Fernando
Jáuregui, um dos mais conhecidos analistas políticos espanhóis, falou sobre a
mudança de rei e os desafios que Felipe VI vai ter pela frente.
“É
preciso regenerar a vida política espanhola”, defende Fernando Jáuregui,
director do “Diário Crítico”, sugerindo que o grande desafio de Felipe VI “será
reinar de outra forma”. Popular analista político da TVE e ex-director da
TeleCinco, define-se como “monárquico crítico” não percebendo “a absurda
ausência” de Juan Carlos I da cerimónia de coroação do filho. Jáuregui foi
jornalista do “El Pais” e “Diario 16” e é dos mais conhecidos analistas
políticos espanhóis. Acrescentou:
«…Vai
ser reinar de outra maneira, de maneira diferente. Em Espanha abriu-se uma nova
era. Uma “segunda transição”. Felipe VI tem de marcar o caminho, porque o
actual poder político não o faz ancorado que está nos velhos hábitos. Acredito
que Felipe VI, um jovem, um homem do seu tempo, terá, de alguma maneira, de
desenhar directrizes distintas. Creio que já vamos todos dar conta disso já no
discurso da cerimónia da proclamação. Vamos dar conta de diferentes pistas de
grelhas de leitura para o futuro. É o que espero. Tenho grande confiança em
Felipe VI.
Quando
o rei pede perdão por “um erro que não voltará a acontecer” é um momento
importante. Mas nesse momento, Juan Carlos não pensa na abdicação. São outros
erros em menor grau de culpa, mas mais naturais, decorrentes da idade, por
exemplo, que o fazem pensar que já não pode continuar no trono. A partir daí
desencadeia-se uma nova dinâmica com um rei consciente da necessidade de abrir
caminho para uma nova era através do filho. Isso é o mais importante que vai
acontecer. Não me chamem chauvinista, porque não sou, mas creio que a Espanha
pode agora encabeçar um ranking de monarquias modernas. Acredito nas monarquias
europeias modernas, democráticas e avançadas. Oxalá Felipe VI não se engane num
discurso em que temos colocado um elevado grau de esperança. Verdade é que Felipe
VI não cometeu, até ao momento, nenhum dos erros do seu pai, o rei. Nenhum. Não
cometeu nenhum. É importante sublinhar este aspecto porque nós espanhóis
estamos à procura de uma figura em que possamos depositar toda a esperança.
Oxalá Filipe VI seja essa figura.
Como
monárquico crítico digo que Felipe VI deve tentar evitar fazer praticamente
tudo o que o seu pai fez. O seu pai tirou a Espanha da ditadura rumo à
democracia. Mas a democracia já está consolidada. O seu pai descentralizou até
certo ponto, mas agora o país precisa uma ainda maior descentralização. O seu
pai harmonizou um pouco a injusta política social e económica. Mas a questão da
desigualdade social está, de novo, na ordem do dia. Felipe VI terá de procurar
que uma maior justiça social impere sobre os espanhóis. Terá de facilitar uma
nova disposição territorial. Temos um problema muito sério com a Catalunha.
Felipe VI terá de facilitar na medida do que possa – porque também não pode
tudo – uma reforma de uma Constituição que se tornou antiquada em muitos
aspectos. Em resumo: o desafio que espera o novo rei é enorme e nada tem a ver
com o desafio enfrentado pelo seu pai.
Juan
Carlos I já teve de enfrentar exigências republicanas. O desafio de harmonizar
tensões entre monárquicos e republicanos foi muito maior que o colocado agora a
Felipe VI nesse capítulo. Quanto às reivindicações territoriais é verdade que
se agravaram um pouco, porque Artur Más avançou para um referendo que não deixa
de envolver dificuldades, até para o próprio líder catalão. Mas aí deve impor-se
um sistema de diálogo aberto com a Catalunha e de concessões até do ponto de
vista constitucional. O meu ponto é que a habilidade do chefe de Estado – já
que não temos essa habilidade no líder do Governo – vai ser muito importante
para solucionar e suavizar as tensões territoriais e de organização do Estado.
Muitas das petições dos republicanos fazem todo o sentido, são totalmente
legítimas e terão de ser apresentadas num marco legal distinto. Mas têm todo o
direito de as apresentar. O novo rei terá no seu discurso de proclamação de
contemplar também estas reivindicações republicanas e de quem se quer separar
de Espanha. Daí a importância decisiva da figura do novo rei. Se Felipe VI for
capaz de iniciar um diálogo com todos os sectores descontentes com o actual
sistema – não digo que resolva todos os problemas anulando-os – para chegar a
alguma forma de equilíbrio territorial, de balanço na reforma do estado então
será um privilégio autêntico tê-lo como rei. Felipe VI tem qualidades que nem
os actuais políticos espanhóis têm, nem o seu próprio pai teria.. Juan Carlos
estava muito desgastado pelos escândalos. Felipe VI surge “novo”, imaculado e
acredito que os espanhóis olham para a sua chegada ao trono com enorme
esperança. Oxalá não defraude esse capital de esperança.
