sábado, julho 01, 2017

ERA UMA VEZ UM VELHINHO QUE SE CHAMAVA JESUS...



ERA UMA VEZ UM VELHINHO QUE SE CHAMAVA JESUS


Esta noite reproduzo neste espaço uma crónica de Marta Arrais, publicada em IMISSIO pelo Padre José Luís Rodrigues no seu blogue "O Banquete da Palavra". Porque sendo de leitura simples e sem rabiscos, ela torna-se acessível a todos, avós, pais e filhos e netos: veste-se de uma ternura impressionante que poderá talvez fazer verter lágrimas de comoção…

Mais ainda nos dá conta do mistério da vida que se revelou no Papa Francisco e que levou para o céu esta mulher:

“Descia a rua entre gritos de crianças, de jovens, de homens de barba por fazer, de mulheres de pele macilenta. Descia a rua apertada, sem medo de colocar um dos pés numa poça de lama. Descia a rua sem medo de nada. Os velhos ancoravam-se nas suas bengalas tristes e sorriam à possibilidade da sua visita. Vem lá Jesus. Diziam os mais pequenos entre risos que têm fome de pão e de outras coisas tão importantes como essa. Na favela ninguém tem casa porque a casa de um é a casa de todos. São esqueletos de casas. Prestes a ruir como a vida de quem espreita o caminho para ver se Jesus já lá vem. A avó da favela é velha o suficiente para ter visto nascer cada um dos que já são velhos. Empoleira-se em cada pé como um passarinho cansado da vida e de voar e apoia-se nas pernas que já não sente como suas. Se ao menos tivesse a alegria de ver Jesus. Só Jesus podia salvar aquela gente de uma vida tão sem saídas. Se ao menos Ele viesse e aterrasse naquele lugar. Se ao menos Ele viesse sorrir-lhe. Nem era preciso milagre nenhum. Nem pães aos milhares, nem talhas com vinho. Bastava o sorriso. Se Jesus viesse e lhe sorrisse teria o seu milagre.

E Jesus vinha mesmo. Tinha ouvido as orações da avó da favela. Não te peço nada meu Jesus. Só que me venhas ver a mim e a todos estes filhos que não tenho mas que são meus. Talvez assim pudesses mudar a nossa vida. Se agarrasses na cara como quem me conhece de outras eras e me beijasses a testa como quem beija o Céu. Se ao menos viesses aqui ver-me!

E veio. Vinha vestido de branco. Fazia lembrar um anjo daqueles que andam a ajudar no Céu. Tinha umas abas de lado, aquele vestido. Não estava engelhado. Ao peito uma cruz bonita, prateada. O cabelo branco adivinhava-se por baixo de algo que não era um chapéu. Era a promessa de um chapéu mas não era nenhum chapéu. Estava à espera de ver um Jesus barbudo, alto e moreno. De sandálias nos pés e de milagres nos braços. De traje empoeirado e de cabelo comprido e escuro. Mas não. Tinha andado enganada toda a vida. Jesus era um velhinho e chamava-se Francisco. 
Era esse o nome d’Ele. Chamava-se Francisco e tinha vindo vê-la a ela e aos filhos que, não sendo seus, sempre o tinham sido.
Implorou aos pés que a levassem até mais perto. Eles obedeceram, esquecendo o cansaço de uma vida. Jesus segurou-lhe a mão velha e carcomida pela miséria e beijou-a como quem se ajoelha. Segurou-lhe a cara com as mãos e olhou para dentro dela, como se a conhecesse desde sempre. Deixou-se olhar, deixou-se ver. Deixou deslizar a mão direita pelo seu rosto engelhado e continuou o seu caminho. A avó da favela respirou fundo, cerrou os olhos e agradeceu com uma oração que fez chorar o Céu:
“Obrigada Jesus por teres vindo ver-me. Olhaste para mim como quem olha para uma criança e, de uma vez só, amaste-me mais do que a vida alguma vez me amou…”

Nota: A avó da favela morreu no dia seguinte, enquanto dormia. Antes de Jesus a levar para o Céu deixou-a sonhar o mais bonito de todos os sonhos. Que Jesus a tinha vindo visitar, que era um velhinho e que se chamava Francisco."

 Marta Arrais (15-07-2015)




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