sexta-feira, setembro 30, 2011

FLORBELA ESPANCA (1894-1930) - Apontamento de Poesia Contemporânea (Parte II)








"Amo-te!" Cinco 
letras pequeninas,
Um poema de amor e felicidade!
Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...





Batizada com o nome de Flor Bela Lobo, esta poetisa portuguesa, mais conhecida por Florbela Espanca, nasceu em Vila Viçosa, no Alentejo, em 8 de dezembro de 1894 e morreu no dia 8 de dezembro de 1930, em Matosinhos, com apenas 36 anos de idade.

Florbela Espanca, na sua juventude.

Nasceu filha ilegítima de João Maria Espanca e de Antónia Conceição Lobo, criada de servir (como se dizia na época), e morreu precocemente aos 36 anos de idade, "de uma doença que ninguém entendeu", mas que veio designada na certidão de óbito como nevrose. Registada como filha de pai incógnito, foi todavia educada pelo pai e pela madrasta, Mariana Espanca, em Vila Viçosa, tal como o seu irmão de sangue, Apeles Espanca, nascido em 1897 e registado da mesma maneira.

Note-se, como curiosidade, que o pai, que sempre a acompanhou, só 19 anos após a morte da poetisa, por altura da inauguração do seu busto em Évora, e por insistência de um grupo de florbelianos, a perfilhou.

Florbela estudou no liceu de Évora, mas só depois do seu casamento (1913) com Alberto Moutinho concluíu, em 1917, a secção de Letras do Curso dos Liceus. Em Outubro desse mesmo ano matriculou-se na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que passou a frequentar. Na capital, contactou com outros poetas da época e com o grupo de mulheres escritoras que, à altura, procurava impor-se. Colaborou em jornais e revistas, entre as quais o Portugal Feminino.

Última foto de Florbela Espanca, um ano
antes da sua morte.

Em 1919, quando frequentava o terceiro ano de Direito, publicou a sua primeira obra poética, Livro de Mágoas. Em 1921 divorciou-de de Alberto Moutinho, de quem vivia separada há alguns anos, e voltou a casar, no Porto, com o oficial de artilharia António Guimarães. O seu pai também se divorciou nesse ano, para casar, no ano seguinte, com Henriqueta Almeida. Em 1923, publicou o Livro de Soror Saudade. E em 1925 Florbela casou-se pela terceira vez, com o médico Mário Laje, em Matosinhos.

Os casamentos falhados, assim como as desilusões amorosas, em geral, assim como a morte do irmão, Apeles Espanca (a quem Florbela estava ligada por fortes laços afetivos), num acidente com o avião que tripulava sobre o rio Tejo, em 1927, marcaram profundamente a sua vida e a sua obra. Em dezembro de 1930, agravados os  seus problemas de saúde, sobretudo do foro psicológico, Florbela Espanca faleceu em Matosinhos, e após duas tentativas frustradas de suicídio. Na altura foi oficialmente apresentada como causa da morte, um "edema pulmonar".

A poetisa faleceu no dia do seu 36.º aniversário, na realidade após a ingestão de uma exagerada dose de barbitúricos. Na carta que deixou com as suas últimas disposições, Florbela deixou o pedido de colocar, no seu caixão, os restos do avião pilotado por seu irmão Apeles, na hora do acidente que o vitimou.
Monumento de Florbela Espanca, no Parque dos Poetas, em Oeiras.

Florbela Espanca jaz, desde 17 de maio de 1964, no cemitério de Vila Viçosa, sua terra natal.

Postumamente foram publicadas as obras Charneca em Flor (1930), Cartas de Florbela Espanca, por Guido
Battelli (1930), Juvenília (1930), As Marcas do Destino (1931,contos), Cartas de Florbela Espanca, por Azinhal Botelho e José Emídio Amaro (1949) e Diário do Último Ano Seguido de Um Poema sem Título, com prefácio de Natália Correia (1981). O livro de contos Dominó Preto ou Dominó Negro, várias vezes anunciado (1931, 1967), seria publicado em 1982).

"Sonetos", de Florbela Espanca.

A poesia de Florbela Espanca caracteriza-se pela recorrência dos temas do sofrimento, da solidão, do desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude que só poderão ser alcançados no absoluto, no infinito. A veemência passional da sua linguagem, marcadamente pessoal, centrada nas suas próprias frustrações e anseios, é de um sensualismo muitas vezes erótico. Simultaneamente, a paisagem da charneca alentejana está presente em muitas das suas imagens e poemas, transbordando a convulsão interior da poetisa para a natureza.

Florbela Espanca não se ligou claramente a qualquer movimento literário. Está mais perto do neo-romantismo e de certos poetas de fim de século, portugueses e estrangeiros, que da revolução dos modernistas, a que foi alheia. Pelo carácter confessional, sentimental, da sua poesia, segue a linha de António Nobre, facto reconhecido pela própria poetisa. Por outro lado, a técnica do soneto, que a celebrizou, é, sobretudo, influência de Antero de Quental e, mais longinquamente, de Camões.

Poetisa de excessos, cultivou exacerbadamente a paixão, com voz marcadamente feminina,em que alguns críticos encontram dom joanismo no feminino. A sua poesia, mesmo pecando por vezes por algum convencionalismo, suscita o interesse e atenção contínuos de leitores e investigadores.

É tida como a grande figura feminina das primeiras décadas da literatura portuguesa do século XX.


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POEMAS DE FLORBELA:


EU
1- EU
2- Os Versos Que Te Fiz
3- Ser Poeta
4- Escreve-me!
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada...a dolorida...

Sombra de névoa ténue e desvanecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e que ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

Os versos que te fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem para te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu não te dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Ser Poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer o que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de infinito!
Por elmo, as manhas de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Sem título
Li um dia, não sei onde,
Que em todos os namorados
Uns amam muito, e os outros
Contentam-se em ser amados.
Fico a cismar pensativa
Neste mistério encantado...
Digo pra mim: de nós dois
Quem ama e quem é amado?


Escreve-me!
Escreve-me!
Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto daçucena!
Escreve-me! Há
Tanto, tanto tempo
Que não te vejo, Amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase doração!
"Amo-te"! Cinco
Letras pequeninas
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema damor e felicidade!
Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...










Junto este poema, maravilhosamente cantado:


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2 comentários:

peonia disse...

Como é bom percorrer este Blog. Pesquisa aturada e muito agradável esteticamente. Obrigada, Haydée!

Unknown disse...

Quem agradece sou eu, Peonia.
Não imagina como apreciei as suas palavras, extremamente gratificantes ... O vosso prazer é o meu, também!
Bjs.

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