TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS
Todas
as cartas de amor são
Ridículas.
Não
seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também
escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como
as outras,
Ridículas.
As
cartas de amor, se há amor,
Têm
de ser
Ridículas.
Mas,
afinal,
Só
as criaturas que nunca escreveram
Cartas
de amor
É
que são
Ridículas.
Quem
me dera no tempo em que escrevia
Sem
dar por isso
Cartas
de amor
Ridículas.
A
verdade é que hoje
As
minhas memórias
Dessas
cartas de amor
É
que são
Ridículas.
(Todas
as palavras esdrúxulas,
Como
os sentimentos esdrúxulos,
São
naturalmente
Ridículas.)
ÁLVARO
DE CAMPOS ,
in
"Poemas"
(Heterónimo
de FERNANDO PESSOA)
Para
o entendimento desta visão do eu-lírico, é extremamente necessário conhecer a privação
de contato que o mundo moderno gera, e que o poeta Álvaro de Campos viveu nesse
mundo de isolamentos afetivos.
Ele
vive em um jogo, porque lembra o passado, quando era um amante inocente, e o
presente, no qual é um homem amargurado, porque só vive de memórias. Existem,
aqui, dois momentos distintos que geram a intensidade do poema.
A
palavra esdrúxulo significa extravagância, excentricidade, ou seja, há uma
extravagância quando Álvaro de Campos denomina as cartas de amor como sendo
ridículas: ele assim as adjetivou porque não tem alguém a quem amar. Na última
estrofe, não aparecem as cartas de amor, pois tudo o que foi dito antes é um
desabafo de um ser solitário. Ridículos, aqui, são as palavras e os sentimentos
esdrúxulos que ele usou por todo o poema para falar do amor, pois na penúltima
estrofe, alega que ainda pensa no passado, que sente saudades desse tempo.
Percebe-se
finalmente que a beleza deste poema de Álvaro de Campos está na noção que o
eu-lírico tem, de que o amor valioso faz falta. Apesar de o negar em quase
todas as estrofes e de estar insatisfeito, no final, abre o seu coração para confessar
que mentia quando classificou o amor como uma coisa ridícula: compreende que
apesar de ser inexplicável (ridículo, segundo Campos) ele é essencial.
Sem comentários:
Enviar um comentário