POEMA SEM TÍTULO 2
Cantam as tulipas.
E busco um cristalino
mar
dum azul intensamente
sensível.
Agora há-de sobressaltar-se
gemendo
na sua farpada dobra
que me torce as unhas
até esmagar
a água em volta do
corpo,
por fora e dentro
arbitrário,
ao entrar e sair salva,
como a luz florescente
duma janela longínqua
debaixo
deste lento mar
penetrante.
E faz idênticas espumas
polirem meu suspiro
enquanto suavemente me
afundo,
sem ser-me ninguém,
num mar de tulipas
lavrado que se volta
para as palmas de
minhas mãos esplêndidas
e me esvai toda a
ferida
e peso rubros.
Bato embaciando-me
contra o sangue espesso
das pedras
a baterem no espaço
vazio
das pedras batidas
pela eternidade viva.
Batem-se as tulipas
no estremecimento das
pétalas
contra o calor
sob o vento elástico.
Concentrassem
as gotas das coisas,
das terras despidas, de
órbitas em órbitas,
mover-se-nos-iam
para a desastrosa
profundidade volumosa
a inundar o que
verdadeiramente
nenhuma pessoa possui.
Amamos o corte da
neblina
encostando o vidro à
cara
num clarão louco.
Sentimo-lo silencioso
para ilustrar a
destruição
enquanto deixamos
passar o horizonte
lá longe a planar.
As entranhas mirradas
a migrarem na
concavidade nua
são hoje as sorridentes
tulipas
a embalarem-me o
fresquíssimo alvoroço,
donde rítmico,
regressei de dedos
dados
ao frescor como
desponto.
Quem visse
aquele pendurado cometa
mole
a incendiar-se em jacto
escorregadio
na copa das tulipas,
seria uma qualquer rota
pousada
no seu caule rodopiante
a colar-se à pele.
Tocas-lhe
e queimas-te
intensamente
como queimaram um dia
as tulipas
no momento em que se
desprenderam.
Enumero o lume por
baixo
e fecho-o pequeno.
Adormeço pela geada
acima
escrevendo
o mar às tulipas
surpresas.
Canta todo o alegre mar
cristalino.
Cantam as cores que vêm
do fundo limpo
de todas essas tulipas.
Cantam tulipas em mim.
FILIPE MARINHEIRO,
In “Silêncios”
Filipe Marinheiro |
Filipe Marinheiro é um poeta que nasceu no dia 30 de Julho
de 1982. É natural e reside em Aveiro.
Voz:José-António Moreira
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