O sol é grande:
caem coa calma as aves
Esta água que do
alto cai acordar-me-ia,
Do sono não, mas
de cuidados graves.
Ó cousas, todas
vãs, todas mudaves,
Que é tal
coração que em vós confia?
Passam os
tempos, vai dia trás dia,
Incertos muitos
mais que aos ventos as naves.
Eu vira já aqui
sombras, vira flores,
Vi tantas águas,
vi tanta verdura,
As aves todas
cantavam de amores.
Tudo é seco e
mudo; e, de mistura,
Também
mudando-me eu fiz doutras cores.
E tudo o mais
renova: isto é sem cura!
(Francisco Sá
de Miranda)
AQUELA TRISTE E LEDA
MADRUGADA
Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e piedade,
Enquanto houver no mundo saudade,
Quero que seja sempre celebrada.
Ela só, quando amena e marchetada,
Saía, dando à terra claridade,
Viu apartar-se de uma outra
vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.
Ela só viu as lágrimas em fio,
Que de uns e outros olhos
derivadas,
Juntando-se, formaram largo rio.
Que puderam tornar o fogo frio
E dar descanso às almas condenadas.
(Luís Vaz de Camões)
Já Bocage não sou!...À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em
vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu
tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco
intento;
Musa!...Tivera algum merecimento
Se um raio de razão seguisse pura!
Eu me arrependo; a língua quase
fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria.
Outro Aretino fui...A santidade
Manchei... Oh! Se me creste, gente
ímpia,
Rasga meus versos, crê na
eternidade!
(Manuel Maria Barbosa Du Bocage)
NA MÃO DE DEUS
NA MÃO DE DEUS
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
e atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
(Antero de Quental)
OS VERSOS QUE TE FIZ
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem para te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos para te endoidecer!
Mas, meu amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo Amor, que eu não te dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
(Florbela Espanca)
AS FACAS
Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome
Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.
Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.
Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.
(Manuel Alegre)
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