Um discurso inspirador, concreto e efusivamente aplaudido pelos deputados e senadores foi inscrito na história pelo papa Francisco, quando da sua visita ao Congresso dos Estados Unidos, no passado dia 24, estruturado com base no exemplo de “sonho e luta” de “quatro filhos da América”, capazes de, ainda hoje orientar a trajetória do povo norte-americano.
Abraham Lincoln, Martin
Luther King, Dorothy Day e Thomas Merton, cujos “sonhos e lutas” podem continuar a inspirar ainda hoje o povo norte-americano.
Abraham Lincoln: o sonho e a luta por um novo nascimento da liberdade:
A sua apaixonada defesa da
liberdade é um alerta atual à “inquietante situação social e política
do mundo hoje”, que continua sendo palco de “conflitos violentos, ódios e
atrocidades brutais, cometidos inclusive em nome de Deus e da religião (…)
Sabemos que nenhuma religião é imune às formas de engano individual e de
extremismo ideológico (…) Precisamos de um delicado equilíbrio para combater a
violência cometida em nome de uma religião, de uma ideologia ou de um sistema
económico, protegendo, ao mesmo tempo, a liberdade religiosa, a liberdade
intelectual e as liberdades individuais”.
É preciso evitar, para
isto, “o reducionismo simplista que apenas distingue o bem ou o mal, justos e
pecadores”. O resultado da polarização do mundo, da sociedade e das pessoas é a
divisão: “Na tentativa de nos libertar do inimigo exterior, podemos alimentar o
inimigo interior (…). Imitar o ódio e a violência dos tiranos e dos assassinos é
a melhor maneira de acabar tornando-se igual a eles”.
Como agir, então?
Cooperação: este é “um recurso poderoso na batalha para eliminar as novas
formas globais de escravidão”, causadas por “graves injustiças” que só podem
ser vencidas com uma política “ao serviço da pessoa humana” e não “da economia e
das finanças”. “Toda a atividade política deve servir e promover o bem da pessoa
humana e basear-se no respeito pela dignidade de cada um”. “O trabalho
legislativo é sempre baseado no cuidado das pessoas”.
Em 1965, Martin Luther
King liderou a marcha de 25 mil manifestantes que pediam plenos direitos civis
e políticos para os norte-americanos negros. “Aquele sonho continua a inspirar-nos”, disse o papa.
“Nós, os povos deste
continente, não temos medo dos estrangeiros, porque muitos de nós fomos
estrangeiros”. Francisco lembrou que os direitos “daqueles que estavam aqui
muito antes de nós” foram despresados e avisou que o erro não se pode repetir:
as novas gerações não podem “virar as costas ao seu próximo e para tudo o
que nos rodeia”.
A “crise de refugiados, de
proporções inéditas desde a Segunda Guerra Mundial, apresenta-nos grandes desafios
e muitas decisões difíceis”: o fluxo imenso de pessoas em busca de melhores
condições de vida não deve assustar-nos; temos que “vê-las como pessoas,
olhando para o seu rosto, ouvindo as suas histórias” e respondendo de “modo
justo, humano e fraterno”.
O papa defendeu então o
fim da pena de morte. “Estou convencido de que este é o melhor caminho, porque
toda vida é sagrada, toda pessoa humana tem uma dignidade inalienável e a
sociedade só tem a se beneficiar com a reabilitação dos condenados”. (1)
Dorothy Day: o sonho e a
luta pela justiça e pela causa dos oprimidos:
Fundou o Movimento
Operário Católico e lutou pela inclusão social e económica dos mais
vulneráveis, inspirando o papa Francisco a mencioná-la como exemplo para se
fazer mais e para não se perder, no meio da crise económica, “o espírito de
solidariedade global”.
A criação e distribuição
da riqueza são cruciais para isto, assim como “o uso correto dos recursos
naturais, a aplicação adequada da tecnologia e a capacidade de orientar o
espírito empreendedor”. Igualmente, é preciso combater “os efeitos mais graves
da degradação ambiental provocada pela atividade humana”.
Thomas Merton: o sonho e
a luta pela paz entre os povos e religiões:
Este monge cisterciense
foi “uma fonte de inspiração espiritual e um guia para muitas pessoas” na sua
promoção do diálogo. Partindo do seu exemplo, Francisco elogiou “os esforços dos
últimos meses para superar as diferenças históricas ligadas a dolorosos episódios
do passado”.
Em menção ao embargo
contra Cuba, o papa declarou que, “quando nações em desacordo retomam o caminho
do diálogo, novas oportunidades se abrem para todos (…) O bom líder político é
aquele que, pelo bem de todos, capta o momento com espírito de abertura e senso
prático”.
O diálogo e a causa da
paz também exigem “reduzir e, no longo prazo, acabar com os muitos conflitos
armados em todo o mundo”. Com total clareza e indo direto ao ponto, Francisco
indagou: “Por que são vendidas armas mortais para quem planeja causar
sofrimentos incalculáveis a indivíduos e sociedades?”. E ele mesmo deu a
corajosa resposta: “A resposta, como todos nós sabemos, é simplesmente o
dinheiro. Um dinheiro encharcado de sangue, muitas vezes sangue inocente. Diante
deste silêncio vergonhoso e culpável, temos o dever de encarar este problema e
dar fim ao comércio de armas”.
Palavras finais:
A chave de ouro do
discurso do papa Francisco no Congresso dos EUA foi a família, “essencial na
construção deste país e merecedora do nosso apoio e incentivo! Mas eu não posso
esconder a minha preocupação com a família, ameaçada hoje, talvez mais do que
nunca, de dentro e de fora. Relações fundamentais são questionadas, assim como a própria base do matrimónio e da família.
Eu só posso
voltar a propor a importância e, principalmente, a riqueza e a beleza da vida
familiar”.
Que esses “quatro
indivíduos e quatro sonhos” continuem encorajando os Estados Unidos, exortou
Francisco, para que “o maior número possível de jovens possa herdar e habitar
uma terra que inspirou tantas pessoas a sonharem. Deus abençoe a América!”.
(1). Com mágoa profunda, li hoje na imprensa diária a seguinte notícia:
",,,As autoridades da
Georgia, Estados Unidos da América, executaram na terça-feira passada, uma mulher
condenada à pena capital pela morte do marido há 18 anos, após ter sido negado
um pedido de clemência e de um apelo do papa Francisco.
Kelly Gissendaner, de 47
anos, morreu com uma injeção letal na prisão de Jackson, sudeste de Atlanta,
tornando-se a primeira mulher a ser executada na Georgia desde 1945."
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