domingo, fevereiro 22, 2015

UM POUCO DE NUNO LOBO ANTUNES: "EM NOME DO PAI"







Voltei para casa perturbado. 

Na oficina fendi a madeira com raiva, como se os instrumentos fossem as minhas mãos que, ao nela permanecerem, rasgavam as fibras na energia do homem que comandava. 
Depois aplanava a superfície, exagerava no redondo das formas que alisava em carícias de amante.
   
Na memória não guardava o perfil de um corpo, mas tudo aquilo que se não consegue definir, porque está longe do que a mão alcança. 

Quando terminei, não tinha esculpido arados ou bancos, mesas ou portas, mas a figura ondulante de uma mulher que se afasta, envolta na luz macia de uma manhã de primavera.


NUNO LOBO ANTUNES
in "Em Nome do Pai"





Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...