E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém,
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu,
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
Proveniente de uma família da alta burguesia, José Carlos Pereira Ary dos Santos, de linhagem aristocrata, era filho do reputado médico Carlos Ary dos Santos e de Maria Bárbara Pereira da Silva. Nasceu em Lisboa, no dia 7 de Dezembro de 1937 e também em Lisboa, a sua cidade tão amada, morreu em 18 de Janeiro de 1984.
Ao escrever este texto, não posso deixar de sentir emoção e saudade de um amigo de infância e da juventude de um dos meus irmãos, seu inseparável colega de estudos, amigo e companheiro, que a vida acabou por afastar, e que mais tarde a morte voltou a juntar numa outra dimensão muito mais nobre, certamente.
Estudou no Colégio São João de Brito, em Lisboa,onde foi um dos seus primeiros alunos. Após a morte da mãe, vê publicados pela mão de vários familiares, alguns dos seus poemas. Tinha catorze anos e viria, mais tarde, a rejeitar esse livro. Ary dos Santos revelaria, verdadeiramente as suas qualidades poéticas em 1954, com dezasseis anos de idade. Várias poesias suas integraram então a Antologia do Prémio Almeida Garrett.
Pela mesma altura, Ary abandona a casa da família. Para assegurar o seu sustento económico exerceu as mais variadas atividades, que passaram pela venda de máquinas para pastilhas elásticas, até ao trabalho numa empresa de publicidade. Nunca parando de escrever, a sua estreia literária efetiva dá-se com a publicação de A Liturgia do Sangue (1963). Em 1969 aderiu ao Partido Comunista Português, com o qual participou ativamente nas sessões de poesia do então intitulado Canto Livre Perseguido.
Através da música chegou ao grande público,concorrendo, por mais de uma vez, ao Festival RTP da Canção, sob pseudónimo, como exigia o regulamento.Classificou-se em primeiro lugar com as canções Desfolhada Portuguesa (1969), interpretada por Simone de Oliveira, Menina do Alto da Serra (1971), interpretada por Tonicha, Tourada (1973) e Portugal no Coração (19779, interpretações do conjunto Os Amigos.
Após o 25 de Abril, tornou-se um ativo dinamizador cultural da esquerda, percorrendo o país de lés a lés. No Verão Quente de 1975, juntamente com militantes da UDP e de outras forças radicais, envolveu-se no assalto à Embaixada de Espanha, em Lisboa.
Autor de mais de seiscentos poemas para canções, Ary dos Santos fez neste meio muitos amigos. Ele próprio, gravou textos e poemas seus e de outros autores e intérpretes. Notabilizou-se também como declamador, gravando um álbum que continha O Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira. À data da sua morte tinha em preparação um livro de poemas intitulado As Palavras das Cantigas, onde era seu propósito reunir os melhores poemas dos últimos quinze anos, e um outro intitulado Estrada da Luz - Rua da Saudade, que pretendia ser uma autobiografia romanceada.
Depois de falecer, o seu nome foi dado a um largo do Bairro de Alfama, onde foi descerrada uma lápide evocativa na fachada da sua casa, na Rua da Saudade, onde praticamente viveu toda a sua vida. Ainda em 1984 foi lançada o obra VII Sonetos de Ary dos Santos, com um estudo sobre o autor de Manuel Gusmão e planeamento gráfico de Rogério Ribeiro, no decorrer de uma sessão na Sociedade Portuguesa de Autores, da qual o autor era membro. Em 1988, Fernando Tordo editou o disco O Menino Ary dos Santos, com os poemas escritos por Ary dos Santos na sua infância. Em 2009, Mafalda Arnauth, Susana Félix, Viviane e Luanda Cozetti deram voz ao álbum de tributo Rua da Saudade - canções de Ary dos Santos.
Senhor de uma personalidade entusiasta e irreverente, muitos dos seus textos têm um forte tom satírico e até panfletário, anticonvencional, contribuindo decisivamente para a abertura de novas possibilidades para a música portuguesa. Deixou cerca de 600 textos destinados a canções.
Hoje, o poeta do povo é reconhecido por todos e todos conhecem José Carlos Ary dos Santos. A sua obra permanece na memória coletiva e estranhamente, muitos dos seus poemas continuam atualizados. Todos os grandes cantores o interpretaram, e ainda hoje surgem as melhores vozes a cantá-lo na perfeição.
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Ary dos Santos, poeta intervencionista. |
Através da música chegou ao grande público,concorrendo, por mais de uma vez, ao Festival RTP da Canção, sob pseudónimo, como exigia o regulamento.Classificou-se em primeiro lugar com as canções Desfolhada Portuguesa (1969), interpretada por Simone de Oliveira, Menina do Alto da Serra (1971), interpretada por Tonicha, Tourada (1973) e Portugal no Coração (19779, interpretações do conjunto Os Amigos.
Após o 25 de Abril, tornou-se um ativo dinamizador cultural da esquerda, percorrendo o país de lés a lés. No Verão Quente de 1975, juntamente com militantes da UDP e de outras forças radicais, envolveu-se no assalto à Embaixada de Espanha, em Lisboa.
Autor de mais de seiscentos poemas para canções, Ary dos Santos fez neste meio muitos amigos. Ele próprio, gravou textos e poemas seus e de outros autores e intérpretes. Notabilizou-se também como declamador, gravando um álbum que continha O Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira. À data da sua morte tinha em preparação um livro de poemas intitulado As Palavras das Cantigas, onde era seu propósito reunir os melhores poemas dos últimos quinze anos, e um outro intitulado Estrada da Luz - Rua da Saudade, que pretendia ser uma autobiografia romanceada.
