RENSHI EU
(Portugal)
…Apontas
para o rosto sarcástico do sol do Inverno
E disparas.
Há tantos meses que não chove - reparaste?
É o próprio
céu a desistir de ti. E mesmo assim tu disparas, sós sabes disparar.
Estás
enganada, Europa. Envelheceste mal e perdeste a humildade.
Não é contra
o sarcasmo que disparas, não é contra o Inverno,
Nem sequer
contra o insólito, contra o desespero.
Tu disparas
contra a luz.
Podes
atirar-nos à cara, Europa: bombas, palavras, relatórios de contas.
Podes até
atirar-nos à cara um deputado, uma cimeira.
Mas os teus
filhos não querem gravatas. Os teus filhos querem paz.
Os teus
filhos não querem que lhes dês a sopa. Os teus filhos querem trabalhar.
Há tantos
meses que não chove - reparaste?
A terra está
seca. Nem abraçados à terra conseguimos dormir.
Enquanto eu
te escrevo, tu continuas a fazer contas, Europa.
Quem deve.
Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus
filhos têm fome, têm sono. Os teus filhos têm medo do escuro.
Os teus
filhos precisam que lhes cantes uma canção, que os vá adormecer.
Eu acreditei
em ti e tu roubaste-me o futuro dos meus irmãos.
Se estamos
calados, Europa, é apenas porque, contrários ao teu gesto,
Não queremos
disparar.
FILIPA LEAL
(a seguir...)
O poema começou a ser escrito na Grécia, país europeu
mais afetado pela crise das dívidas soberanas. Mas também a pátria da
democracia e da cultura europeias. E o lírico grego Yannis Stiggas foi o seu
iniciador. Cada poeta começa a partir do último verso do poema anterior, dando
origem a uma obra gigantesca que espelha uma miríade de olhares e referências
culturais. Trata-se de um poema escrito em cadeia ( "renshi") por
todos os participantes, num total de 28.
E aqui temos a prestação da jovem jornalista
representante de Portugal, Filipa Leal.
Que eu considero notável, bem o espelho da alma dos
portugueses e também dos cidadãos dos países que vivem os tempos da crise
devoradora que assola as respetivas pátrias. Passados dois anos sobre esta
participação e após muita pesquisa não encontrei ainda o poema final… Será que
o poema se perdeu?... Ou não encontrou mais Europa?
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