O que se me afigura
imperativo é a aposta em políticas públicas que permitam uma realista
conciliação da vida profissional e da vida familiar, e um efetivo apoio às
famílias com a educação dos filhos.
Confesso que o dia 8 de
março me desperta, desde há vários anos, reflexões ambíguas.
Por um lado,
compreendo a importância do dia enquanto celebração histórica da conquista de
direitos civis e políticos. Na correria do quotidiano, é importante lembrar,
com a devida vénia, todas as mulheres que desbravaram caminho e que sustentaram
que, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, não se poderá aceitar
qualquer divisão dos seres humanos em categorias de maior ou menor dignidade.
Infelizmente, nos nossos dias, vários Estados continuam a perpetrar (ou a serem
coniventes) com violações gritantes de direitos fundamentais, de que são
exemplo a mutilação sexual feminina, os casamentos forçados, a violência sexual
e psicológica, as desigualdades laborais e as desigualdades no acesso à
educação.
Algo paradoxalmente,
porém, vislumbro na forma como este dia tem sido celebrado uma certa
condescendência paternalista em equiparar as mulheres ao patamar masculino.
Quadratura do círculo? Não, explico-me: será necessário um alerta coletivo de
que é de bom-tom congratular as mulheres neste dia? E os restantes 364 dias do
ano serão de quem? Precisarão as mulheres, nos Estados de Direito
contemporâneos, de medidas de discriminação positiva, tais como “quotas”?
Contribuirão essas medidas construtivamente para a perspetivação das mulheres
como seres dotados de igual dignidade e de idênticas capacidades físicas,
intelectuais, e psicológicas? Será que manifestações coletivas de empoderamento
feminino (vulgo, “girl power”) não irão precisamente surtir um efeito contrário
ao pretendido, destacando as mulheres pela negativa, perpetuando estereótipos
de uma visão sobrecarregada de sexualidade, da mulher-objeto, de
instrumentalização de uma suposta fragilidade e inferioridade femininas, numa
lógica de vitimização ou num discurso de “coitadinhas”?
Se existisse uma
máquina do tempo e algumas das grandes mulheres que iluminaram este mundo, tais
como Catarina de Sena, Joana d’Arc, George Sand, Margaret Fuller, Millicent
Fawcett, Marie Curie, Alma Mahler-Werfel, Virginia Woolf, Hannah Arendt,
Marguerite Yourcenar, Rosa Parks, Frida Kahlo, Eleanor Roosevelt, Margaret
Tatcher, Benazir Bhutto, Evita Perón, Dorothy Hodgkin, Florbela Espanca, Madre
Teresa de Calcutá, Wangari Maathai, Sophia de Mello Breyner, entre tantas
outras, observassem a forma como é comemorado o dia da mulher – um dia
cor-de-rosa absolutamente mercantilizado e aproveitado economicamente –
sentir-se-iam orgulhosas? Novamente, tenho dúvidas.
Há múltiplas maneiras
de uma mulher contribuir para a sociedade e almejar a sua felicidade, que podem
passar por diferentes – e igualmente válidas – opções de vida pessoal, familiar
e profissional. O caminho da felicidade (pursuit of happiness), que aliás
constava da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, não é
(felizmente!) um caminho unívoco.
Na esmagadora maioria
dos Estados desenvolvidos e fora situações pontuais, não creio que as mulheres
necessitem de medidas de discriminação positivas, tais como quotas ou afins. O
que se me afigura imperativo será a aposta em políticas públicas que permitam
uma realista conciliação da vida profissional e da vida familiar, e um efetivo
apoio às famílias com a educação dos filhos.
Sem prejuízo da
importância que cada um possa atribuir a este dia, julgo que a maior lição
histórica que dele podemos retirar é a de que deverá ser permitido a todas as
mulheres, no exercício da sua autodeterminação pessoal, serem tudo aquilo que
podem e querem ser. Prometo que elas não desiludirão.
CATARINA SANTOS BOTELHO
Professora de Direito
Constitucional na Universidade Católica Portuguesa
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