BALADA
DO POEMA QUE NÃO HÁ
Quero
escrever um poema
Um
poema não sei de quê
Que
venha todo vermelho
Que
venha todo de negro
Às
de copas às de espadas
Quero
escrever um poema
Como
de sortes cruzadas
Quero
escrever um poema
Como
quem escreve o momento
Cheiro
de terra molhada
Abril
com chuva por dentro
E
este ramo de alfazema
Por
sobre a tua almofada
Quero
escrever um poema
Que
seja de tudo ou nada
Um
poema não sei de quê
Que
traga a notícia louca
Da
história que ninguém crê
Ou
esta afta na boca
Esta
noite sem sentido
Coisa
pouca coisa pouca
Tão
aquém do pressentido
Que
me dói não sei porquê
Quero
um poema ao contrário
Deste
estado que padeço
Meu
cavalo solitário
A
cavalgar no avesso
De
um verso que não conheço
Que
venha de capa e espada
Ou
de chicote na mão
Sobre
esta noite acordada
Quero
um poema noitada
Um
poema até mais não
Quero
um poema que diga
Que
nada há que dizer
Senão
que a noite castiga
Quem
procura uma cantiga
Que
não é de adormecer
Poema
de amor e morte
No
reino da Dinamarca
Ser
ou não ser eis a sorte
O
resto é silêncio e dor
Poema
que traga a marca
Do
Castelo de Elsenor
Quero
o poema que me dê
Aquela
música antiga
Da
Provença e da Toscânia
Vinho
velho de Chianti
Com
Ezra Pound em Rapallo
E
versos de Cavalcanti
Ou
Guilherme de Aquitânia
Dormindo
sobre um cavalo
E
com ele então dizer
O
meu poema está feito
Não
sei de quê nem sobre quê
Dormindo
sobre um cavalo
Quero
o poema perfeito
Que
ninguém há-de escrever
Que
ele traga a estrela negra
Do
canto e da solidão
Ou
aquela toutinegra
De
Camões quando escrevia
Sôbolos
rios que vão
Que
venha como um destino
Às
de copas às de espadas
Que
venha para viver
Que
venha para morrer
Se
tiver que ser será
E
não há cartas marcadas
Só
assim poderá ser
O
poema que não há
MANUEL ALEGRE,
in "Babilónia"
1 comentário:
Excelente poema, Manuel, felicitaciones!
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