- Posso acompanhá-lo de viver?
Ele não respondeu mais que um riso triste. Lhe escapou uma lágrima. Desceu, cansada pelo rosto, gota em pedra, orvalho em muro branco. A mulher lhe acariciou a sua pele mineral, e ele se arrepiou por dentro. Ela sorriu, confirmado que estava o seu poder de estremecer o dentro de carapaça. E ela insistiu, bailarinhando os dedos sobre a cascadura dele. Se aplicava em lhe renascer doçuras.
- Não vale a pena, Marlisa.
- Ternura mole em corpo duro tanto dá até que...
O resto do provérbio ela trocou de esquecer.
Com a ponta de um canivete ela inscrevia o seu nome na carapaça do namorado enquanto ia soletrando:
- «M-a-r-l-i...»
(...) Todas as manhãs, ainda hoje se vê Marlisa tonteando pelo parque enquanto empasta a língua numa musiquinha. Depois, se senta olhando o chão. E com demais carinhos e demasiadas ternuras vai afagando a pedra que subjaz nos seus joelhos. As pontas dos dedos, lentas, vão percorrendo reentrâncias no dorso dessa pedra.
E soletra:
- «M-a-r...».
MIA COUTO
in "Contos do nascer da terra (Ossos)"
Sem comentários:
Enviar um comentário