QUERIA TOCAR NA CABEÇA DE UM LEOPARDO LOUCO
Queria tocar na cabeça de um leopardo louco, no luxo
mandibular. Sentir os dedos tornarem-se
de granito. Sentir a deslumbrante
ressaca do pêlo
baixo arrebatar-me furiosamente os cinco dedos.
Como cinco balas de granito.
Uma estrela voltaica.
E tragá-la. E de súbito toda aquela púrpura nocturna
entrar por mim dentro, da mão à cara.
Ou uma ferida que me apanhasse de perna a perna.
Entrar em mim
a fábula da demência e a animal
elegância. Sei que o sangue me pontua e estremeço
de poro em poro
com tanto ouro suado que me envenena.
Sei que toco.
Que há uma combustão nas partes sexuais
da minha morte. E se olho esse espelho exalado
de mim mesmo, vejo
pérolas. A anestesia das pérolas. Mas
o fósforo precipita-se onde
arrefece a carne e se torna ligeira. Mas uma dor
instrumental, a minha própria música
descoberta, enreda-me como o som enreda
os tubos de um órgão.
E então nenhuma razão me escurece além do crime,
da metáfora directa
de um leopardo aluado como uma jóia. E ele levanta
a constelação craniana. A boca avança, límpida
chaga
até ao meu rosto. E nesse espelho das coisas de repente
unidas todas, beija-me por mim dentro até
ao coração.
No meio.
Onde se morre do silêncio central
da terra.
HERBERTO HELDER
(in Poemas Completos, pág.358)
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