MÃE, EU QUERO IR-ME
EMBORA
Mãe, eu quero ir-me
embora - a vida não é nada
daquilo que disseste quando
os meus seios começaram
a crescer. O amor foi
tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa
as rosas que me deram –
se é que me deram
flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque
disseste que isso ia acontecer.
Mãe, eu quero ir-me
embora - os meus sonhos estão
cheios de pedras e de
terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos
parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por
cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste
para mim - tenho a casa vazia,
deitei-me com mais
homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade
nunca acordou comigo.
Mãe, eu quero ir-me
embora - nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e
os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto
de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu
nome, não me peças que fique –
as lágrimas impedem-me
de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a
tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se
foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a
um corpo que vai vendo crescer.
Mãe, eu vou-me embora -
esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi
tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão
desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me
uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não
é a tua - a última canção sobre
o meu corpo já foi há
muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão
compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas
que disseste que um dia chegariam
virão já amanhã, mas
desta vez, tu sabes, não as verei murchar.
MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA,
in
“O Canto do Vento nos Ciprestes”
2 comentários:
Belíssimo!! Adorei. Parabéns!
Obrigada, amiga Hari Trindade, pelo comentário e pelas suas palavras, uma poetisa que tanto se tem confirmado no mundo da Poesia contemporânea. Palavras lindas que me fazem sentir muito orgulhosa...
Este blogue fica sempre muito grato por poder publicara sua poesia.
Beijinhos.
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