quinta-feira, setembro 18, 2014

COM MIA COUTO - "...PENSEI QUE O MUNDO FOSSE UM POETA."



"Pensei que o Mundo fosse Poeta..."
"A Biologia para mim não e uma ciência. É uma entrega apaixonada."



Antes de cursar biologia, tentou medicina. Saiu da cidade da Beira, segunda maior cidade de Moçambique, ainda adolescente e foi morar em Lourenço Marques, então a capital do país. Na faculdade, optou por psiquiatria, mas  mudou de ideias ao visitar instituições para doentes mentais. “Comecei a ter dúvidas sobre se queria entregar minha vida a um permanente convívio com a doença.

Mia Couto 

 É como se eu receasse que esse lado sombrio me roubasse o esplendor da vida”, afirma ainda. Mas as escolhas pessoais tiveram de esperar. 

Mia alistou-se na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) para lutar pela independência de seu país.
Para entrar no movimento, Mia passou por um ritual chamado “confissão de sofrimento”. 

Os aspirantes a guerrilheiros tinham de explicar os motivos pelos quais queriam lutar contra o colonizador português. 

Como não tinha uma história triste para contar, resolveu inventar uma. 

Não foi preciso. Na sua vez, os líderes da Frelimo perguntaram: “É você que escreve poesias?”. Atrapalhado, respondeu que sim. “Então tudo bem. Pode entrar”, ordenaram. Enquanto lutou pela independência, de 1972 a 1975, Mia jamais disparou um tiro. 

Embora fossem bem-vindos ao movimento, os brancos não tinham autorização para porte de armas de fogo. 

Em consequência disso, foi selecionado para trabalhar como jornalista em “ A Tribuna” (jornal que circulou entre 1962 e 1975, até a sua sede ser incendiada por colonos contrários à independência de Moçambique).
A independência veio em 1975. Mas a paz estava distante. Entre 1976 e 1992, Moçambique viveu uma guerra civil com quase 1 milhão de mortos. “Chocou-me o modo como muitos dos revolucionários se apressaram a tornar-se semelhantes aos opressores”, lamenta hoje. Ao retomar os estudos, em 1985, trocou a psiquiatria pelos bichos — um ano depois publicou “Vozes Anoitecidas”, o seu primeiro livro. “Ao fazer biologia, ganhei proximidade com criaturas que me contam histórias. Às vezes, são bichos. Outras, rios e árvores. Sei que não estou romantizando. A biologia  serve-me de tradutora dessas criaturas e ensina-me que existem linguagens não humanas que me humanizam”, diz.

O amor pelos animais é tanto que aos dois anos pediu aos pais que passassem a chamá-lo de Mia. Na época, o pequeno António Emílio Leite Couto, nome de batismo, vivia entre os gatos. Por vezes, chegava a acreditar que era um felino. “Era uma viagem de identidade. Essa fantasia pode ser normal em qualquer criança. O que não foi normal foi os meus pais aceitarem isso como uma decisão adulta”.

O seu nome ocasiona situações curiosas. Mia Couto perdeu a conta ao número de vezes vezes em que foi confundido com uma mulher. Certa ocasião, durante uma visita a Cuba, os assessores do ditador Fidel Castro chegaram a presenteá-lo com um vestido.

Mia Couto durante o trabalho de campo, à beira de um rio (esq.), no interior (dir.) e num centro de reabilitação de aves de Moçambique (acima). 

ATIVISMO ECOLÓGICO:
Em 1996, Mia Couto e mais quatro amigos, todos biólogos, fundaram uma empresa de consultoria ambiental, a “Impacto”. Para ele, o maior problema de Moçambique é a miséria que castiga a maior parte da população e também traz prejuízos ambientais. Em 2013, o país foi o 185º no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “Uma relação predatória e imediatista consolidou-se. Onde havia preceitos para criar equilíbrios duradouros com os processos naturais prevaleceu a luta pela sobrevivência”, critica. “A solução não é ambientalista. Passa por negar essa falsa dicotomia que opõe conservação da natureza ao progresso.”

No ano passado, Mia acrescentou dois prémios à coleção: além do Neustadt, concedido a cada dois anos pela Universidade de Oklahoma, recebeu o Prémio Camões, o mais prestigiado da língua portuguesa. Como escritor, já foi traduzido em sete idiomas e publicado em mais de 20 países. Como biólogo, considera-se um “mau cientista” por não ter resposta para tudo.


“Muitas vezes, a ciência é assaltada pela tentação da certeza, uma espécie de substituto da fé. 
Os cientistas perdem um dos mais cativantes desafios do saber: ter dúvidas. 
Tenho resistência a entregar a explicação do universo a uma única via de respostas. 
Tantas são as lógicas do universo que deveria chamar-se “pluriverso”.
(Mia Couto)



Pseudónimo:      Mia Couto
Nascimento:        5 de Julho de 1955 
Beira, Moçambique
Nacionalidade     Moçambique, Moçambicana.

PRÉMIOS
1995 - Prémio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos
1999 - Prémio Vergílio Ferreira, pelo conjunto da sua obra
2001 - Prémio Mário António, pelo livro O último voo do flamingo
2007 - Prémio União Latina de Literaturas Românicas
2007 - Prêmio Passo Fundo Zaffari e Bourbon de Literatura, na Jornada Nacional de Literatura
2012 - Prémio Eduardo Lourenço 20118
2013 - Prémio Camões 20139 10 11
2014 - Neustadt International Prize for Literature
de 1955, em Beira (Moçambique).

PRINCIPAIS OBRAS:
Raiz de Orvalho, Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra (2003), Terra Sonâmbula (2007), Venenos de Deus, Remédios do Diabo (2008), O Gato e o Escuro (livro infantil, 2008), E se Obama Fosse Africano, entre outras.




(fonte "O Observador")







Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...