terça-feira, setembro 20, 2016

MÁRIO CESARINY MORREU HÁ DEZ ANOS...




A PASTELARIA


Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra



MÁRIO CESARINY





Mário Cesariny de Vasconcelos, pintor e poeta nasceu em 1923.
Estudou na Academia de Amadores de Música e ingressou, no início dos anos quarenta, na Escola de Artes Decorativas António Arroio.
Depois de uma aproximação ao neo-realismo, afasta-se do movimento. Em 1947, escreve o poema Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (só publicado em 1953) e realiza as suas primeiras experiências plásticas.

Embarca, então, na aventura surrealista, que se consumará nos anos seguintes. Viajando para Paris, conhece André Breton. Liga-se ao denominado «Grupo Surrealista de Lisboa», com o qual rompe depois em acesa (e prolongada) polémica, para fundar outro grupo, «Os Surrealistas» (também conhecido como «Grupo Surrealista Dissidente»).
Em 1949, mostra publicamente obras suas pela primeira vez, numa exposição colectiva organizada pelo grupo entretanto formado. Em 1950, publica o seu primeiro livro, Corpo Visível, e participa na segunda exposição colectiva de «Os Surrealistas».

Experiência intensa, o surrealismo marca em Cesariny o ponto de partida de um percurso artístico profundamente vivido ao longo da segunda metade do século XX, tanto na escrita como nas artes plásticas.
A ordem de publicação da obra de Cesariny (poesia, mas também tradução e outros géneros) raramente coincide com a da criação.
Mural da autoria de Murta Uivo, Miguel Brum e Smile, junto à Avenida das Forças Armadas,em Lisboa

Mário Cesariny, considerado um dos principais representantes do movimento surrealista em Portugal, foi poeta e pintor. Durante vários anos, dedicou-se a um intenso trabalho de recolha e compilação do trabalho de Adriano Correia e Francisco Lyon. Recebeu vários prémios pela obra escrita e plástica, como o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores e o Grande Prémio EDP de Artes Plásticas. Em 2005, um ano antes da sua morte, foi-lhe atribuída a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.

A homenagem ao surrealista acontece a poucos meses de se completarem os dez anos da sua morte, altura em que será finalmente trasladado para um jazigo no Cemitério dos Prazeres. Cesariny morreu a 26 de novembro de 2006.
Alguns títulos:

Poesia

Corpo Visível (1950)
Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (1952)
Manual de Prestidigitação (1956)
Pena Capital (1957)
Nobilíssima Visão (1959)
Planisfério e Outros Poemas (1961)
A Cidade Queimada (1965)
As Mãos na Água a Cabeça no Mar (1972)

Ensaio e antologia
Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito (1961)
Surrealismo, Abjeccionismo (1963)
A Intervenção Surrealista (1966)
Contribuição ao Registo de Nascimento, Existência e Extinção do Grupo Surrealista de Lisboa (1974)
Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista Mundial (1977)
Primavera Autónoma das Estradas (1980)
Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O Castelo Surrealista (1984)





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