Às 16.35 horas do dia
de ontem, hora de Lisboa, António Guterres tornou-se secretário-geral das
Nações Unidas.
O ex-primeiro-ministro português jurou com a mão direita
levantada e a esquerda pousada sobre a Carta das Nações Unidas, perante o
presidente da Assembleia Geral da ONU. “Eu, António Guterres, juro solenemente
exercer com toda a lealdade, em consciência, todas as funções que me são
confiadas enquanto secretário-geral da ONU”. Guterres jurou desempenhar a
função e “orientar a sua conduta sempre e só na pespetiva dos interesses das
Nações Unidas” e “nunca aceitar instruções de qualquer governo ou de qualquer
autoridade na posição de secretário-geral da ONU”.
O primeiro aniversário
de Marcelo Rebelo de Sousa como presidente da República (sessenta e oito anos
de idade) foi passado em Nova Iorque, para testemunhar ao vivo a tomada de
posse de António Guterres como secretário-geral da Organização das Nações
Unidas. Acompanhou e abraçou o amigo, exemplo seguido por António Costa,
primeiro-ministro.
O aluno brilhante
António Guterres só entrou na política depois do 25 de Abril, mas antes da
revolução envolveu-se em movimentos ligados à Igreja que faziam trabalho social
em bairros de lata de Lisboa. “Não tive uma atividade política significativa
antes do 25 de Abril. O meu envolvimento foi em questões de natureza social.
Fui lentamente, com isso, despertando para opções políticas”, declarou em
entrevista. Terminou o liceu com 18 valores e licenciou-se em Engenharia
Eletrotécnica no Instituto Superior Técnico com 19 valores. Pertenceu ao “Grupo
da Luz”, do qual fazia também parte o atual Presidente da República, Marcelo
Rebelo de Sousa. Nasceu em Lisboa, mas cresceu em Donas, Castelo Branco.
Da
infância, garante, guarda na memória as “injustiças” que existiam no mundo rural
dos anos 50.
Filiou-se no PS no dia
25 de abril de 1974. Entrou pela mão de António Reis e numa entrevista, em
2002, contou que “houve um acentuar progressivo de um conjunto de preocupações.
E no período que antecedeu e que sucedeu ao 25 de Abril houve um forte apelo da
vida política em si. As coisas conjugaram-se, e encontrei na política a
resposta a essa ansiedade”. Nessa mesma entrevista, o ex-líder do PS definiu-se
como um social-democrata e confessou que Salgado Zenha foi a figura política
que mais o marcou. “Em termos políticos, pode dizer-se que teve para comigo um
papel muito paternal, é indiscutível.”
Foi eleito deputado em
1976.
O duelo com Jorge
Sampaio foi provavelmente a luta mais dura entre socialistas. De um lado estava
Jorge Sampaio e do outro António Guterres. Em 1991, o país vivia a euforia do
cavaquismo e o PSD voltou a conquistar a maioria absoluta. O PS, liderado por
Sampaio, não conseguiu chegar aos 30%. “Estes resultados deixam-me em estado de
choque”, confessou António Guterres na noite eleitoral.
Ganhou António
Guterres, e o PS, na linha da terceira via de Blair, passou a posicionar-se
menos à esquerda e mais ao centro.
Seis anos no governo,
António Guterres rompeu com o cavaquismo -o que levou a que o PS ficasse
afastado do poder durante dez anos - e trouxe para a política a garantia de que
é preciso governar com a razão, mas também com o coração. Ideologicamente,
aderiu à terceira via e arrumou na gaveta algumas ideias de esquerda que até
essa data vigoravam no PS. Ao contrário de Cavaco, Guterres fazia do diálogo
uma bandeira, o que lhe valeu ficar colado à imagem do político que tem
dificuldade em decidir. Eram os tempos da paixão pela educação ou da criação do
rendimento mínimo garantido. Guterres venceu as eleições em 1995 contra
Fernando Nogueira, com 43% e 112 deputados, e voltou a vencê-las em 1999 contra
Durão Barroso e 115 deputados. Ficou a um deputado da maioria absoluta e demitiu-se
a meio do segundo mandato.
Antes de Durão Barroso
ter chegado a presidente da Comissão Europeia, outro português teve essa
oportunidade.
Foi António Guterres e,
ao contrário do social-democrata, optou, em 1999, por não trocar Portugal por
Bruxelas. Não foi fácil a decisão. “Se tivesse uma lógica de ambição pessoal,
deveria ter aceite naquele minuto. Entendi que o que estava a fazer aqui me
criava obrigações de que não podia fugir”, disse o futuro secretário--geral das
Nações Unidas. A recusa valeu-lhe elogios por não abandonar o país, mas
Guterres confessou que “se alguma coisa lhe custou recusar, foi a Comissão
Europeia. Custou-me muito dizer que não”. Foi a primeira vez que recusou um
cargo desta dimensão, mas também deu uma nega a Mário Soares quando este o
convidou para ministro da Saúde, poucos anos depois de entrar na política. E a
Constâncio e Sampaio, quando o desafiaram a candidatar-se à câmara de Lisboa.
Na noite de 17 de
dezembro de 2001 não faltaram socialistas a tentar demover António Guterres de
apresentar a demissão. Guterres não cedeu. Mais tarde António Guterres
confessou que foi um erro. “Cometi um erro político ao permitir a aprovação do
chamado orçamento limiano, devia ter dito que um chumbo na Assembleia da
República levaria à minha demissão. Se isso tivesse acontecido, ter-me-ia
candidatado novamente a primeiro-ministro”.
Belém ficou pelo
caminho de António Guterres.
“Sempre me interessei
pelo serviço público e pretendo continuar a fazê-lo, mas o que gosto mais de
fazer é o tipo de função que tenho atualmente, que permite ter uma ação
permanente e direta sobre o que se passa no terreno” declarou em Bruxelas.
António Guterres
demitiu-se em Dezembro de 2001 do cargo de primeiro-ministro e afastou-se da
vida política nacional. Quatro anos depois, o ex-primeiro-ministro assumiu
funções como alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Ocupou o cargo durante dez anos. “Nunca imaginei que as pessoas pudessem
suportar níveis de sofrimento tão avassaladores”, disse, numa entrevista à RTP,
num relato sobre a sua experiência na ACNUR.
Os dez anos neste cargo
permitiram-lhe, além de percorrer o mundo, conhecer por dentro as Nações
Unidas. Uma das mudanças que fez foi reduzir em 20% o pessoal na sede, em
Genebra. E triplicou a quantidade de atividades na organização com o objetivo
de dar resposta ao aumento do número de refugiados.
No início, poucos
acreditaram que fosse possível António Guterres ser eleito secretário--geral
das Nações Unidas. Guterres conseguiu, porém, vencer cinco votações informais -
antes de vencer a sexta e última que lhe valeu a nomeação - para além de ter
tido boas prestações em audições públicas e privadas bem como no debate com os
outros candidatos à liderança das Nações Unidas. O aparecimento de última hora
da búlgara e vice-presidente da Comissão Europeia, Kristalina Georgieva, fez tremer
a candidatura de Guterres.
Mas a experiência do candidato português, acompanhada de um processo de seleção transparente e aberto, acabou por o colocar num dos cargos mais importantes do mundo.
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