terça-feira, setembro 27, 2011

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN (1919 - 2004) - Apontamento de Poesia Contemporânea (Parte I)





A bela e pura palavra Poesia
Tanto pelos caminhos se arrastou
Que alta noite a encontrei perdida
Num bordel onde um morto a assassinou.




Poetisa e escritora portuguesa, nasceu na cidade do Porto em 6 de novembro de 1919, e morreu em Lisboa em 2 de julho de 2004. Criada no seio de uma família aristocrática, viveu na sua cidade natal até aos dez anos, altura em que se mudou para Lisboa.

Sphia de Mello Breyner

De origem dinamarquesa por parte do pai, a sua educação correu num ambiente católico e culturalmente privilegiado, que influenciou a sua personalidade. Frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em consonância com o seu fascínio pelo mundo grego  que a levou igualmente a viajar por toda a Grécia e região mediterrânica), não tendo todavia chegado a concluí-lo.
 Teve uma intervenção política empenhada, opondo-se ao regime salazarista (foi co-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos) e também, após o 25 de Abril, como deputada. Presidiu ao Centro Nacional de Cultura e à Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores.

O ambiente da sua infância reflete-se em imagens e ambientes presentes na sua obra, sobretudo nos livros para crianças. Os verões passados na praia da Granja e os jardins da casa da família ressurgem em evocações do mar ou de espaços de paz e amplitude. A civilização grega é igualmente uma presença recorrente nos versos de Sophia, através da sua crença profunda na união entre os deuses e a natureza, tal como outra dimensão de religiosidade, proveniente da tradição bíblica e cristã. Casou-se em 1946 com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares e foi mãe de cinco filhos, entre os quais se conta o jornalista e escritor de renome, Miguel Sousa Tavares.

Sophia de Mello Breyner - Eduardo Gageiro

A sua atividade literária (e política) pautou-se sempre pelas ideias da justiça, liberdade e integridade moral. A depuração, equilíbrio e a limpidez da linguagem poética, a presença constante da Natureza, a atenção permanente aos problemas e à tragicidade da vida humana são reflexo de uma educação clássica, com leituras, por exemplo, de Homero, durante a juventude. Colaborou nas revistas Cadernos de Poesia (1940), Távola Redonda (1950) e Árvore (1951) e conviveu com nomes da literatura como Miguel Torga, Ruy Cinatti e Jorge Sena.

Na poesia, estreou-se com Poesia (1944), a que seguiram Dia do Mar (1947), Coral(1950), No Tempo Dividido (1954), Mar Novo (1958), O Cristo Cigano (1961), Livro Sexto (1962, Grande Prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores), Geogafia (1967), Dual (1972), O Nome dos Cisnes (1977, Prémio Teixeira de Pascoaes), Navegações (1977-82) e Ilhas (1989). Este útimo voltou a ser publicado em 1996, numa edição de poemas escolhidos acompanhada de fotografias de Daniel Blaufuks. Em 1968 foi publicada uma Antologia e, entre 1990 e 1992, surgiram três volumes da sua Obra Poética. Seguiram-se os títulos Musa (1994) e O Búzio de Cós (1997). Colaborou ainda com Júlio Resende na organização de um livro para a infância e juventude, intitulado Primeiro Livro de Poesia (1993).

Poesia de Sophia de Mello Breyner

Na prosa, escreveu o Rapaz de Bronze (1956), Contos Exemplares (1962), Histórias da Terra e do Mar (1984) e os contos infantis A Fada Oriana (1958), a Menina do Mar (1858), Noite de Natal (1959), O Cavaleiro da Dinamarca (1964) e a Floresta (1968). É ainda autora dos ensaios Cecília Meireles (1958), Poesia e Realidade (1960) e o Nu na Antiguidade Clássica (1975), para além de trabalhos de tradução de Dante, Shakespeare e Eurípedes.

A sua obra literária encontra-se parcialmente traduzida em França, Itália e Estados Unidos. Em 1994  recebeu o Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores e, no ano seguinte. o Prémio Petrarca, da Associação de Editores italianos.

O seu valor, como poetisa e figura da cultura portuguesa, foi reconhecido com a atribuição do Prémio Camões, em 1999.

Ainda foi distinguida, em 2001, com o Prémio Max Jacob da Poesia, ano em que lançou a antologia poética Mar, o livro O Colar e Orpheu e Erydice.

Sophia de Mello Breyner faleceu, aos 84 anos, no dia 2 de julho de 2004, no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa.

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Poemas de Sophia:


1- Um Dia...
2- O Poema...
3- Para Atravessar...
4- A Minha Vida é o Mar...
Um dia...
Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.


O Poema...
O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê.

O poema alguém o dirá
Às cearas

Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento.

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas).

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema do tempo.


Para atravessar...
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei.

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso.

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo.

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento.

A minha vida é o mar...
A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora.
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita.

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará.

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento.

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto.

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho.
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento.

E a hora da minha morte aflora lentamente,
Cada dia preparada.





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