Basta pum basta!!!
Uma geração que consente
deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi. É um coio
d'indigentes, d'indignos e de cegos! É uma resma de charlatães e de vendidos, e
só pode parir abaixo de zero!
Abaixo a geração!
Uma geração com um Dantas a cavalo é um burro impotente!
Uma geração com um Dantas ao leme
é uma canoa em seco!
O Dantas é um cigano!
O Dantas é meio cigano!
O Dantas saberá gramática, saberá
sintaxe, saberá medicina, saberá fazer ceias pra cardeais, saberá tudo menos
escrever que é a única coisa que ele faz!
O Dantas pesca tanto de poesia
que até faz sonetos com ligas de duquesas!
O Dantas é um habilidoso!
O Dantas veste-se mal!
O Dantas usa ceroulas de malha!
O Dantas especula e inocula os
concubinos!
O Dantas é Dantas!
O Dantas é Júlio!
O Dantas fez uma soror Mariana que tanto o podia ser como a soror Inês ou a Inês de Castro, ou a Leonor Teles, ou o Mestre d'Avis, ou a Dona Constança, ou a Nau Catrineta, ou a Maria Rapaz!
E o Dantas teve claque! E o
Dantas teve palmas! E o Dantas agradeceu!
O Dantas é um ciganão!
Não é preciso ir pró Rossio pra
se ser pantomineiro, basta ser-se pantomineiro!
Não é preciso disfarçar-se pra se
ser salteador, basta escrever como o Dantas! Basta não ter escrúpulos nem
morais, nem artísticos, nem humanos! Basta andar com as modas, com as políticas
e com as opiniões! Basta usar o tal sorrisinho, basta ser muito delicado, e
usar coco e olhos meigos! Basta ser Judas! Basta ser Dantas!
O Dantas nasceu para provar que
nem todos os que escrevem sabem escrever!
O Dantas é um autómato que deita
pra fora o que a gente já sabe o que vai sair... Mas é preciso deitar dinheiro!
O Dantas é um soneto
dele-próprio!
O Dantas em génio nem chega a
pólvora seca e em talento é pim-pam-pum.
O Dantas nu é horroroso!
Morra o Dantas, morra! Pim!
O Dantas é o escárnio da consciência!
Se o Dantas é português eu quero
ser espanhol!
O Dantas é a vergonha da
intelectualidade portuguesa!
O Dantas é a meta da decadência
mental!
E ainda há quem não core quando
diz admirar o Dantas!
E ainda há quem lhe estenda a
mão!
E quem lhe lave a roupa!
E quem tenha dó do Dantas!
E ainda há quem duvide que o
Dantas não vale nada, e que não sabe nada, e que nem é inteligente, nem
decente, nem zero!
Vocês não sabem quem é a soror
Mariana do Dantas? Eu vou-lhes contar:
A princípio, por cartazes,
entrevistas e outras preparações com as quais nada temos que ver, pensei
tratar-se de soror Mariana Alcoforado a pseudo autora daquelas cartas francesas
que dois ilustres senhores desta terra não descansaram enquanto não estragaram
pra português, quando subiu o pano também não fui capaz de distinguir porque
era noite muito escura e só depois de meio acto é que descobri que era de
madrugada porque o bispo de Beja disse que tinha estado à espera do nascer do
Sol!
A Mariana vem descendo uma escada
estreitíssima mas não vem só, traz também o Chamilly que eu não cheguei a ver,
ouvindo apenas uma voz muito conhecida aqui na Brasileira do Chiado. Pouco
depois o bispo de Beja é que me disse que ele trazia calções vermelhos.
A Mariana e o Chamilly estão
sozinhos em cena, e às escuras, dando a entender perfeitamente que fizeram
indecências no quarto. Depois o Chamilly, completamente satisfeito, despede-se
e salta pela janela com grande mágoa da freira lacrimosa. E ainda hoje os
turistas têm ocasião de observar as grades arrombadas da janela do quinto andar
do Convento da Conceição de Beja na Rua do Touro, por onde se diz que fugiu o
célebre capitão de cavalos em Paris e dentista em Lisboa.
A Mariana que é histérica começa
a chorar desatinadamente nos braços da sua confidente e excelente pau de
cabeleira soror Inês.
Vêm descendo pla dita
estreitíssima escada, várias Marianas, todas iguais e de candeias acesas, menos
uma que usa óculos e bengala e ainda toda curvada prá frente o que quer dizer
que é abadessa.
