"Pensei que o Mundo fosse Poeta..."
"A Biologia para mim não e uma ciência. É uma entrega apaixonada."
Antes de cursar biologia, tentou
medicina. Saiu da cidade da Beira, segunda maior cidade de Moçambique, ainda
adolescente e foi morar em Lourenço Marques, então a capital do país. Na
faculdade, optou por psiquiatria, mas
mudou de ideias ao visitar instituições para doentes mentais. “Comecei a
ter dúvidas sobre se queria entregar minha vida a um permanente convívio com a
doença.
Mia Couto |
É como se eu receasse que esse lado sombrio me roubasse o esplendor da
vida”, afirma ainda. Mas as escolhas pessoais tiveram de esperar.
Mia alistou-se
na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) para lutar pela independência
de seu país.
Para entrar no movimento, Mia
passou por um ritual chamado “confissão de sofrimento”.
Os aspirantes a
guerrilheiros tinham de explicar os motivos pelos quais queriam lutar contra o
colonizador português.
Como não tinha uma história triste para contar, resolveu
inventar uma.
Não foi preciso. Na sua vez, os líderes da Frelimo perguntaram:
“É você que escreve poesias?”. Atrapalhado, respondeu que sim. “Então tudo bem.
Pode entrar”, ordenaram. Enquanto lutou pela independência, de 1972 a 1975, Mia
jamais disparou um tiro.
Embora fossem bem-vindos ao movimento, os brancos não
tinham autorização para porte de armas de fogo.
Em consequência disso, foi selecionado
para trabalhar como jornalista em “ A Tribuna” (jornal que circulou entre 1962
e 1975, até a sua sede ser incendiada por colonos contrários à independência de
Moçambique).
A independência veio em 1975.
Mas a paz estava distante. Entre 1976 e 1992, Moçambique viveu uma guerra civil
com quase 1 milhão de mortos. “Chocou-me o modo como muitos dos revolucionários
se apressaram a tornar-se semelhantes aos opressores”, lamenta hoje. Ao retomar
os estudos, em 1985, trocou a psiquiatria pelos bichos — um ano depois publicou
“Vozes Anoitecidas”, o seu primeiro livro. “Ao fazer biologia, ganhei
proximidade com criaturas que me contam histórias. Às vezes, são bichos.
Outras, rios e árvores. Sei que não estou romantizando. A biologia serve-me de tradutora dessas criaturas e ensina-me
que existem linguagens não humanas que me humanizam”, diz.
O amor pelos animais é tanto
que aos dois anos pediu aos pais que passassem a chamá-lo de Mia. Na época, o
pequeno António Emílio Leite Couto, nome de batismo, vivia entre os gatos. Por
vezes, chegava a acreditar que era um felino. “Era uma viagem de identidade.
Essa fantasia pode ser normal em qualquer criança. O que não foi normal foi os
meus pais aceitarem isso como uma decisão adulta”.
O seu nome ocasiona situações
curiosas. Mia Couto perdeu a conta ao número de vezes vezes em que foi
confundido com uma mulher. Certa ocasião, durante uma visita a Cuba, os
assessores do ditador Fidel Castro chegaram a presenteá-lo com um vestido.
Mia Couto durante o trabalho de campo, à beira de um rio (esq.), no interior (dir.) e num centro de reabilitação de aves de Moçambique (acima). |
ATIVISMO ECOLÓGICO:
Em 1996, Mia Couto e mais
quatro amigos, todos biólogos, fundaram uma empresa de consultoria ambiental, a
“Impacto”. Para ele, o maior problema de Moçambique é a miséria que castiga a
maior parte da população e também traz prejuízos ambientais. Em 2013, o país
foi o 185º no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “Uma relação
predatória e imediatista consolidou-se. Onde havia preceitos para criar
equilíbrios duradouros com os processos naturais prevaleceu a luta pela
sobrevivência”, critica. “A solução não é ambientalista. Passa por negar essa
falsa dicotomia que opõe conservação da natureza ao progresso.”
No ano passado, Mia acrescentou
dois prémios à coleção: além do Neustadt, concedido a cada dois anos pela
Universidade de Oklahoma, recebeu o Prémio Camões, o mais prestigiado da língua
portuguesa. Como escritor, já foi traduzido em sete idiomas e publicado em mais
de 20 países. Como biólogo, considera-se um “mau cientista” por não ter
resposta para tudo.
“Muitas vezes, a ciência é
assaltada pela tentação da certeza, uma espécie de substituto da fé.
Os
cientistas perdem um dos mais cativantes desafios do saber: ter dúvidas.
Tenho
resistência a entregar a explicação do universo a uma única via de respostas.
Tantas são as lógicas do universo que deveria chamar-se “pluriverso”.
(Mia Couto)
Pseudónimo: Mia Couto
Nascimento: 5 de Julho de 1955
Beira, Moçambique
Nacionalidade Moçambique, Moçambicana.
PRÉMIOS
1995 - Prémio Nacional de
Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos
1999 - Prémio Vergílio
Ferreira, pelo conjunto da sua obra
2001 - Prémio Mário António,
pelo livro O último voo do flamingo
2007 - Prémio União Latina de
Literaturas Românicas
2007 - Prêmio Passo Fundo
Zaffari e Bourbon de Literatura, na Jornada Nacional de Literatura
2012 - Prémio Eduardo Lourenço
20118
2013 - Prémio Camões 20139 10
11
2014 - Neustadt International
Prize for Literature
de 1955, em Beira (Moçambique).
PRINCIPAIS OBRAS:
Raiz de Orvalho, Um Rio Chamado
Tempo, Uma Casa Chamada Terra (2003), Terra Sonâmbula (2007), Venenos de Deus,
Remédios do Diabo (2008), O Gato e o Escuro (livro infantil, 2008), E se Obama
Fosse Africano, entre outras.
(fonte "O Observador")
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