“Há
corações que são como casas antigas, cheios de mistérios e fantasmas, com
jardins secretos e sótãos poeirentos, carregados de memórias e recordações e há
corações simples e fáceis de conhecer, descontraídos e leves, sempre em férias
como tendas de campismo.
Há
corações viajantes, temerários e corajosos, como barcos à vela que nos parecem
bonitos ao longe, mas que nos deixam sempre na boca o sabor amargo de nunca os
conseguirmos abarcar... Há corações missionários, despojados e enormes. Há
corações que são paquetes de luxo, onde o requinte é a palavra-chave para
baterem...
Há corações que são como borboletas e voam de
um lado para o outro sem parar, numa pressa ansiosa de viver tudo antes que a
vida se acabe.
Há
corações que são como rosas, caprichosas e cheios de espinhos e outros que são
campainhas, simplórios e carentes sempre a chamar por afecto.
Há
corações que são como girassóis, rodando as suas paixões ao sabor do brilho e
da glória e corações como batata-doce, que só crescem e se alimentam se
estiverem bem guardados e escondidos debaixo da terra.
Há corações que são como
pianos, altivos e majestosos onde só tocam os que possuem a arte de bem
seduzir. E corações como harpas, onde uma simples festa provoca uma sinfonia.
Há
corações duros como aço, sem arritmias, onde nada risca e faz mossa e corações
de plasticina que se moldam às formas dos corações que amam. Há corações de
papel, bonitos e frágeis que se amachucam facilmente e desbotam à primeira
lágrima, há corações de vidro que quando se estilhaçam nunca mais se recompõem
e corações de porcelana que depois de se partirem ainda sabem colar os
destroços e começar de novo.
Há
corações orientais, espiritualizados e serenos e corações ocidentais hedonistas
e ambiciosos, corações britânicos onde tudo é meticulosamente arrumado segundo
costumes e convenções, latinos que batem ao som da paixão e da loucura.
Há
corações de uma só porta que são como grandes casas de família e outros de duas
portas, uma para a sociedade e outra para a intimidade.
Há corações que são
como conventos, silenciosos e enclausurados e outros que são como hotéis, onde
se paga o amor sem amor, escandalosos e promíscuos. Há corações parasitas, que
vivem do afecto dos outros sem nada dar e corações dadores que só são felizes
na entrega.
Mas
há ainda uma ou outra espécie de corações, os corações hospedeiros que sabem
receber e fazem sentir os outros corações como se estivessem em casa, que dão e
aceitam amor sem se fixarem, que tratam cada passageiro como se fosse o último,
enquanto procuram o coração gémeo, sempre na esperança, secreta e nunca perdida
de um dia deixarem de viajar e sossegarem para a vida."
MARGARIDA
REBELO PINTO
(Crónicas
da Margarida)
Sem comentários:
Enviar um comentário