terça-feira, janeiro 10, 2017

ÁLVARO FEIJÓ: "OS DOIS SONETOS DE AMOR DA HORA TRISTE"- Última Homenagem





"Os dois sonetos de amor da Hora Triste", foi o poema escolhido para marcar a cerimónia de despedida do dr. Mário Soares(1924-2017), ex-primeiro ministro e primeiro Presidente da República Portuguesa  eleito depois do 25 de Abril. Poema carregado de simbolismo, foi declamado pela companheira de 66 anos de vida do antigo presidente da República, dra. Maria Barroso, falecida a 7 de julho de 2015, num dos momentos mais emotivos da cerimónia de despedida. Esta mensagem é a homenagem  derradeira que “Preto, Branco, E…” presta a este ilustre casal, símbolo da união, da democracia e da liberdade em Portugal.

RIP

OS DOIS SONETOS DE AMOR DA HORA TRISTE


Quando eu morrer - e hei de morrer primeiro
Do que tu - não deixes de fechar-me os olhos
Meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos
E ver-te-ás de corpo inteiro.

Como quando sorrias no meu colo.
E, ao veres que tenho toda a tua imagem
Dentro de mim, se, então, tiveres coragem,
Fecha-me os olhos com um beijo.

(Eu, Marco Póli)
Farei a nebulosa travessia
E o rastro da minha barca
Segui-los-á em pensamento.
Abarca

Nele o mar inteiro, o porto, a ria...
E, se me vires chegar ao cais dos céus,
Ver-me-ás, debruçado sobre as ondas, para dizer-te adeus,

II

Não um adeus distante
Ou um adeus de quem não torna cá,
Nem espera tornar. Um adeus de até já,
Como a alguém que se espera a cada instante.

Que eu voltarei. Eu sei que hei de voltar
De novo para ti, no mesmo barco
Sem remos e sem velas, pelo charco
Azul do céu, cansado de lá estar.

E viverei em ti como um eflúvio, uma recordação.
E não quero que chores para fora,
Amor, que tu bem sabes que quem chora

Assim, mente. E, se quiseres partir e o coração
To peça, diz-mo. A travessia é longa... Não atino
Talvez na rota. Que nos importa, aos dois, ir sem destino?



ÁLVARO FEIJÓ




Álvaro de Castro e Sousa Correia Feijó (1916-1941) foi um poeta português, natural de Viana do Castelo. Faleceu de cancro quando ainda não tinha completado os vinte e cinco anos de idade. Fez os estudos secundários no colégio dos jesuítas de La Guardia, na vizinha Galiza, inscrevendo-se seguidamente na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Influenciado pela obra de seu tio-avô António Feijó (1859-1917), introdutor e cultor exímio do "Parnasianismo " francês no nosso país, surgem os "Primeiros Versos" de Álvaro Feijó que, segundo os críticos, constituem a manifestação de um talento poético embrionário.

Os seus versos são publicados em revistas como Sol Nascente, O Diabo, Altitude e Seara Nova e, postumamente, no Novo Cancioneiro. Companheiro no exercício poético de Políbio Gomes dos Santos, Joaquim Namorado, José João Cochofel e Carlos de Oliveira, formado nos princípios da escola neo-realista, a sua poesia sofre a trágica influência da guerra civil de Espanha, entre 1936-1939, e da segunda Grande Guerra.

Corsário (1940), o único livro que publicou em vida, é o apelo fundamental à reforma da sociedade e da justiça social e ao esvaziamento dos conteúdos religiosos, substituídos por temas laicos. Mas é no âmbito da temática religiosa que a poesia de Álvaro Feijó atinge uma perfeição notável de fundo e de forma, como no poema "Senhora da Apresentação", que constitui uma súmula dos vectores temáticos do neo-realismo.



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