sexta-feira, outubro 28, 2016

MORRE JOÃO LOBO ANTUNES (1944-2016), O PRÍNCIPE DA MEDICINA...



“Brilhante”. “Príncipe da Medicina”. “Fascinado pelo mistério da vida”. “Grande intelectual”. “Grande português”. “Um dos melhores”. Assim era João Lobo Antunes, nas palavras de quem privou com ele. O neurocirurgião morreu, esta quinta-feira, aos 72 anos, vítima de cancro. Uma doença que há mais de um ano o tinha obrigado a afastar-se do bloco operatório. Era, desde 2015, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV).

Segundo de seis filhos, João Lobo Antunes nasceu numa família de médicos. Em entrevista a Maria Leonor Nunes e ao Jornal de Letras, em outubro de 2015, recordou que foi o pai, neurologista, quem mais o encaminhou na profissão. “Não há dúvida que teve importância, o meu pai. De seis filhos rapazes, três foram para Medicina, três para a área das neurociências. Vivia-se o cérebro naquela casa.”

Mas João Lobo Antunes esteve para fazer marcha atrás. “A certa altura pensei em ir para cardiologia porque achava a mais a matemática das especialidades. Por outro lado, desapontava-me a ineficácia, a impotência terapêutica da neurologia. Isto há 50 anos.”

Outra razão que quase o levou a afastar-se da neurocirurgia foram as mãos. Isso mesmo. Lobo Antunes confessou ao Jornal de Letras ser pouco “dotado” num ofício que exige “elegância”. “Desenhava com algum talento (na infância), modelava, esculpia, mas não era dotado de mãos habilidosas. Era, portanto, um enorme desafio ir para neurocirurgia e perguntava-me mesmo se seria capaz de usar as mãos para operar. Curiosamente, quando opero, do ponto de vista técnico e gestual, estou mais próximo do pintor, o bisturi mais perto do pincel do que da chave de fendas. (…) A pouco e pouco, consegui dominar bem as duas mãos. São a guitarra e a viola. E comecei a ter um prazer quase sensual no ato da cirurgia e um conceito estético“, descreveu.

Dedicou a sua carreira principalmente ao estudo do hipotálamo e da hipófise. O cérebro era para ele “sagrado” e, como tal, devia ser tocado “com rigor e especial delicadeza”. Nos Estados Unidos aprendeu a doutrina de tirar um tumor sem tocar no cérebro, o que nem sempre era possível. Lobo Antunes foi o primeiro médico a implantar o olho eletrónico num cego, em 1983. Depois dele, seguiram-se 15 operações do género, permitindo aos doentes ver algumas formas e distinguir certas cores.


“Foi uma das figuras que mais marcou a saúde em Portugal, a ciência e a investigação biomédica”, realçou o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, após a notícia da morte do médico, com quem trabalhou no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. “Foi um verdadeiro visionário. Um dos maiores do nosso tempo.”

Lobo Antunes nunca esqueceu os seus pacientes e as histórias deles. E nunca abandonou a questão da ética, tendo chegado a presidente do CNECV em 2015. Por várias vezes falou publicamente sobre a dignidade da vida humana e debateu alguns dos dilemas do final da vida e da morte. Quando a polémica eutanásia começou a ser falada, ele recusou a ideia de um referendo e preferiu sempre focar-se na importância dos cuidados paliativos, antes de se pronunciar sobre a eutanásia.

Uma vida entre batalhas vencidas e perdidas
"Tenho refletido muito sobre o que foi a minha vida e diria que se houve guerra foi vivida com leveza. Perdi muitas batalhas, como médico e cirurgião. Mas ganhei mais do que perdi. Devo dizer que sempre com uma estratégia cautelosa. Nunca me meti numa guerra que não achasse que tinha possibilidade de vencer. Ou seja, fui sempre pragmático, apesar dos meus devaneios literários ou filosóficos. E tive muitas quando voltei a Portugal.”
João Lobo Antunes
Jornal de Letras (2015)

O futuro da medicina
Não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de cada pessoa que sofre, pois embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão.”
João Lobo Antunes
Obra Ouvir com outros olhos (Gradiva) – 2015

O balanço final
A doença convida ao exame da vida, provavelmente a única circunstância em que chegamos próximo da análise lúcida do caminho percorrido. Então regressam à cena os actores esquecidos da nossa biografia. Voltamos a viver os momentos em que subimos mais alto do que alguma vez aspirámos, ou descemos àquela profundidade em que a vergonha nos perdera. Ouvimos novamente as palavras que deveríamos ter contido ou então, pelo contrário, as que ficaram por dizer. Contabilizamos o balanço final e escrevemos, com um sorriso e um travo de amargura, o último currículo.”
Obra Ouvir com outros olhos (Gradiva) – 2015




Pensamentos emblemáticos, contra todo o esquecimento. Para serem pensados, rezados, seguidos e vividos...

Paz à sua alma.



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