quinta-feira, fevereiro 16, 2012

SONETOS DISPERSOS - Um Passeio Pela Literatura










O SOL É GRANDE: CAEM COA CALMA AS AVES

O sol é grande: caem coa calma as aves
1- Francisco Sá de Miranda (1481-1558)
2- Luís Vaz de Camões (1524?-1580)
3- Manuel Maria Barbosa Du Bocage (1765-1805)
4- Antero Tarquínio de Quental (1842-1891)
5- Florbela Espanca (1894-1930)
6- Manuel Alegre (1936-?)

Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.
Esta água que do alto cai acordar-me-ia,
Do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
Que é tal coração que em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
Incertos muitos mais que aos ventos as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
Vi tantas águas, vi tanta verdura,
As aves todas cantavam de amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mistura,
Também mudando-me eu fiz doutras cores.
E tudo o mais renova: isto é sem cura!
(Francisco Sá de Miranda)



AQUELA TRISTE E LEDA MADRUGADA

Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e piedade,
Enquanto houver no mundo saudade,
Quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada,
Saía, dando à terra claridade,
Viu apartar-se de uma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.

Ela só viu as lágrimas em fio,
Que de uns e outros olhos derivadas,
Juntando-se, formaram largo rio.

Ela ouviu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio
E dar descanso às almas condenadas.
(Luís Vaz de Camões)



JÁ BOCAGE NÃO SOU!...À COVA ESCURA

Já Bocage não sou!...À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento;
Musa!...Tivera algum merecimento
Se um raio de razão seguisse pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria.

Outro Aretino fui...A santidade
Manchei... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!
(Manuel Maria Barbosa Du Bocage)


NA MÃO DE DEUS

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
e atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
(Antero de Quental)



OS VERSOS QUE TE FIZ

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem para te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos para te endoidecer!

Mas, meu amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo Amor, que eu não te dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
(Florbela Espanca)



AS FACAS

Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome

Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.
(Manuel Alegre)


_________________________________________________________

Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...