Sem
Abrigo, os cidadãos anónimos que ignoramos, e que
podia ser qualquer um de nós...
O outro lado de Lisboa, sem abrigo.
Os cidadãos anónimos que ignoramos. E que todos deviam conhecer…
Foi esta madrugada em plena
baixa de Lisboa que morreu Joaquim.
Não era ator nem artista. Não era
famoso, nem conhecido. Não tinha fama. Era só o Joaquim.
Era apenas um homem que tinha
passado pela guerra, que tinha sido abandonado pela nação e pelo povo pelo qual
lutou. Um homem cuja vida era passada entre um embrulho de papel e uma resma de
jornais sendo estes o cobertor que noite após noite abraçava o seu corpo
cansado das cicatrizes dos homens e das mulheres que por ele passavam e nem um
olhar lhe dirigiam.
Era o Joaquim. Homem que não se
achava merecedor de uma cama quente, de um duche tranquilizante, de um prato de
sopa que lhe apazigua-se o rato que amiúde lhe roía o estômago. Era o Joaquim
de botelha na mão, carro do mercado nas unhas com o qual transportava os seus
bens mais preciosos.
O Joaquim...
O homem de sobretudo roto, barba
comprida entrançada pela sujidade do ar, rugas profundas resultado de uma vida
cansada, desnorteada, carente de um ombro amigo, de uma palavra de alento, de
um sorriso infantil.
Morreu o Joaquim.
Aquele que sorria para todos sem troco, que brincava aos loucos com plena consciência do seu estado de miséria, aquele cujo os seres passavam e diziam:
- Este é que a leva bem sem
preocupações.
Sim...
Foi esse o Joaquim que morreu.
O Joaquim que tu, eu e ninguém
quer ser mas que ninguém está livre de lá chegar.
Morreu o Joaquim. Sem honras, sem
reconhecimento. Profundamente esquecido por uma sociedade hipócrita e egoísta
de falsos princípios apregoados à vista de todos e olvidados em privado.
Morreu o Joaquim...
Aquele que um dia pode vir a ser
qualquer um de nós.
Morreu e foi enterrado em pleno
silêncio.
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