Foi
para ti que criei as rosas.
Foi
para ti que lhes dei perfume.
Para
ti rasguei ribeiros
e
dei às romãs a cor do lume.
Eugéniode Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, poeta lírico português, nasceu em 19
de Janeiro de 1923 na Póvoa de Atalaia, Fundão, no seio de uma família de
camponeses.
A sua infância foi passada com a mãe, na sua aldeia natal. Mais
tarde, prosseguindo os estudos, foi para Castelo Branco, Lisboa e Coimbra, onde
residiu entre 1939 e 1945. Em 1947 entrou para a Inspecção Administrativa dos
Serviços Médico-Sociais, em Lisboa. Em 1950 foi transferido para o Porto, onde
fixou residência.
Abandonou
a ideia de um curso de Filosofia para se dedicar à poesia e à escrita,
actividades pelas quais demonstrou desde cedo profundo interesse, a partir da
descoberta de trabalhos de Guerra Junqueiro e António Botto. Camilo Pessanha
constituiu outra forte influência do jovem poeta Eugénio de Andrade.
Embora
não se integre em nenhum dos movimentos literários que lhe são contemporâneos,
não os ignorou, mostrando-se solidário com as suas propostas teóricas e
colaborando nas revistas a eles ligadas, como: Cadernos de Poesia; Vértice;
Seara Nova; Sísifo; Gazeta Musical e de Todas as Artes; Colóquio, Revista de
Artes e Letras; O Tempo e o Modo e Cadernos de Literatura, entre outras.
A
sua poesia caracteriza-se pela importância dada à palavra, quer no seu valor
imagético, quer rítmico, sendo a musicalidade um dos aspectos mais marcantes da
poética de Eugénio de Andrade, aproximando-a do lirismo primitivo da poesia
galego-portuguesa ou, mais recentemente, do simbolismo de Camilo Pessanha.
O
tema central da sua poesia é a figuração do Homem, não apenas do eu individual,
integrado num colectivo, com o qual se harmoniza (terra, campo, natureza -
lugar de encontro) ou luta (cidade - lugar de opressão, de conflito, de morte,
contra os quais se levanta a escrita combativa).
A
figuração do tempo é, assim, igualmente essencial na poesia de Eugénio de
Andrade, em que os dois ciclos, o do tempo e o do Homem, são inseparáveis, como
o comprova, por exemplo, o paralelismo entre as idades do homem e as estações
do ano. A evocação da infância, em que é notória a presença da figura materna e
a ligação com os elementos naturais, surge ligada a uma visão eufórica do
tempo, sentido sempre, no entanto, retrospectivamente.
A essa euforia contrapõe-se o sentimento
doloroso provocado pelo envelhecimento, pela consciência da aproximação da
morte (assumido sobretudo a partir de Limiar dos Pássaros), contra o qual só o
refúgio na reconstituição do passado feliz ou a assunção do envelhecimento, ou
seja, a escrita, surge como superação possível. Ligada à adolescência e à idade
madura, a sua poesia caracteriza-se pela presença dos temas do erotismo e da
natureza, assumindo-se o autor como o «poeta do corpo».
Os seus poemas,
geralmente curtos, mas de grande densidade, e aparentemente simples,
privilegiam a evocação da energia física, material, a plenitude da vida e dos
sentidos. A delicadeza formal patente nos seus poemas e que lhes confere grande
encantamento, é por muitos atribuída à natureza das opções de vida escolhidas
pelo poeta.
Foi
galardoado com o Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores,
atribuído a O Outro Nome da Terra (1988), e com o Prémio de Poesia Jean
Malrieu, por Branco no Branco (1984). Recebeu ainda, em 1996, o Prémio Europeu
de Poesia. Foi criada, no Porto, uma fundação com o seu nome.
Autor
de uma importante obra poética, podem referir-se os seguintes títulos:
Adolescente
(1942); As Mãos e os Frutos (1948); Os Amantes sem Dinheiro (1950); As Palavras
Interditas (1951); Até Amanhã (1956); Conhecimento da Poesia (1958); O Coração
do Dia (1958); Os Afluentes do Silêncio (1968); Obscuro Domínio (1971); Limiar
dos Pássaros (1972); Véspera da Água (1973); Memória de Outro Rio (1978);
Matéria Solar (1980); O Peso da Sombra (1982); Poesia e Prosa, 1940-1989
(1990), O Sal da Língua (1995), Alentejo (1998), Os Lugares do Lume (1998) e
Antologia Pessoal de Poesia Portuguesa (1999). Organizou ainda, várias
antologias, como a que dedicou ao Porto (Daqui Houve Nome Portugal, 1968) e a
Antologia Breve (1972). Em 2000, publica Poesia.