E seria até uma excelente
personificação das bruxas de Goya se quando falasse não tivesse aquela voz tão
fresca e maviosa da Tia Felicidade da vizinha do lado. E reparando nos dois
vultos interroga espaçadamente com cadência, austeridade e imensa falta de
corda... Quem está aí?... E de candeias apagadas?
- Foi o vento, dizem as pobres
inocentes varadas de terror... E a abadessa que só é velha nos óculos, na
bengala e em andar curvada prá frente manda tocar a sineta que é um dó d'alma o
ouvi-la assim tão debilitada. Vão todas pró coro, mas eis que, de repente,
batem no portão sem se anunciar nem limpar-se da poeira, sobe a escada e entra
plo salão um bispo de Beja que quando era novo fez brejeirices com a menina do
chocolate.
Agora completamente emendado
revela à abadessa que sabe por cartas que há homens que vão às mulheres do
convento e que ainda há pouco vira um de cavalos a saltar pla janela. A
abadessa diz que efectivamente já há tempos que vinha dando pela falta de
galinhas e tão inocentinha, coitada, que naqueles oitenta anos ainda não teve
tempo pra descobrir a razão da humanidade estar dividida em homens e mulheres.
Depois de sérios embaraços do bispo é que ela deu com o atrevimento e mandou
chamar as duas freiras de há pouco com as candeias apagadas. Nesta altura esta
peça policial toma uma pedaço d'interesse porque o bispo ora parece um polícia
de investigação disfarçado em bispo, ora um bispo com a falta de delicadeza de
um polícia d'investigação, e tão perspicaz que descobre em menos de meio minuto
o que o público já está farto de saber - que a Mariana dormiu com o Noel. O
pior é que a Mariana foi à serra com as indiscrições do bispo e desata a
berrar, a berrar como quem se estava marimbando pra tudo aquilo. Esteve mesmo
muito perto de se estrear com um par de murros na coroa do bispo no que se
mostrou de um atrevimento, de uma insolência e de uma decisão refilona que
excedeu todas as expectativas.
Ouve-se uma corneta tocar uma
marcha de clarins e Mariana sentindo nas patas dos cavalos toda a alma do seu
preferido foi qual pardalito engaiolado a correr até às grades da janela gritar
desalmadamente plo seu Noel. Grita, assobia e rodopia e pia e rasga-se e
magoa-se e cai de costas com um acidente, do que já previamente tinha avisado o
público e o pano cai e o espectador também cai da paciência abaixo e desata
numa destas pateadas tão enormes e tão monumentais que todos os jornais de
Lisboa no dia seguinte foram unânimes naquele êxito teatral do Dantas.
A única consolação que os
espectadores decentes tiveram foi a certeza de que aquilo não era a soror
Mariana Alcoforado mas sim uma merdariana-aldantascufurado que tinha cheliques
e exageros sexuais.
Continue o senhor Dantas a
escrever assim que há-de ganhar muito com o Alcufurado e há-de ver que ainda
apanha uma estátua de prata por um ourives do Porto, e uma exposição das
maquetes pró seu monumento erecto por subscrição nacional do "Século"
a favor dos feridos da guerra, e a Praça de Camões mudada em Praça Dr. Júlio
Dantas, e com festas da cidade plos aniversários, e sabonetes em conta
"Júlio Dantas" e pasta Dantas prós dentes, e graxa Dantas prás botas
e Niveína Dantas, e comprimidos Dantas, e autoclismos Dantas e Dantas, Dantas,
Dantas, Dantas... E limonadas Dantas- Magnésia.
E fique sabendo o Dantas que se
um dia houver justiça em Portugal todo o mundo saberá que o autor de Os
Lusíadas é o Dantas que num rasgo memorável de modéstia só consentiu a glória
do seu pseudónimo Camões.
E fique sabendo o Dantas que se
todos fossem como eu, haveria tais munições de manguitos que levariam dois
séculos a gastar.
Mas julgais que nisto se resume
literatura portuguesa? Não Mil vezes não!
Temos, além disto o Chianca que
já fez rimas prá Aljubarrota que deixou de ser a derrota dos Castelhanos pra
ser a derrota do Chianca.
E as pinoquices de Vasco Mendonça
Alves passadas no tempo da avózinha! E as infelicidades de Ramada Curto! E o
talento insólito de Urbano Rodrigues! E as gaitadas do Brun! E as traduções só
pra homem do ilustríssimos excelentíssimo senhor Mello Barreto! E o frei Matta
Nunes Moxo! E a Inês Sifilítica do Faustino! E as imbecelidades do Sousa Costa!
