIO" (cantado por Amália Rodrigues):





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