FLORIRAM POR ENGANO AS
ROSAS BRAVAS
Floriram por engano as
rosas bravas
No inverno: veio o
vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem?
Porque me calas
As vozes com que há
pouco me enganavas?
Castelos doidos! Tão
cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o
pensamento,
De mãos dadas? Teus
olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus,
como vão tristes!
E sobre nós cai nupcial
a neve,
Surda, em triunfo,
pétalas, de leve
Juncando o chão, na
acrópole de gelos...
Em redor do teu vulto é
como um véu!
Quem as esparze _quanta
flor! _do céu,
Sobre nós dois, sobre
os nossos cabelos?
CAMILO PESSANHA,
in
“Clépsidra”
Camilo de Almeida
Pessanha foi um poeta português. Nasceu a 7 de setembro de 1867 em Coimbra, e
morreu a 1 de março de 1926 em Macau, República Popular da China. É considerado
o expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa, além de antecipador do
princípio modernista da fragmentação.
Duas imagens são
aqui visualizadas: a Rosa, símbolo da máxima fragilidade, e os Castelos doidos,
metáfora dos desejos tomados como realidades. Surge também outra expressão com
dimensão simbólica: mãos dadas-união que é negada pela expressão alheio o
pensamento. Esta desunião, este mútuo alheamento, são confirmados pelo
desencontro de olhares (brevidade da conjugação de olhares: um momento). Talvez
por causa desse breve encontro tivessem florido as rosas, mas por engano...O
vento desfolhou-as logo, isto é, a vida desfaz o que é frágil, o sonho , a
ilusão
Este poema
constitui uma justa e simples homenagem
ao dr. Mário Soares(1924-2017), que hoje nos deixou. Foi o poema escolhido e enviado pela
dra. Maria Barroso(1925-2015) ao dr. Mário Soares, seu marido, quando
este se encontrava preso na prisão do Aljube.
RIP.
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