E mais pedantices do Dantas! E Alberto Sousa, o Dantas do desenho! E os
jornalistas do Século e da Capital e do Notícias e do Paiz e do Dia e da Nação
e da República e da Lucta e de todos, todos os jornais! E os actores de todos
os teatros! E todos os pintores das Belas-Artes e todos os artistas de Portugal
que eu não gosto. E os da Águia do Porto e os palermas de Coimbra! E a
estupidez do Oldemiro César e o Dr. José de Figueiredo Amante do Museu e ah oh
os Sousa Pinto hu hi e os burros de cacilhas e os menos do Alfredo Guisado! E
(o) raquítico Albino Forjaz de Sampaio, crítico da Lucta a quem Fialho com
imensa piada intrujou de que tinha talento! E todos os que são políticos e
artistas! E as exposições anuais das Belas-Arte(s)! E todas as maquetas do
Marquês de Pombal! E as de Camões em Paris; e os Vaz, os Estrela, os Lacerda,
os Lucena, os Rosa, os Costa, os Almeida, os Camacho, os Cunha, os Carneiro, os
Barros, os Silva, os Gomes, os velhos, os idiotas, os arranjistas, os
impotentes, os celerados, os vendidos, os imbecis, os párias, os ascetas, os
Lopes, os Peixotos, os Motta, os Godinho, os Teixeira, os Câmara, os diabo que
os leve, os Constantino, os Tertuliano, os Grave, os Mântua, os Bahia, os
Mendonça, os Brazão, os Matos, os Alves, os Albuquerques, os Sousas e todos os
Dantas que houver por aí!!!!!!!!!
E as convicções urgentes do homem
Cristo Pai e as convicções catitas do homem Cristo Filho!...
E os concertos do Blanch! E as
estátuas ao leme, ao Eça e ao despertar e a tudo! E tudo o que seja arte em
Portugal! E tudo! Tudo por causa do Dantas!
Portugal que com todos estes
senhores conseguiu a classificação do país mas atrasado da Europa e de todo o
Mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degredados e dos
indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos
sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira
não é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal
tem de ser qualquer coisa de asseado!
JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS
Poeta d'Orpheu
Futurista E Tudo
1915
Voz: Mário Viegas
Imagens obtidas dos originais de José Almada Negreiros, com permissão da Fundação Calouste Gubenkian, Lisboa.
José de Almada Negreiros |
José de Almada
Negreiros (1893-1970), foi
um desenhador, pintor, escritor, poeta, ensaísta, caricaturista, ilustrador,
publicista, bailarino, cenógrafo e figurinista. O perfil plurifacetado de
Almada Negreiros enriquece-se com a amplitude de direções que a sua obra adotou.
Desde a sua aparição na Exposição Livre, de 1911, que a sua ação seria
relevante como introdutor e agitador de ideias vanguardistas, artista de rutura
e depois classicista. Após participar na I Exposição dos Humoristas, de 1912,
realiza em 1913 a sua primeira exposição individual e, quase em simultâneo, em
1914, inicia-se na escrita, protagonizando alguns dos melhores momentos da
literatura portuguesa desta época. Com uma breve e desiludida passagem por
Paris entre 1919–20, participa e promove muitos dos acontecimentos, publicações
e exposições mais relevantes do período: primeiro as ligadas à introdução do
Futurismo em 1916–17, como a exposição 5 Independentes de 1923, a decoração do
café A Brasileira e do Bristol Club, o I Salão dos Independentes de 1930 e, a
partir de 1941, algumas das Exposições de Arte Moderna. Em 1927 parte para
Madrid onde permanece até 1932, estabelecendo relações com os arquitetos da
Geração de 25 e com membros da Sociedade de Artistas Ibéricos, que lhe
favoreceu exposições, decorações em edifícios públicos e uma intensa atividade
no campo do desenho humorístico e da ilustração. De regresso a Lisboa abre
novas frentes, em especial na área da decoração, desenvolvendo numerosos projetos
de vitrais e pintura mural, entre os quais se destacam os painéis das Gares
Marítimas de Alcântara (1943–1945) e Rocha de Conde de Óbidos (1946–1948).
Percurso que se encerra com uma obra marcante da arte nacional, o grande painel
inciso em pedra, intitulado Começar, para a sede da Fundação Calouste
Gulbenkian, em Lisboa.
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