O Papa Francisco, chefe da Igreja Católica Romana, reuniu-se sexta-feira
passada com o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa Kirill (Cirilo). Oraram e
pediram a união dos dois dos principais ramos do cristianismo desde sua
separação, no ano de 1054.
Numa declaração conjunta, também clamaram por proteção para os cristãos no Médio
Oriente, num encontro que durou duas horas e ocorreu numa sala do aeroporto de
Havana, em Cuba.
Os líderes religiosos abraçaram-se e beijaram-se:
"Estou feliz por te cumprimentar, querido irmão", disse Kirill.
"Finalmente", respondeu o Papa Francisco.
Depois, numa entrevista concedida após o encontro, o patriarca Kirill declarou
que as discussões estão abertas de forma "fraterna" e conjuntamente
com o Papa Francisco, ambos acrescentaram:
"A nossa negociação é sincera.
Desejamos que o nosso encontro contribua para o restabelecimento dessa unidade
desejada por Deus".
O interesse do Papa Francisco no encontro era conhecido desde novembro de 2014,
quando, regressado de uma viagem a Istambul, revelou que tinha falado com o patriarca Kirill pelo telefone e lhe tinha dito: "Irei onde você quiser. Chame-me,
que eu vou."
Francisco não quer que autoridade papal ponha em causa a reunificação da
Igreja, e o porta-voz do patriarcado da Igreja Ortodoxa Russa de Moscovo,
Vakhtang Kipshidze, afirmou que a ilha é "território neutro": "Cuba é ideal porque é um país principalmente católico que tem uma
comunidade minoritária ortodoxa em Havana. É um lugar hospitaleiro para todos.
Pelo contrário, a Europa está ligada a experiências negativas e dramáticas para
ambas as comunidades religiosas", manifestou em declaração à comunicação
social.
Essa opinião é compartilhada pelo porta-voz do Vaticano, o padre Federico
Lombardi, que afirma que tudo será mais fácil com a ocorrência do encontro fora da Europa: "No passado, esse encontro foi tentado, sem sucesso. No tempo de João
Paulo II e do patriarca Alexis II, locais diferentes foram apontados numa
Europa que é um continente muito complexo e com grande densidade
histórica", afirmou à BBC Mundo.
Afastamento e rivalidade
Nos últimos anos as tentativas de aproximar as duas Igrejas foram
dificultados por desconfiança mútua.
Os ortodoxos ressentem-se, entre outras coisas, da suposta expansão do
catolicismo em áreas que antes faziam parte da União Soviética.
Também se opõem ao papel que a Igreja Católica vem exercendo na Ucrânia,
especialmente pelo que consideram posturas pró-ocidentais e antissoviéticas.
Qual a razão porque as Igrejas Católica e Ortodoxa estão afastadas há mil
anos?
Em 1054, o papa de Roma e o patriarca de Constantinopla excomungaram-se
mutuamente, dando início ao que se conhece como o grande cisma do cristianismo
– que persiste até hoje.
Mesmo antes disso já perdurava um distanciamento cultural. Na Igreja do
Ocidente falava-se o latim, enquanto no
Oriente bizantino prevalecia a cultura helenística grega. Além disso havia
grandes diferenças doutrinárias, como sobre a natureza do Espírito Santo.
Outra diferença fundamental é o modo como as duas igrejas entendem a função
de seu mandatário:
Na Igreja Católica o papa é a máxima figura de autoridade. Calcula-se que a Igreja Católica tenha 1,2
bilião de fiéis.
A Igreja Ortodoxa está dividida em patriarcados entre os quais existe uma
igualdade: o de Istambul, com 10 mil fiéis, tem certa preeminência, mas não
possui jurisdição sobre toda a Igreja Ortodoxa. O de Moscovo tem influência
sobre 200 milhões de fiéis.
Além disso, a Igreja Ortodoxa Russa sempre esteve vinculada com o poder,
seja com o imperador, com o czar ou com o Partido Comunista. Atualmente, desde
2009, o patriarca Kirill mantém uma relação estreita com Vladimir Putin.
E a partir de agora?
A unidade do cristianismo não ocorrerá de um dia para o outro. Mas o encontro
surge como uma tentativa de iniciar um processo que exigirá concessões de todas
as partes.
Do ponto de vista católico, a aproximação é parte da agenda de reformas do
Papa Francisco. Entre elas está não deixar que a primazia papal seja obstáculo
para a unidade da Igreja.
Para a Igreja Ortodoxa o problema é inverso, devido à falta de uma
liderança clara. Há 50 anos tenta-se convocar um sínodo, uma assembleia de
bispos – mas não há uma autoridade central para o convocar.
Talvez o patriarca Kirill enfrente mais pressão interna do que o Papa
Francisco: "As forças conservadoras em Moscovo não apreciam a reunificação
com o Ocidente porque isso os enfraquece", segundo a opinião de teólogos
da Universidade Católica da América, nos Estados Unidos.
Deus conceda ao Papa Francisco a longevidade e força necessárias para realizar todas as reformas que tão corajosamente se propõe levar a cabo e que o mundo tão ansiosamente aguarda.
Rezemos por ele, como ele sempre nos pede.