sábado, abril 25, 2015

UM FIM DE TARDE COM MIA COUTO: "VINTE E ZINCO (25 de abril)"





25 de abril

   

     - Até que enfim, aconteceu ! Deus seja louvado.
  
A mãe agradecia a Deus aquela tamanha desgraça? O juízo da senhora teria sofrido um idêntico golpe de Estado?
    
     - Mãe, como pode dizer uma coisa dessas?
   - Estou contente, sim. Nem pode imaginar como me sinto feliz!
   
O pide sentou-se, combalido. Fosse melhor receber a notícia da sua total orfandade? A mãe parecia transfigurada. Desolhuda, lhe segurou pelas mangas do casaco e puxou-o como se receasse que ele não a escutasse bem:
   
   - A única coisa que eu quero é ir embora. Todos esses anos, esse foi o meu sonho. E agora, Lourenço de Castro, só nos resta mesmo é ir embora.
   
O filho não reconhecia a progenitora.
   
   - Quando o teu pai morreu eu pensei que tudo tinha acabado. E que voltávamos para a nossa aldeia, de onde nunca devíamos ter saído. Mas depois tu quiseste-o vingar, seguiste-lhe as pisadas, essa merda da política.
    - Não acredito que esteja a usar essa linguagem, mãe.
   - Merda é pouco, filho. Merda é pouco. É por isso que, por mais que nos lavemos, não há água que chegue para nos limparmos do passado.



MIA COUTO
In “Vinte e Zinco (25 de abril)”


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