Escreveu também livros para
crianças. É um dos poetas portugueses mais traduzidos para outras línguas.
Em
1982, o Governo português atribuiu-lhe o grau de Grande Oficial da Ordem de
Sant'Iago da Espada e a Grã-Cruz da Ordem de Mérito em 1988. Em 1986, recebeu o
Prémio da Associação Internacional dos Críticos Literários. Em 1996, recebeu o
Prémio Europeu de Poesia da Comunidade de Varchatz (Jugoslávia).
Em
1999 organizou a obra Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa.
Em
Maio de 2000, recebeu o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de
Escritores, entregue pelo Presidente da República. O prémio distingue todo o
percurso e toda a obra do escritor. Também recebeu, no mesmo ano, o Prémio
Extremadura de criação literária e o Prémio Celso Emílio Ferreiro, para autores
ibéricos.
Em
Fevereiro de 2001, Eugénio de Andrade recebeu o Prémio Celso Emílio Ferreiro,
na Galiza. Em Maio, Eugénio de Andrade foi homenageado no Carrefour des
Littératures, em França.
Em Julho, foi atribuído ao poeta o Prémio Camões, com o qual se mostrou satisfeito, quer pelo prestígio do galardão, quer por ver o seu nome associado ao de Luís de Camões.
No mesmo ano publicou Os Sulcos da Sede.
Faleceu
a 13 de Junho de 2005, no Porto, após uma doença neurológica prolongada.
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POEMAS DE EUGÉNIO DE ANDRADE:
É URGENTE O AMOR
É
urgente o amor.
É
urgente um barco no mar.
É
urgente destruir certas palavras,
ódio,
solidão e crueldade,
alguns
lamentos,
muitas
espadas.
multiplicar
os beijos, as searas,
é
urgente descobrir rosas e rios
e
manhãs claras.
Cai o
silêncio nos ombros e a luz
impura,
até doer.
É
urgente o amor, é urgente
permanecer. Eugénio de Andrade, in Amanhã
ENTRE OS TEUS LÁBIOS
Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à
garganta,
invade a
água.
No teu peito
é que o pólen
do fogo
se junta à
nascente,
alastra na
sombra.
Nos teus
flancos
é que a
fonte começa
a ser rio de
abelhas,
rumor de
tigre.
Da cintura
aos joelhos
é que a
areia queima,
o sol é
secreto,
cego o
silêncio.
Deita-te
comigo.
Ilumina meus
vidros.
Entre lábios
e lábios
toda a
música é minha.
ADEUS
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Adeus.
Eugénio de Andrade, in Poesia e Prosa
O SILÊNCIO
ADEUS
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu
lado
todas as
coisas eram possíveis.
Mas isso era
no tempo dos segredos,
no tempo em
que o teu corpo era um aquário,
no tempo em
que os teus olhos
eram peixes
verdes.
Hoje são
apenas os teus olhos.
É pouco, mas
é verdade,
uns olhos
como todos os outros.
Já gastámos
as palavras.
Quando agora
digo: meu amor...
já não se
passa absolutamente nada.
E, no
entanto, antes das palavras gastas,
tenho a
certeza
de que todas
as coisas estremeciam
só de
murmurar o teu nome
no silêncio
do meu coração.
Não temos
nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada
que me peça água.
O passado é
inútil como um trapo.
E já te
disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade, in Poesia e Prosa
O SILÊNCIO
Quando
a ternura
parece
já do seu ofício fatigada,
e
o sono, a mais incerta barca,
inda
demora,
quando
azuis irrompem
os
teus olhos
e
procuram
nos
meus navegação segura,
é
que eu te falo das palavras
desamparadas
e desertas,
pelo
silêncio fascinadas
POEMA À MÃE
POEMA À MÃE
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não
se demora
e noites rumorosas de águas
matinais.
Por isso, às vezes, as palavras
que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas
brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as
rosas,
talvez não enchesses as horas
de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas
cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas — tu sabes — a noite é
enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a
beber,
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade, in Os Amantes Sem Dinheiro
"ADEUS"
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