sábado, agosto 06, 2011

ARISTIDES DE SOUSA MENDES (1885-1954) - Diplomata, o "Schindler Português"






Os homens são do tamanho dos valores que defendem.




Aristides de Sousa Mendes foi, talvez por isso, um dos poucos heróis nacionais do século XX e o maior símbolo português saído da II Guerra Mundial. Em 1940, quando era cônsul em Bordéus, protagonizou "a desobediência justa". Não acatou a proibição de Salazar de se passarem vistos a refugiados: transgrediu e passou 30 mil, sobretudo a judeus. Foi demitido compulsivamente. A sua vida estilhaçou-se por completo. É o herói vulgar. Não estava preso a causas. Estava preso a uma questão fundamental: a sua consciência.

Aristides de Sousa Mendes e família, em 1936

Aristides de Sousa Mendes foi o "Schindler português", muito antes de o alemão começar a sua atividade humanitária em prol dos judeus.. Atendendo à verdade histórica, Oskar Schindler é que foi o Aristides alemão.

Oskar Schindler, salvou em 1944, cerca de 1200 judeus, que empregou na sua fábrica, evitando que fossem deportados para campos de concentração. Por causa do filme baseado no livro de Thomas Keneally, "A Lista de Schindler", adaptado ao cinema pelo realizador Steven Spielberg, com um êxito estrondoso, ainda hoje muitos dos portugueses conhecem melhor a história de Oskar Schindler do que a de Aristides de Sousa Mendes.

E, no entanto, Aristides de Sousa Mendes salvou um número de pessoas extraordinariamente maior do que Oskar Schindler. O célebre historiador do Holocausto Yehuda Bauer, classificou o ato de Aristides de Sousa Mendes mesmo como «a maior ação de salvamento levada a cabo por uma só pessoa durante o Holocausto».

Lista de Aristides de Sousa Mendes

De uma coisa ninguém tem dúvidas. Aristides de Sousa Mendes é um dos maiores símbolos nacionais da II Guerra Mundial. Foi o homem metáfora do humanismo. Em 1940 Aristides era cônsul em Bordéus e, indo contra a diretiva de Salazar para não se concederem vistos a refugiados que quisessem atravessar a França para chegar a Portugal, desobedeceu e passou 30 mil vistos. "Na vida de cada pessoa há uma ou outra oportunidade para se revelar, mostrar aquilo em que acredita e levar isso até às últimas consequências. Ele revelou um sentido de rasgo, um sentido de risco", afirmou D. Manuel Clemente, bispo auxiliar de Lisboa.

Casa de Aristides de Sousa Mendes, em Cabanas de Viriato,
em incompreensível estado de degradação, ainda


No século XX português não há outra figura que tenha mudado tanto, objectiva e materialmente, a vida de  milhares de pessoas. Aristides de Sousa Mendes representou a desobediência justa, foi o exemplo da solidariedade. A sua figura ficou ligada, para sempre, ao humanismo do século XX. No momento crucial da vida na Europa e no mundo, foi capaz de distinguir o essencial do acessório. Percebeu que não podia ficar indiferente à sorte de milhares de pessoas que foram aparecendo no Consulado de Portugal em Bordéus.

Placa que assinala a árvore de Aristides de Sousa Mendes
na Floresta dos Justos

Nascido numa abastada família de antigos fidalgos de província, de Cabanas de Viriato, perto de Viseu, Aristides e o irmão gémeo cursaram Direito em Coimbra e seguiram a carreira diplomática. Perseguido pelo regime Sidonista e pela I República em geral, após o golpe de 28 de Maio de 1926, Aristides é colocado em Vigo, num posto prestigiante e de confiança. A seguir é transferido para um posto de confiança em Antuérpia, onde ficou nove anos. Com 50 anos, era decano do corpo diplomático.

Em 1938, após Salazar recusar o seu pedido para permanecer na Bélgica, foi colocado em Bordéus. Em 1939, com o rebentar da II Guerra Mundial, e em 1940, devido à invasão da França pelas tropas alemãs, milhares de refugiados fugiram para o sul. Os jardins do Consulado e as ruas vizinhas serviram de acampamento a milhares de pessoas, das mais diversas nacionalidades, sobretudo judeus, fugitivos da perseguição nazi, mas também gente que simplesmente fugia da guerra.

Monumento a Aristides de Sousa Mendes em Santarém

Com a proibição de Salazar, à data simultânemente presidente do Conselho de Ministros e ministro dos Negócios Estrangeiros, de se passarem vistos a refugiados, sobretudo a "israelitas", Aristides de Sousa Mendes seguiu a sua formação humanista e católica, e desobedeceu.  Passou (com dois dos seus filhos mais velhos) milhares e milhares de vistos àqueles fugitivos, entre os dias 17 e 19 de junho de 1940. Terão sido passados cerca de trinta mil, naqueles escassos dias.

