quarta-feira, dezembro 14, 2016

OBRIGADA, ANTÓNIO GUTERRES - Tomada de posse de António Guterres, Secretário-Geral da ONU





Às 16.35 horas do dia de ontem, hora de Lisboa, António Guterres tornou-se secretário-geral das Nações Unidas. 

O ex-primeiro-ministro português jurou com a mão direita levantada e a esquerda pousada sobre a Carta das Nações Unidas, perante o presidente da Assembleia Geral da ONU. “Eu, António Guterres, juro solenemente exercer com toda a lealdade, em consciência, todas as funções que me são confiadas enquanto secretário-geral da ONU”. Guterres jurou desempenhar a função e “orientar a sua conduta sempre e só na pespetiva dos interesses das Nações Unidas” e “nunca aceitar instruções de qualquer governo ou de qualquer autoridade na posição de secretário-geral da ONU”.


O primeiro aniversário de Marcelo Rebelo de Sousa como presidente da República (sessenta e oito anos de idade) foi passado em Nova Iorque, para testemunhar ao vivo a tomada de posse de António Guterres como secretário-geral da Organização das Nações Unidas. Acompanhou e abraçou o amigo, exemplo seguido por António Costa, primeiro-ministro.

O aluno brilhante António Guterres só entrou na política depois do 25 de Abril, mas antes da revolução envolveu-se em movimentos ligados à Igreja que faziam trabalho social em bairros de lata de Lisboa. “Não tive uma atividade política significativa antes do 25 de Abril. O meu envolvimento foi em questões de natureza social. Fui lentamente, com isso, despertando para opções políticas”, declarou em entrevista. Terminou o liceu com 18 valores e licenciou-se em Engenharia Eletrotécnica no Instituto Superior Técnico com 19 valores. Pertenceu ao “Grupo da Luz”, do qual fazia também parte o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Nasceu em Lisboa, mas cresceu em Donas, Castelo Branco. 
Da infância, garante, guarda na memória as “injustiças” que existiam no mundo rural dos anos 50.

Filiou-se no PS no dia 25 de abril de 1974. Entrou pela mão de António Reis e numa entrevista, em 2002, contou que “houve um acentuar progressivo de um conjunto de preocupações. E no período que antecedeu e que sucedeu ao 25 de Abril houve um forte apelo da vida política em si. As coisas conjugaram-se, e encontrei na política a resposta a essa ansiedade”. Nessa mesma entrevista, o ex-líder do PS definiu-se como um social-democrata e confessou que Salgado Zenha foi a figura política que mais o marcou. “Em termos políticos, pode dizer-se que teve para comigo um papel muito paternal, é indiscutível.”
Foi eleito deputado em 1976.

O duelo com Jorge Sampaio foi provavelmente a luta mais dura entre socialistas. De um lado estava Jorge Sampaio e do outro António Guterres. Em 1991, o país vivia a euforia do cavaquismo e o PSD voltou a conquistar a maioria absoluta. O PS, liderado por Sampaio, não conseguiu chegar aos 30%. “Estes resultados deixam-me em estado de choque”, confessou António Guterres na noite eleitoral.
Ganhou António Guterres, e o PS, na linha da terceira via de Blair, passou a posicionar-se menos à esquerda e mais ao centro.


Seis anos no governo, António Guterres rompeu com o cavaquismo -o que levou a que o PS ficasse afastado do poder durante dez anos - e trouxe para a política a garantia de que é preciso governar com a razão, mas também com o coração. Ideologicamente, aderiu à terceira via e arrumou na gaveta algumas ideias de esquerda que até essa data vigoravam no PS. Ao contrário de Cavaco, Guterres fazia do diálogo uma bandeira, o que lhe valeu ficar colado à imagem do político que tem dificuldade em decidir. Eram os tempos da paixão pela educação ou da criação do rendimento mínimo garantido. Guterres venceu as eleições em 1995 contra Fernando Nogueira, com 43% e 112 deputados, e voltou a vencê-las em 1999 contra Durão Barroso e 115 deputados. Ficou a um deputado da maioria absoluta e demitiu-se a meio do segundo mandato.
Antes de Durão Barroso ter chegado a presidente da Comissão Europeia, outro português teve essa oportunidade.

Foi António Guterres e, ao contrário do social-democrata, optou, em 1999, por não trocar Portugal por Bruxelas. Não foi fácil a decisão. “Se tivesse uma lógica de ambição pessoal, deveria ter aceite naquele minuto. Entendi que o que estava a fazer aqui me criava obrigações de que não podia fugir”, disse o futuro secretário--geral das Nações Unidas. A recusa valeu-lhe elogios por não abandonar o país, mas Guterres confessou que “se alguma coisa lhe custou recusar, foi a Comissão Europeia. Custou-me muito dizer que não”. Foi a primeira vez que recusou um cargo desta dimensão, mas também deu uma nega a Mário Soares quando este o convidou para ministro da Saúde, poucos anos depois de entrar na política. E a Constâncio e Sampaio, quando o desafiaram a candidatar-se à câmara de Lisboa.

Na noite de 17 de dezembro de 2001 não faltaram socialistas a tentar demover António Guterres de apresentar a demissão. Guterres não cedeu. Mais tarde António Guterres confessou que foi um erro. “Cometi um erro político ao permitir a aprovação do chamado orçamento limiano, devia ter dito que um chumbo na Assembleia da República levaria à minha demissão. Se isso tivesse acontecido, ter-me-ia candidatado novamente a primeiro-ministro”.

Belém ficou pelo caminho de António Guterres.
“Sempre me interessei pelo serviço público e pretendo continuar a fazê-lo, mas o que gosto mais de fazer é o tipo de função que tenho atualmente, que permite ter uma ação permanente e direta sobre o que se passa no terreno” declarou em Bruxelas.


António Guterres demitiu-se em Dezembro de 2001 do cargo de primeiro-ministro e afastou-se da vida política nacional. Quatro anos depois, o ex-primeiro-ministro assumiu funções como alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Ocupou o cargo durante dez anos. “Nunca imaginei que as pessoas pudessem suportar níveis de sofrimento tão avassaladores”, disse, numa entrevista à RTP, num relato sobre a sua experiência na ACNUR.

Os dez anos neste cargo permitiram-lhe, além de percorrer o mundo, conhecer por dentro as Nações Unidas. Uma das mudanças que fez foi reduzir em 20% o pessoal na sede, em Genebra. E triplicou a quantidade de atividades na organização com o objetivo de dar resposta ao aumento do número de refugiados.

No início, poucos acreditaram que fosse possível António Guterres ser eleito secretário--geral das Nações Unidas. Guterres conseguiu, porém, vencer cinco votações informais - antes de vencer a sexta e última que lhe valeu a nomeação - para além de ter tido boas prestações em audições públicas e privadas bem como no debate com os outros candidatos à liderança das Nações Unidas. O aparecimento de última hora da búlgara e vice-presidente da Comissão Europeia, Kristalina Georgieva, fez tremer a candidatura de Guterres.

Mas a experiência do candidato português, acompanhada  de um processo de seleção transparente e aberto, acabou por o colocar num dos cargos mais importantes do mundo.





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