O
entendimento entre o PP e o Partido Socialista é, neste momento, inevitável. Um
entendimento para o fortalecimento da Monarquia, para a reforma constitucional,
para a reforma da lei eleitoral e para outras tantas reformas legais que são
imprescindíveis. Incluindo algumas reformas económicas que facilitem maior
justiça social, porque poderá chegar o dia em que a Espanha acabe por estoirar
nalgum sítio se estas reformas não se fizerem. Portanto, o surgimento de
fenómenos políticos como o movimento PODEMOS, ou, no passado, o auge da
Izquierda Unida – forças que também se anulam umas às outras – mostram, de
forma simples, que a sociedade espanhola está cansada de uma certa maneira de
governar. A sociedade espanhola está cansada de uma mensagem política obsoleta.
A sociedade espanhola está cansada de muitas armadilhas, escândalos de
corrupção, cansada de falta de transparência. Espero simplesmente que os
grandes partidos políticos cheguem a acordo para governar de uma maneira
diferente. As informações de que disponho apontam para que o discurso do novo
rei aponte nesse sentido. É preciso governar de outra forma. É preciso
regenerar – a expressão é muito forte – a vida política espanhola. É preciso
alterar o marco legal, incluindo a Constituição.
Gostaria
que tivesse lugar um referendo Monarquia vs República e sou monárquico.
Acredito que a Monarquia ganharia. Gostaria que na Catalunha se realizasse um
referendo sobre a independência e acredito que venceria a continuidade da
ligação da Catalunha com o resto da Espanha. A democracia implica que o povo
possa opinar e possa votar. Suspeito que algo do género vá acabar por
acontecer. Até lá todos os espanhóis têm de encontrar maneira de arbitrar estas
opções para que a consulta seja possível e se desenrole da forma mais
democrática e civilizada possível. Mas dizer que não é possível votar sobre o
tipo de organização do Estado – Monarquia ou República - nem sobre a
continuidade territorial parece-me ser uma posição difícil de sustentar no
futuro porque – suspeito – é uma exigência democrática.
A
escolha do uniforme militar enquadra-se na tradição espanhola. O rei é o chefe
das forças armadas e assumir o seu novo papel como chefe do Estado vestido de
capitão-general do Exército é um gesto, um “piscar de olhos” à tradição. Estes
gestos voltados para a tradição também são importantes tanto na forma
monárquica como na republicana. Não creio que tenha qualquer significado
especial, sobretudo, porque as forças armadas espanholas de hoje nada têm nada
a ver com as forças armadas de há 30 anos. Aquelas forças armadas golpistas,
aristocráticas – de Tejero Molina, do general Jaime Milláns del Bosch, do
general Alfonso Armada que chegou a ser chefe da Casa Militar do Rei – não têm
nada a ver com os militares actuais. Entre os militares espanhóis talvez se
tenha produzido uma catarse – tal como, há muitos anos, aí em Portugal – uma
renovação absolutamente decisiva. Não há pontos comuns entre os actuais
militares e os do antigo regime.
Eu
percebo a ausência da irmã (a aguardar decisão judicial sobre alegado
envolvimento num caso de corrupção protagonizado pelo marido, Inãki
Urdangarín). É perfeitamente compreensível. Não entendo, sob qualquer ângulo de
observação, a ausência do pai e da mãe. É um absurdo. O rei terá pretendido
potenciar o protagonismo do seu filho, mas é uma decisão absurda porque o
protagonismo do filho vai ser absoluto em qualquer circunstância. O rei não
pode ter vergonha de ter passado quase 40 anos na chefia do Estado. Com todos
os períodos claros e escuros – que os houve de todo o tipo – foram 40 anos
claramente benéficos para os espanhóis. No balanço foi maior a parte positiva
que a negativa. Não entendo. O rei parece envergonhar-se do passo dado com a
abdicação. Devia estar presente na cerimónia para dar um abraço ao seu filho e
para sancionar a sua chegada ao trono. Não percebo a ausência de Juan Carlos.
Suspeito
que o rei se dedique à sua vida privada e esqueça o seu papel “na assessoria”
da sociedade espanhola, esquecendo-se de legar a importante experiência de 14
mil dias acumulada ao longo de 40 anos. Oxalá que me engane. Oxalá que o rei e,
claro, a rainha não decidam dedicar-se à vida privada e, de alguma maneira,
continuem a exercer algum tipo de funções públicas. A ausência na cerimónia de
coroação de Filipe VI provoca-me más vibrações e indicia-me um muito mau
prognóstico…»
Desejamos as maiores felicidades ao novo rei. Que proporcione toda a paz e prosperidade a Espanha, país nosso amigo e vizinho.
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