No seu segundo discurso em
cerimónias do 25 de abril, poucos dias depois das eleições francesas, o
Presidente da República focou-se nos fenómenos populistas e nacionalistas que
têm assolado a Europa e o mundo, para os evitar por cá. Já tinha feito saber que
seria mais ou menos inócuo de conteúdo, sem recados ao Governo e aos partidos.
No entanto, não se pode considerar inócuo aquilo que Marcelo Rebelo de Sousa
foi ontem dizer na Assembleia da República, onde se pode desde logo notar duas
ausências: deixou de apelar a consensos e não falou da União Europeia:
“Faz, hoje, exatamente quarenta
anos que, pela primeira vez, aqui, nesta casa da democracia, se iniciou (…) a
celebração do 25 de Abril (…). E a dúvida que, de quando em vez, ouvi suscitar,
a tantos dos meus jovens alunos foi esta: faria ainda sentido uma cerimónia de
mera rotina, num claustro fechado (…) e repetir os argumentos do confronto
político e cada instante, nalguns casos pontuado por avisos ou mesmo quase
ultimatos presidenciais?”
“Estes tempos são, amiúde, de
substituição de substância pela forma, do estudo e da qualificação pelo
improviso e a superficialidade, de carreiras laborais expedientes de ocasião,
do debate de ideias por proclamações básicas, dizendo o que se pensa ser
aprazível ao ouvinte e não o que deve ser dito. É por tudo isto, e mais a
contingência de este empobrecimento ético e ético e doutrinário abrir caminho a
radicalismo egoístas e excludentes, racismo e xenofobia, messianismos que da
democracia apenas gostam de usar o que lhes convenha — que faz sentido manter
viva esta tradição. Hoje, mais do que nunca. (…) Há datas, como a do 25 de
Abril, que nunca serão indiferentes ao nosso destino coletivo”.
(Esta é uma forma de) confirmar
que preferimos a democracia — apesar de imperfeita, injusta ou incompleta – à
mais sedutora das miragens ditatoriais. Reforçar que é, precisamente, porque,
entre nós, há tanta diversidade e tão vigorosos combates políticos, que o nosso
sistema de partidos é dos mais estáveis na Europa, não deixando espaço a riscos
anti-sistémicos conhecidos noutras paragens. (…) Neste tempo dos chamados
populistas anti-institucionais, dos tropismos anti-sistémicos (…) queremos
viver em democracia, sabemos que ela tem de ser mais livre e mais justa.
Portugal depois do 25 de Abril de 1974 |
Os portugueses constroem a
Democracia quando, ao fim de anos de sacrifício, sentem que valeu a pena tudo
terem feito para sanear as finanças públicas ou tornar possível crescer e criar
emprego de forma duradoura e criar condições para se reduzir a dívida que têm
sobre os seus ombros, revelando resistência e constância exemplares
Há duas maneiras muito diferentes
de se amar a nação.
Uma — a que infelizmente, vai
grassando noutras sociedades é a de se dizer nacionalista contra o mundo,
contra os que não são dos nossos, rejeitando e excluindo, vivendo em medo
permanente perante tudo e todos. Outra — a nossa — (…) é a de amar a Nação de
coração aberto, de alma universal. Um nacionalismo patriótico e de vocação
universal, não um nacionalismo egocêntrico, agarrado a um pretenso passado,
recriado porque não real e insuscetível e enfrentar o futuro.”
Importa que todas as estruturas
do poder político, do topo do Estado à administração pública e, naturalmente,
aos tribunais, entendam que devem ser muito mais transparentes, rápidas e
eficazes na resposta aos desafios e apelos deste tempo, revendo-se,
reformando-se ajustando. Os chamados populismos alimentam-se das deficiências,
lentidões, incompetências e das irresponsabilidades do poder político. Ou da
sua confusão ou compadrio com o poder económico e social.
Há, neste contexto, um bastião da
nossa democracia que merece, hoje, na evocação do 25 de Abril, uma palavra
muito especial: o poder local. (…) Já disse e repito — o poder local foi e é um
fusível de segurança singular da nossa democracia.
Os dois anos e meio que faltam
para o termo da legislatura parlamentar terão de ser de maior criação de
riqueza e melhor distribuição. Governo, seus apoiantes e oposições, que
legitimamente aspiram a voltar a governar, estarão, por certo, atentos a este
imperativo, na multiplicidade enriquecedora das suas opções.
Somos uma pátria em paz, com
apreciável segurança, sem racismo e xenofobia de tomo, aceitando diferenças
religiosas e culturais como poucos, com rede de instituições sociais devotada,
Poder Local incansável e sistema político flexível, mesmo se carecido de
reformas, mais mais sustentável do que muitos outros nossos parceiros europeus.
(…) Não trocamos o certo pelo incerto, não sacrificamos um democracia, ainda
que imperfeita, seduzidos por cantos de sereia de amanhas ridentes, em que do
caos nascerá o paraíso.
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente
da República de Portugal
25 de abril de 2017
Os cravos de Abril:
Em 1974 Celeste Caeiro tinha 40
anos e vivia num quarto que alugara ao Chiado, com a mãe e com uma filha que
criava sem a ajuda do antigo companheiro. Trabalhava na rua Braancamp, na
limpeza do restaurante Franjinhas, que abrira um ano antes. O dia de
inauguração fora precisamente o 25 de Abril de 1973.
O gerente queria comemorar o
primeiro aniversário do restaurante oferecendo cravos à clientela. Tinha
comprado cravos vermelhos e tinha-os no restaurante, quando soube pela rádio
que estava na rua uma revolução. Mandou embora toda a gente e acrescentou: "Levem
as flores para casa, é escusado ficarem aqui a murchar".
Celeste Caeiro |
Celeste foi então de Metro até ao
Rossio e aí recorda ter visto as "chaimites" e ter perguntado a um
soldado o que era aquilo. Recorda-se também que o soldado lhe falou da ideia de
irem para o Largo do Carmo, onde Marcelo Caetano se tinha refugiado. O soldado,
que já lá estava desde muito cedo, pediu-lhe um cigarro e Celeste, que não
fumava, só pôde oferecer-lhe um cravo.
O soldado logo colocou o cravo no
cano da espingarda. O gesto foi visto e imitado. No caminho, a pé, para o Largo
do Carmo, Celeste foi oferecendo cravos e os soldados foram colocando esses
cravos em mais canos de mais espingardas.
As G-3 assim enfeitadas ajudavam
o povo a distinguir as tropas amigas. Era mais um motivo para não fazer caso
dos repetidos apelos dos capitães para os civis permanecerem em casa, mas um
motivo para virem para a rua celebrar e confraternizar com a tropa libertadora.
"Afinal, em vez de dar tiros, as espingardas tinham flores", dizia
Celeste Caeiro, singelamente.
Impossível saber se as floristas
ofereceram cravos à tropa por mais soldados quererem imitar o primeiro, que o
recebera de Celeste, ou se os ofereceram por lhes ter ocorrido espontaneamente.
Certo é que a espontaneidade da primeira oferta não era uma ideia caída do céu.
Celeste não tinha qualquer militância política anterior, mas sabia o que se
passava nos tribunais plenários, desde o dia em que fora assistir ao julgamento
de um tio, preso durante dois anos.
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