Este homem que pensou
com uma pedra na mão
tranformá-la num pão
tranformá-la num beijo
Este homem que parou
no meio da sua vida
e se sentiu mais leve
que a sua própria sombra
António Ramos Rosa
Morreu
esta segunda-feira em Lisboa, aos 88 anos, o poeta e ensaísta António Ramos
Rosa, um dos nomes cimeiros da literatura portuguesa contemporânea, autor de
quase uma centena de títulos, de O Grito Claro (1958), a sua célebre obra de
estreia, até Em Torno do Imponderável, um belo livro de poemas breves publicado
em 2012. Exemplo de uma entrega radical à escrita, como talvez não haja outro
na poesia portuguesa contemporânea, Ramos Rosa morreu por volta das 13h30 desta
segunda-feira, em consequência de uma infecção respiratória, em Lisboa, no
Hospital Egas Moniz.
Segundo
informação da família, o corpo do poeta será velado terça-feira a partir das
18h30, na Capela do Rato, em Lisboa, estando prevista para as 21h30 uma
celebração pelo padre e poeta José Tolentino Mendonça. O funeral parte na
quarta-feira de manhã, pelas 10h30, para o Cemitério dos Prazeres, onde será
sepultado no Jazigo dos Escritores. com Isabel Salema e Lucinda Canelas.
"A verdadeira poesia ignora a
afirmação do fácil, porque se ela é uma afirmação do que o poeta logra arrancar
à confusão e ao caos, não poderá, portanto, satisfazer-se com o mero enunciado
das certezas superficiais ou sequer das convicções comuns mais sinceras, se
estas não forem postas á prova desse momento me que o poeta se reencontra na
"linha de sombra""
Estas são palavras do primeiro
parágrafo do texto de abertura de "A Poesia Moderna e a Interrogação do
Real - I" (Arcádia, 1979, 1ªed.). Ramos Rosa já tinha aberto a nossa
compreensão da poesia pelo lado mais difícil: o lado da palavra e seu poder
criador e de nomeação. O real, dito por meio da palavra surge, em Ramos Rosa,
como um campo (por definir) de possibilidades. Uma das asserções mais radicais
do poeta de "Estou Vivo" e" Escrevo Sol" será talvez esta:
"Não é o poeta que faz o poema. O poema é que faz o poeta." É porque
a poesia irrompe dum inconsciente, que se torna gradualmente consciente no acto
da escrita, que a poética ramos-rosiana acaba por defender o princípio da
"virtualidade criadora".
Para mim os poemas de António
Ramos Rosa perseguem essa multiplicidade significativa que abre a nossa
percepção ao mundo. Trata-se quase sempre duma abertura que se relaciona com a
procura de algo verdadeiramente desconhecido e essa procura do desconhecido
leva Ramos Rosa a afirmar-se como poeta do novo, do desejo absoluto do novo,
sinónimo, na sua poesia, duma pureza inicial. De "O Bói da Paciência"
a poemas insertos em volumes mais recentes, como é o caso de Os Animais do Sol
e da Sombra, que tive oportunidade de organizar em 2003, vai um longo caminho.
Um caminho marcado pela intensa meditação sobre a necessidade da poesia na vida
do Homem, animal sempre condenado às mais ínvias e subtis formas de
escravização. A poesia tem, em Ramos Rosa, essa capacidade libertadora e
libertária. Neste tempo de sadismo financeiro lê-lo é fundamental.
Vale a pena, por último, reter a
dimensão ensaística de António Ramos Rosa: a sua reflexão teórica não se separa
da sua prática poética. E Ramos Rosa é, como poucos na poesia da segunda metade
do século XX, um poeta-crítico que questionou sempre o humano e condenou sempre
a tendência para, mesmo na poesia, se aprisionar o homem ao que é unívoco e
ortodoxo. Ramos Rosa conquista um lugar cimeiro na nossa historicidade poética
precisamente porque a uma estética do uno preferiu uma estética do múltiplo. O
seu rigor, a sua ética é inseparável dessa luta pela imaginação verbal, hoje
tão necessária".
Para se conhecer um pouco mais de António Ramos Rosa: www.antonioramosrosa.blogspot.pt
Prémios que distinguiram a obra literária de António Ramos Rosa:
Prémio Fernando Pessoa, da Editora Ática (Segundo Lugar
ex-aequo), 1958 (Viagem através duma nebulosa)2
Prémio Nacional de Poesia, da Secretaria de Estado de
Informação e Turismo (recusado pelo autor), 1971 (Nos seus olhos de silêncio)
Prémio Literário da Casa da Imprensa (Prémio Literário),
1971 (A pedra nua)2
Prémio da Fundação de Hautevilliers para o Diálogo de
Culturas (Prémio de Tradução), 1976 (Algumas das Palavras: antologia de poesia
de Paul Éluard)
Prémio P.E.N. Clube Português de Poesia, 1980 (O incêndio
dos aspectos)2
Prémio Nicola de Poesia, 1986 (Volante verde)
Prémio Jacinto do Prado Coelho, do Centro Português da
Associação Internacional de Críticos Literários, 1987 (Incisões oblíquas)2
Prémio Pessoa, 19882
Grande Prémio de Poesia APE/CTT, 19892 (Acordes)
Prémio da Bienal de Poesia de Liége, 19912
Prémio Jean Malrieu para o melhor livro de poesia traduzido
em França, 19922
Prémio Municipal Eça de Queiroz, da Câmara Municipal de
Lisboa (Prémio de Poesia), 1992 (As armas imprecisas)
Grande Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen (Prémio de
Poesia), São João da Madeira, 2005 (O poeta na rua. Antologia portátil)
A poesia de Ramos Rosa é "libertadora e libertária.
Neste tempo de sadismo financeiro lê-lo é fundamental", diz o poeta e
crítico literário António Carlos Cortez neste texto escrito no dia da partida
de Ramos Rosa.
(Testemunho do poeta António Carlos Cortez)
Descanse em paz.
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