quarta-feira, abril 26, 2017

43 ANOS DEPOIS, PORTUGAL FOI ASSIM - 25 DE ABRIL DE 2017




No seu segundo discurso em cerimónias do 25 de abril, poucos dias depois das eleições francesas, o Presidente da República focou-se nos fenómenos populistas e nacionalistas que têm assolado a Europa e o mundo, para os evitar por cá. Já tinha feito saber que seria mais ou menos inócuo de conteúdo, sem recados ao Governo e aos partidos. No entanto, não se pode considerar inócuo aquilo que Marcelo Rebelo de Sousa foi ontem dizer na Assembleia da República, onde se pode desde logo notar duas ausências: deixou de apelar a consensos e não falou da União Europeia:

“Faz, hoje, exatamente quarenta anos que, pela primeira vez, aqui, nesta casa da democracia, se iniciou (…) a celebração do 25 de Abril (…). E a dúvida que, de quando em vez, ouvi suscitar, a tantos dos meus jovens alunos foi esta: faria ainda sentido uma cerimónia de mera rotina, num claustro fechado (…) e repetir os argumentos do confronto político e cada instante, nalguns casos pontuado por avisos ou mesmo quase ultimatos presidenciais?”

“Estes tempos são, amiúde, de substituição de substância pela forma, do estudo e da qualificação pelo improviso e a superficialidade, de carreiras laborais expedientes de ocasião, do debate de ideias por proclamações básicas, dizendo o que se pensa ser aprazível ao ouvinte e não o que deve ser dito. É por tudo isto, e mais a contingência de este empobrecimento ético e ético e doutrinário abrir caminho a radicalismo egoístas e excludentes, racismo e xenofobia, messianismos que da democracia apenas gostam de usar o que lhes convenha — que faz sentido manter viva esta tradição. Hoje, mais do que nunca. (…) Há datas, como a do 25 de Abril, que nunca serão indiferentes ao nosso destino coletivo”.

(Esta é uma forma de) confirmar que preferimos a democracia — apesar de imperfeita, injusta ou incompleta – à mais sedutora das miragens ditatoriais. Reforçar que é, precisamente, porque, entre nós, há tanta diversidade e tão vigorosos combates políticos, que o nosso sistema de partidos é dos mais estáveis na Europa, não deixando espaço a riscos anti-sistémicos conhecidos noutras paragens. (…) Neste tempo dos chamados populistas anti-institucionais, dos tropismos anti-sistémicos (…) queremos viver em democracia, sabemos que ela tem de ser mais livre e mais justa.

Portugal depois do 25 de Abril de 1974 

Os portugueses constroem a Democracia quando, ao fim de anos de sacrifício, sentem que valeu a pena tudo terem feito para sanear as finanças públicas ou tornar possível crescer e criar emprego de forma duradoura e criar condições para se reduzir a dívida que têm sobre os seus ombros, revelando resistência e constância exemplares
Há duas maneiras muito diferentes de se amar a nação.
Uma — a que infelizmente, vai grassando noutras sociedades é a de se dizer nacionalista contra o mundo, contra os que não são dos nossos, rejeitando e excluindo, vivendo em medo permanente perante tudo e todos. Outra — a nossa — (…) é a de amar a Nação de coração aberto, de alma universal. Um nacionalismo patriótico e de vocação universal, não um nacionalismo egocêntrico, agarrado a um pretenso passado, recriado porque não real e insuscetível e enfrentar o futuro.”

Importa que todas as estruturas do poder político, do topo do Estado à administração pública e, naturalmente, aos tribunais, entendam que devem ser muito mais transparentes, rápidas e eficazes na resposta aos desafios e apelos deste tempo, revendo-se, reformando-se ajustando. Os chamados populismos alimentam-se das deficiências, lentidões, incompetências e das irresponsabilidades do poder político. Ou da sua confusão ou compadrio com o poder económico e social.
Há, neste contexto, um bastião da nossa democracia que merece, hoje, na evocação do 25 de Abril, uma palavra muito especial: o poder local. (…) Já disse e repito — o poder local foi e é um fusível de segurança singular da nossa democracia.

Os dois anos e meio que faltam para o termo da legislatura parlamentar terão de ser de maior criação de riqueza e melhor distribuição. Governo, seus apoiantes e oposições, que legitimamente aspiram a voltar a governar, estarão, por certo, atentos a este imperativo, na multiplicidade enriquecedora das suas opções.

Somos uma pátria em paz, com apreciável segurança, sem racismo e xenofobia de tomo, aceitando diferenças religiosas e culturais como poucos, com rede de instituições sociais devotada, Poder Local incansável e sistema político flexível, mesmo se carecido de reformas, mais mais sustentável do que muitos outros nossos parceiros europeus. (…) Não trocamos o certo pelo incerto, não sacrificamos um democracia, ainda que imperfeita, seduzidos por cantos de sereia de amanhas ridentes, em que do caos nascerá o paraíso.

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República de Portugal
25 de abril de 2017


Os cravos de Abril:


Em 1974 Celeste Caeiro tinha 40 anos e vivia num quarto que alugara ao Chiado, com a mãe e com uma filha que criava sem a ajuda do antigo companheiro. Trabalhava na rua Braancamp, na limpeza do restaurante Franjinhas, que abrira um ano antes. O dia de inauguração fora precisamente o 25 de Abril de 1973.

O gerente queria comemorar o primeiro aniversário do restaurante oferecendo cravos à clientela. Tinha comprado cravos vermelhos e tinha-os no restaurante, quando soube pela rádio que estava na rua uma revolução. Mandou embora toda a gente e acrescentou: "Levem as flores para casa, é escusado ficarem aqui a murchar".

Celeste Caeiro
 
Celeste foi então de Metro até ao Rossio e aí recorda ter visto as "chaimites" e ter perguntado a um soldado o que era aquilo. Recorda-se também que o soldado lhe falou da ideia de irem para o Largo do Carmo, onde Marcelo Caetano se tinha refugiado. O soldado, que já lá estava desde muito cedo, pediu-lhe um cigarro e Celeste, que não fumava, só pôde oferecer-lhe um cravo.
O soldado logo colocou o cravo no cano da espingarda. O gesto foi visto e imitado. No caminho, a pé, para o Largo do Carmo, Celeste foi oferecendo cravos e os soldados foram colocando esses cravos em mais canos de mais espingardas.

As G-3 assim enfeitadas ajudavam o povo a distinguir as tropas amigas. Era mais um motivo para não fazer caso dos repetidos apelos dos capitães para os civis permanecerem em casa, mas um motivo para virem para a rua celebrar e confraternizar com a tropa libertadora. "Afinal, em vez de dar tiros, as espingardas tinham flores", dizia Celeste Caeiro, singelamente.

Impossível saber se as floristas ofereceram cravos à tropa por mais soldados quererem imitar o primeiro, que o recebera de Celeste, ou se os ofereceram por lhes ter ocorrido espontaneamente. Certo é que a espontaneidade da primeira oferta não era uma ideia caída do céu. Celeste não tinha qualquer militância política anterior, mas sabia o que se passava nos tribunais plenários, desde o dia em que fora assistir ao julgamento de um tio, preso durante dois anos.










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