CAI
A CHUVA ABANDONADA
Cai
a chuva abandonada
à
minha melancolia,
a
melancolia do nada
que
é tudo o que em nós se cria.
Memória
estranha de outrora
não
a sei e está presente.
Em
mim por si se demora
e
nada em mim a consente
do
que me fala à razão.
Mas
a razão é limite
do
que tem ocasião
de
negar o que me fite
de
onde é a minha mansão
que
é mansão no sem-limite.
Ao
longe e ao alto é que estou
e
só daí é que sou.
VERGÍLIO
FERREIRA
Vergílio Ferreira(1935-1996) nasceu em Melo, no concelho
de Gouveia, em Janeiro de 1916, filho de António Augusto Ferreira e de Josefa
Ferreira. A ausência dos pais, emigrados nos Estados Unidos, marcou toda a sua
infância e juventude. Após uma peregrinação a Lourdes, e por sugestão dos
familiares, frequenta o Seminário do Fundão durante seis anos. Daí sai para
completar o Curso Liceal na cidade da Guarda. Ingressa em 1935 na Faculdade de
Letras a Universidade de Coimbra, onde concluirá o Curso de Filologia Clássica
em 1940. Dois anos depois, terminado o estágio no liceu D. João III, nesta
mesma cidade, parte para Faro onde iniciará uma prolongada carreira como
docente, que o levará a pontos tão distantes como Bragança, Évora ou Lisboa.
Este homem reuniu em si diversas facetas, a de filósofo e
a de escritor, a de ensaísta, a de romancista e a de professor. Contudo, foi na
escrita que mais se destacou, sendo dos intelectuais contemporâneos mais
representativos. Toda a sua obra está impregnada de uma profunda preocupação
ensaística.
Vergílio foi também um existencialista por natureza. A
sua produção literária reflecte uma séria preocupação com a vida e a cultura.
Este escritor confessou a Invocação ao meu Corpo (1969) trazer em si “ a força
monstruosa de interrogar”, mais forte que a força de uma pergunta. ”Porque a
pergunta é uma interrogação segunda ou acidental e a resposta a espera para que
a vida continue. Mas o que eu trago em mim é o anúncio do fim do mundo, ou mais
longe, e decerto, o da sua recriação”. Este pensador tecia reflexões constantes
acerca do sentido da vida, sobre o mistério da existência, acerca do nascimento
e da morte, enfim, acerca dos problemas da condição humana.
Ainda nos restou o imenso homem, que ficou dentro da
obra, pois, como o próprio declarou, o autor nunca pode ser dissociado da sua
obra porque nela vive, respira e dela fica impregnado. Vergílio entregava-se à
escrita de corpo e alma, tinha essa obsessão, após a qual se sentia vazio, mas
depois de um livro voltava a renovar-se para dar corpo a outro. “Escrever,
escrever, escrever. Toma-me um desvairamento como o de ébrio, que tem mais sede
com o beber para o beber, ou do impossível erotismo que vai até ao limite de
sangrar. Escrever. Sentir-me devorado por essa bolimia, a avidez sôfrega que se
alimenta do impossível”.(Pensar, 1992).
A obra de Vergílio Ferreira recebeu influências do
existencialismo de Satre, de Marco Aurélio, Santo Agostinho, Pascal,
Dostoievski, Jaspers, Kant e Heidegger. Os clássicos gregos e latinos como
Ésquilo, Sófocles e Lucrécio, também assumiram uma importância vital nos
pensamentos deste escritor.
Os romances Uma Esplanada sobre o Mar (1987), pelo qual
recebeu o prémio da Associação Portuguesa de Escritores, e Em Nome da Terra
(1990) retomam o tema da transitoriedade da vida, sujeita ao passar do tempo.
Em 1993 edita em Na Tua Face, uma das suas obras mais exemplares, em que
desenvolve uma reflexão aprofundada acerca da beleza e da sua transitoriedade.
Este escritor, que aos 80 anos declarou “ vou entrar a escrever no paraíso”,
veio falecer a 1-3-1996. Deixou um livro entregue ao editor, publicado
posteriormente intitulado Cartas a Sandra (1996), em que se pode reencontrar a
personagem Xana, filha do narrador do romance Para Sempre, apresentando ao
leitor cartas escritas pelo pai à sua mãe. Após a morte do escritor a Câmara
Municipal de Gouveia e a Universidade de Évora criaram prémios literários em
memória de Vergílio Ferreira. O espólio do escritor composto por prémios,
livros e alguns objectos pessoais foi doado a Gouveia, concelho de onde
Vergílio Ferreira era natural e estão em exposição na Biblioteca Municipal Vergílio
Ferreira. O seu espólio de originais manuscritos de quase todos os seus
romances foi doado à Biblioteca Nacional.
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