A bela e pura palavra Poesia
Tanto pelos caminhos se arrastou
Que alta noite a encontrei perdida
Num bordel onde um morto a assassinou.
Poetisa e escritora portuguesa, nasceu na cidade do Porto em 6 de novembro de 1919, e morreu em Lisboa em 2 de julho de 2004. Criada no seio de uma família aristocrática, viveu na sua cidade natal até aos dez anos, altura em que se mudou para Lisboa.
Sphia de Mello Breyner |
De origem dinamarquesa por parte do pai, a sua educação correu num ambiente católico e culturalmente privilegiado, que influenciou a sua personalidade. Frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em consonância com o seu fascínio pelo mundo grego que a levou igualmente a viajar por toda a Grécia e região mediterrânica), não tendo todavia chegado a concluí-lo.
Teve uma intervenção política empenhada, opondo-se ao regime salazarista (foi co-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos) e também, após o 25 de Abril, como deputada. Presidiu ao Centro Nacional de Cultura e à Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores.
O ambiente da sua infância reflete-se em imagens e ambientes presentes na sua obra, sobretudo nos livros para crianças. Os verões passados na praia da Granja e os jardins da casa da família ressurgem em evocações do mar ou de espaços de paz e amplitude. A civilização grega é igualmente uma presença recorrente nos versos de Sophia, através da sua crença profunda na união entre os deuses e a natureza, tal como outra dimensão de religiosidade, proveniente da tradição bíblica e cristã. Casou-se em 1946 com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares e foi mãe de cinco filhos, entre os quais se conta o jornalista e escritor de renome, Miguel Sousa Tavares.
Sophia de Mello Breyner - Eduardo Gageiro |
A sua atividade literária (e política) pautou-se sempre pelas ideias da justiça, liberdade e integridade moral. A depuração, equilíbrio e a limpidez da linguagem poética, a presença constante da Natureza, a atenção permanente aos problemas e à tragicidade da vida humana são reflexo de uma educação clássica, com leituras, por exemplo, de Homero, durante a juventude. Colaborou nas revistas Cadernos de Poesia (1940), Távola Redonda (1950) e Árvore (1951) e conviveu com nomes da literatura como Miguel Torga, Ruy Cinatti e Jorge Sena.
Na poesia, estreou-se com Poesia (1944), a que seguiram Dia do Mar (1947), Coral(1950), No Tempo Dividido (1954), Mar Novo (1958), O Cristo Cigano (1961), Livro Sexto (1962, Grande Prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores), Geogafia (1967), Dual (1972), O Nome dos Cisnes (1977, Prémio Teixeira de Pascoaes), Navegações (1977-82) e Ilhas (1989). Este útimo voltou a ser publicado em 1996, numa edição de poemas escolhidos acompanhada de fotografias de Daniel Blaufuks. Em 1968 foi publicada uma Antologia e, entre 1990 e 1992, surgiram três volumes da sua Obra Poética. Seguiram-se os títulos Musa (1994) e O Búzio de Cós (1997). Colaborou ainda com Júlio Resende na organização de um livro para a infância e juventude, intitulado Primeiro Livro de Poesia (1993).
Poesia de Sophia de Mello Breyner |
Na prosa, escreveu o Rapaz de Bronze (1956), Contos Exemplares (1962), Histórias da Terra e do Mar (1984) e os contos infantis A Fada Oriana (1958), a Menina do Mar (1858), Noite de Natal (1959), O Cavaleiro da Dinamarca (1964) e a Floresta (1968). É ainda autora dos ensaios Cecília Meireles (1958), Poesia e Realidade (1960) e o Nu na Antiguidade Clássica (1975), para além de trabalhos de tradução de Dante, Shakespeare e Eurípedes.
A sua obra literária encontra-se parcialmente traduzida em França, Itália e Estados Unidos. Em 1994 recebeu o Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores e, no ano seguinte. o Prémio Petrarca, da Associação de Editores italianos.
O seu valor, como poetisa e figura da cultura portuguesa, foi reconhecido com a atribuição do Prémio Camões, em 1999.
Ainda foi distinguida, em 2001, com o Prémio Max Jacob da Poesia, ano em que lançou a antologia poética Mar, o livro O Colar e Orpheu e Erydice.
Sophia de Mello Breyner faleceu, aos 84 anos, no dia 2 de julho de 2004, no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa.
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Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.
O Poema...
O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê.
O poema alguém o dirá
Às cearas
Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento.
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas).
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema do tempo.
Para atravessar...
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei.
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso.
Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo.
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento.
A minha vida é o mar...
A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora.
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita.
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará.
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento.
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto.
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho.
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento.
E a hora da minha morte aflora lentamente,
Cada dia preparada.
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