Obra poética de Ary dos Santos |
Depois de falecer, o seu nome foi dado a um largo do Bairro de Alfama, onde foi descerrada uma lápide evocativa na fachada da sua casa, na Rua da Saudade, onde praticamente viveu toda a sua vida. Ainda em 1984 foi lançada o obra VII Sonetos de Ary dos Santos, com um estudo sobre o autor de Manuel Gusmão e planeamento gráfico de Rogério Ribeiro, no decorrer de uma sessão na Sociedade Portuguesa de Autores, da qual o autor era membro. Em 1988, Fernando Tordo editou o disco O Menino Ary dos Santos, com os poemas escritos por Ary dos Santos na sua infância. Em 2009, Mafalda Arnauth, Susana Félix, Viviane e Luanda Cozetti deram voz ao álbum de tributo Rua da Saudade - canções de Ary dos Santos.
Senhor de uma personalidade entusiasta e irreverente, muitos dos seus textos têm um forte tom satírico e até panfletário, anticonvencional, contribuindo decisivamente para a abertura de novas possibilidades para a música portuguesa. Deixou cerca de 600 textos destinados a canções.
Hoje, o poeta do povo é reconhecido por todos e todos conhecem José Carlos Ary dos Santos. A sua obra permanece na memória coletiva e estranhamente, muitos dos seus poemas continuam atualizados. Todos os grandes cantores o interpretaram, e ainda hoje surgem as melhores vozes a cantá-lo na perfeição.
Ele foi, de facto, o Poeta do 25 de Abril...
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Poemas de Ary dos Santos:
Os Putos
Uma bola de pano, num charco.
Um sorriso traquina, um chuto.
Na ladeira a correr, um arco.
O céu no olhar, dum puto.
Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.
Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos.
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos.
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo.
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.
As caricas brilhando na mão
À vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo.
Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.
Poeta Castrado, Não!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado, não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhece o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
-é tão vulgar que nos cansa-
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
-a morte é branda e letal-
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
Um bisturi a crescer
nas coxas de um judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
Ah, não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado, não!
Cavalo à solta
Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.
Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstea
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.
Em ti respiro
em ti eu provo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.
Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.
Por isso digo
canção castigo
Amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.
Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura.
Meu amor, Meu amor
Meu amor, meu amor
meu corpo em movimento
minha voz à procura
do seu próprio lamento.
Meu limão de amargura, meu punhal a escrever
nós parámos o tempo, não sabemos morrer
e nascemos, nascemos
do nosso entristecer.
Meu amor, meu amor
meu nó e sofrimento,
minha mó de ternura,
minha nau do tormento.
Este mar não tem cura, este céu não tem ar
nós parámos o vento, não sabemos nadar
e morremos, morremos
devagar, devagar.
Os Putos
Uma bola de pano, num charco.
Um sorriso traquina, um chuto.
Na ladeira a correr, um arco.
O céu no olhar, dum puto.
Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.
Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos.
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos.
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo.
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.
As caricas brilhando na mão
À vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo.
Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.
Poeta Castrado, Não!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado, não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
Da fome já não se fala
-é tão vulgar que nos cansa-
mas que dizer de uma bala
Do frio não reza a história
-a morte é branda e letal-
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
Um bisturi a crescer
nas coxas de um judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
Ah, não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado, não!
1-Os Putos; 2-Poeta Castrado, Não!; 3-Cavalo à Solta; 4-Meu Amor. Meu Amor; 5-O Poeta Ary; 6-Um Homem na Cidade |
Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.
Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstea
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.
Em ti respiro
em ti eu provo
em ti consigo
esta força que de novoem ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.
Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.
Por isso digo
canção castigo
Amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.
Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura.
Meu amor, Meu amor
Meu amor, meu amor
meu corpo em movimento
minha voz à procura
do seu próprio lamento.
Meu limão de amargura, meu punhal a escrever
nós parámos o tempo, não sabemos morrer
e nascemos, nascemos
do nosso entristecer.
Meu amor, meu amor
meu nó e sofrimento,
minha mó de ternura,
minha nau do tormento.
Este mar não tem cura, este céu não tem ar
nós parámos o vento, não sabemos nadar
e morremos, morremos
devagar, devagar.
LISBOA, MENINA E MOÇA ( ARY DOS SANTOS):
3 comentários:
Como é bom passar por aqui, saboreando poesia portuguesa!!
Desta vez, um retrato completo e bem documentado de Ary dos Santos, o Poeta de Abril que merece figurar entre os melhores do século XX. O povo conhece-o bem e aprecia a sua imaginação e musicalidade das palavras. Por isso continua a cantar as suas canções...
Desejo ainda felicitá-la pela apresentaçação gráfica: bom gosto do texto e da imagem. Parabéns!!
Obrigada, "Lê", pelas simpáticas palavras. Este blogue é relativamente novo e para mim é importante que tenha gostado.
Terei imenso gosto em ver o seu blogue, e deixar lá o meu comentário.
Rápido estarei lá.
Saudações portuguesas !
Já não posso passar sem a sua opinião, Peonia! Muito obrigada, sabe quanto é importante para mim.
Beijo amigo.
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