domingo, agosto 16, 2015

PELA NOITE, COM ÁLVARO DE CAMPOS (Het. de FERNANDO PESSOA: "TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS"





TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS


Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.


Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.


As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.


Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.


Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.


A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.


(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)



ÁLVARO DE CAMPOS ,
in "Poemas"
(Heterónimo de FERNANDO PESSOA)




Para o entendimento desta visão do eu-lírico, é extremamente necessário conhecer a privação de contato que o mundo moderno gera, e que o poeta Álvaro de Campos viveu nesse mundo de isolamentos afetivos.

Ele vive em um jogo, porque lembra o passado, quando era um amante inocente, e o presente, no qual é um homem amargurado, porque só vive de memórias. Existem, aqui, dois momentos distintos que geram a intensidade do poema.

A palavra esdrúxulo significa extravagância, excentricidade, ou seja, há uma extravagância quando Álvaro de Campos denomina as cartas de amor como sendo ridículas: ele assim as adjetivou porque não tem alguém a quem amar. Na última estrofe, não aparecem as cartas de amor, pois tudo o que foi dito antes é um desabafo de um ser solitário. Ridículos, aqui, são as palavras e os sentimentos esdrúxulos que ele usou por todo o poema para falar do amor, pois na penúltima estrofe, alega que ainda pensa no passado, que sente saudades desse tempo.

Percebe-se finalmente que a beleza deste poema de Álvaro de Campos está na noção que o eu-lírico tem, de que o amor valioso faz falta. Apesar de o negar em quase todas as estrofes e de estar insatisfeito, no final, abre o seu coração para confessar que mentia quando classificou o amor como uma coisa ridícula: compreende que apesar de ser inexplicável (ridículo, segundo Campos) ele é essencial.



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