A
PASTELARIA
Afinal
o que importa não é a literatura
nem
a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal
o que importa não é bem o negócio
nem
o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal
o que importa não é ser novo e galante
-
ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal
o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e
cair verticalmente no vício
Não
é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes
de haver cinema madame blanche e parola
Que
afinal o que importa não é haver gente com fome
porque
assim como assim ainda há muita gente que come
Que
afinal o que importa é não ter medo
de
chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente!
Este leite está azedo!
Que
afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à
saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo
No
riso admirável de quem sabe e gosta
ter
lavados e muitos dentes brancos à mostra
MÁRIO
CESARINY
Estudou na Academia de Amadores de Música e ingressou, no
início dos anos quarenta, na Escola de Artes Decorativas António Arroio.
Depois de uma aproximação ao neo-realismo, afasta-se do
movimento. Em 1947, escreve o poema Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos
(só publicado em 1953) e realiza as suas primeiras experiências plásticas.
Embarca, então, na aventura surrealista, que se consumará
nos anos seguintes. Viajando para Paris, conhece André Breton. Liga-se ao
denominado «Grupo Surrealista de Lisboa», com o qual rompe depois em acesa (e
prolongada) polémica, para fundar outro grupo, «Os Surrealistas» (também
conhecido como «Grupo Surrealista Dissidente»).
Em 1949, mostra publicamente obras suas pela primeira
vez, numa exposição colectiva organizada pelo grupo entretanto formado. Em
1950, publica o seu primeiro livro, Corpo Visível, e participa na segunda
exposição colectiva de «Os Surrealistas».
Experiência intensa, o surrealismo marca em Cesariny o
ponto de partida de um percurso artístico profundamente vivido ao longo da
segunda metade do século XX, tanto na escrita como nas artes plásticas.
A ordem de publicação da obra de Cesariny (poesia, mas
também tradução e outros géneros) raramente coincide com a da criação.
Mural da autoria de Murta Uivo, Miguel Brum e Smile,
junto à Avenida das Forças Armadas,em Lisboa
|
Mário Cesariny, considerado um dos principais representantes do movimento surrealista em Portugal, foi poeta e pintor. Durante vários anos, dedicou-se a um intenso trabalho de recolha e compilação do trabalho de Adriano Correia e Francisco Lyon. Recebeu vários prémios pela obra escrita e plástica, como o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores e o Grande Prémio EDP de Artes Plásticas. Em 2005, um ano antes da sua morte, foi-lhe atribuída a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.
A homenagem ao surrealista acontece a poucos meses de se completarem os dez anos da sua morte, altura em que será finalmente trasladado para um jazigo no Cemitério dos Prazeres. Cesariny morreu a 26 de novembro de 2006.
Alguns títulos:
Poesia
Corpo Visível (1950)
Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (1952)
Manual de Prestidigitação (1956)
Pena Capital (1957)
Nobilíssima Visão (1959)
Planisfério e Outros Poemas (1961)
A Cidade Queimada (1965)
As Mãos na Água a Cabeça no Mar (1972)
Ensaio
e antologia
Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito (1961)
Surrealismo, Abjeccionismo (1963)
A Intervenção Surrealista (1966)
Contribuição ao Registo de Nascimento, Existência e
Extinção do Grupo Surrealista de Lisboa (1974)
Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista
Mundial (1977)
Primavera Autónoma das Estradas (1980)
Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O Castelo Surrealista (1984)
Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O Castelo Surrealista (1984)
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