Concedeu vistos sem olhar a nacionalidades, etnias ou religiões. Graças a ele, Portugal ficou na história como um país que apoiou os refugiados durante a II Guerra Mundial. "Aristides marca de uma forma indelével a história de Portugal porque permitiu reconciliar-nos com a nossa dignidade. Mais do que qualquer outra pessoa da sua época, dignificou o que era ser-se humano ser-se português", declarou Fernando Nobre, presidente da fundação AMI.

Quando se deu a ocupação do Consulado, fechou-se num quarto para reflectir o que deveria fazer. Num silêncio inquietante, ficou só com o seu dilema: respeitar as ordens superiores, o que alíás sempre fizera, ou responder à sua consciência?. Aristides de Sousa Mendes era um homem vulgar, um funcionário ordeiro, com mais de 50 anos e 12 filhos, que nunca se tinha oposto ao regime ditatorial. Mas naquela hora, respondeu à sua consciência. E isso foi extraordinário.

Alameda Aristides de Sousa Mendes na Áustria

Continuando a desobedecer às ordens superiores, provou que não tinha vocação para capacho. Perante a passividade dos colegas de Bayonne e Hendaye, deslocou-se a estas cidades nos dias seguintes, e ele próprio emitiu mais alguns milhares de vistos. As perspetivas dos seus atos não se limitaram a ser sombrias. Excederam em perigo muito mais do que a imaginação humana pode conceber.

E de tal modo que, após 32 anos de serviço, Aristides de Sousa Mendes, com uma família de 12 filhos, foi demitido compulsivamente sem qualquer direito a qualquer reforma ou indemnização. Além disto, foi também interditado de exercer a advocacia e os filhos de frequentarem a universidade. O irmão também foi demitido do serviço diplomático. A sua vida estilhaçou-se por completo. Desmoronou-se em prol de um ideal. A presença de Deus e o seu catolicismo comandaram sempre a vida de Aristides de Sousa Mendes.

Lápide da Alameda dos Justos

Albergou no seu palácio de Cabanas de Viriato muitas famílias de refugiados, mesmo à custa da hipoteca do recheio do próprio palácio. Já na miséria, foi auxiliado pela Comunidade Israelita em Lisboa a partir de1941, sendo muitos dos seus filhos chamados por aqueles que haviam sido salvos, sobretudo a partir dos Estados Unidos e do Canadá.

Em 1945, terminada a guerra, tendo feito uma exposição para tentativa de reapreciação do seu processo, não recebeu resposta. A sua situação de miséria agravou-se. E em 3 de abril de 1954 morreu, no Hospital da Ordem Terceira, em Lisboa, desonrado e sozinho, apenas acompanhado por uma sobrinha, uma vez que os seus filhos já haviam todos emigrado para a América.

Duas bisnetas de Sousa Mendes, colocam flores no monumento
da Estação do Parque, do metro de Lisboa 

Por incrível que pareça, Aristides de Sousa Mendes só foi reabilitado nos anos 80 do século XX, e muito por pressão exterior. Foi primeiro elogiado nos Estados Unidos e em Israel. Foi considerado o justo entre os justos.

Em Israel, mais precisamente em Jerusalém, foi feita uma alameda chamada de Alameda dos Justos, onde foram plantadas cerca de dez mil árvores, uma por cada justo que Sousa Mendes ajudou durante a II Guerra. Em 1987 foi ali plantada, em presença dos filhos uma árvore em homenagem a Aristides de Sousa Mendes.

Só a 18 de março de 1988, sob iniciativa do então deputado Jaime Gama, Assembleia da República aprovou, por unanimidade, a reintegração de Aristides de Sousa Mendes na carreira diplomática, a título póstumo, em categoria nunca inferior àquela que teria direito se não fosse demitido compulsivamente.

Decreto do DR, que iliba Aristides de Sousa Mendes

Também o arquiduque Otto da Áustria, em maio de 1968, lhe dirigiu uma longa carta profundamente comovido, citando toda a ajuda prestada pelo então cônsul, a si próprio e à sua família.

Finalmente, em 1 de outubro de 1986, o Estado Português pede oficialmente desculpa pela injustiça cometida sobre o ex-cônsul, quando o Presidente da República condecora Aristides de Sousa Mendes, a título póstumo, com a Ordem da Liberdade, que é entregue pessoalmente à família de Aristides na embaixada portuguesa em Washington em 19 de maio de 1987.





Assim, 49 anos depois, fez-se justiça.







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