NO PAÍS DOS SACANAS
Que adianta dizer-se que é um
país de sacanas?
Todos os são, mesmo os
melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se
saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma
sacanice
para poder funcionar
fraternalmente
a humidade de próstata ou das
glandulas lacrimais,
para além das rivalidades,
invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e
afinal se irmanam.
Dizer-se que é de heróis e
santos o país,
a ver se se convencem e puxam
para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe
que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que
foram disso?
Não, o melhor seria aguentar,
fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam
que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas,
ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a
independência, a
justiça, a bondade, etc., etc.,
sejam
outra coisa que não patifaria
de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são
capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana
e meio?
Não, que toda a gente já é e
pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país?
Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão,
dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o
gajo morreu na mesma.
JORGE DE SENA
10/10/1973
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