quarta-feira, junho 14, 2017

PELA NOITE, COM JOÃO MORGADO: "BAILARINO:PÁSSARO DO CHÃO"




BAILARINO: PÁSSARO-DO-CHÃO

  
O Bailarino é um pássaro do chão,
como outros são do céu.
São a inveja das árvores que não voam
a inveja das pedras com musgo
dos pesados Homens que não dançam.

Quem te ensinou a voar?
Foi a magia do vento?
Foi o vento que te ensinou a ser folha bailadeira
em vez de árvore?
A ser poeira malabarista em vez de pedra?
A ser artista e a altear os pés sem estar preso?
A recolher as raízes, a vomitar o peso?

O Bailarino é um pássaro do chão,
como outros são do céu.
O seu corpo é uma recta onde cabem
todas as curvas de um véu.
Feito de ar, nervos d’aço, é fio-de-prumo aberto em compasso.

Quem te ensinou a voar?
Foi o milagre dos deuses?
Foram os deuses que te ensinaram
a intensidade e a leveza?
O brilho dos reflexos, a elegância da espuma?
O enlaçar da poesia e das emoções uma a uma,
uma a uma?

O Bailarino é um pássaro do chão,
como outros são do céu.
Quem te ensinou a voar?

- Aprendi na dor…!

Sim, o Bailarino é um pássaro
as suas asas são da dimensão da dor
um pássaro moldado em rasgado movimento
que se repete, se repete, se repete…
quantas vezes? - setenta vezes sete
até que reste um corpo alquebrado
maltratado, castigado, torturado
e se abra um sulco de arado na alma…

- Sem direito ao céu, o Bailarino é um pássaro bastardo,
que sem magias nem milagres aprende
a voar em contraluz,
deixando o sangue no estrado
onde apenas o suor reluz!

- Ahhh… mas quando dança…
quando dança é pássaro por inteiro
esquece a mágoa e o sofrimento
desliza como água, é música em movimento
ganha asas, ganha vento, ganha os ares a sonhar
abre em arco os seus braços, risca lume no ar
e em pose de conquistador, rei d’aquém e d’além dor
vai onde o corpo alcança
e é num segundo
senhor do mundo
num subtil passo de dança!


JOÃO MORGADO,
in“CNB e os Poetas”
Ed: Companhia Nacional de Bailado,
"Arte poesia", pág.113, 
Ed:"Edições Oz", 2015




Na imagem: bailarino Roberto Bolle
Montagem e composição da imagem:



João Morgado
João Morgado nasceu em 1965, em Aldeia do Carvalho, Covilhã, Portugal. É formado em Comunicação pela Universidade da Beira Interior e tem um mestrado em Estudos Europeus na Universidade de Salamanca, Espanha.
Trabalhou como jornalista e, para além da imprensa regional, escreveu no diário “Público” e semanário “Sol”. Consultor de comunicação nos meios empresariais e políticos, é atualmente chefe de Gabinete do Presidente da Câmara de Belmonte.
Na literatura, afirmou-se com dois romances: «Diário dos Infiéis», 2010, e «Diário dos Imperfeitos», 2012. Estas duas obras foram adaptadas ao teatro pela ASTA – Associação de Teatro e outras Artes.
A sua incursão no romance histórico deu-se com a obra «VERA CRUZ», um romance histórico sobre a vida desconhecida de Pedro Álvares Cabral e que apresenta uma nova versão sobre as verdadeiras razões que o levaram a desviar a frota e chegar a um novo continente, e tomar oficialmente para Portugal as que são hoje as terras do Brasil.
Este livro teve ainda uma versão para crianças «Cabralito», com ilustrações de Bruno Picoto.
O romance «VERA CRUZ» serviu ainda de base a uma sinfonia para Orquestra Sinfónica, com Coro e Soprano. Uma obra composta pelo maestro João Pedro Delgado, que teve a direção da orquestra do maestro Gustavo Delgado e Dora Rodrigues como soprano convidada. Os músicos da orquestra selecionados entre oito escolas de música do distrito de Castelo Branco. A estreia ocorreu a 21 de Maio, no TMG - Teatro Municipal da Guarda.
Recentemente lançou «ÍNDIAS», um romance biográfico dedicado a Vasco da Gama, o herói imperfeito, que foi odiado por todos mas amado por D. Manuel I e ficou na história de Portugal por ter sido o primeiro navegante a chegar às Índias das especiarias.
Entre os livros publicados, destacamos ainda «Meio-Rico», contos, 2011; «Pássaro dos Segredos», conto ilustrado, 2014; «Para Ti», poesia, 2014. É coordenador do DIÁSPORA – Festival Literário de Belmonte

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