MARINHEIRO SEM MAR
Longe o marinheiro tem
Uma serena praia de
mãos puras
Mas perdido caminha nas
obscuras
Ruas da cidade sem
piedade
Todas as cidades são
navios
Carregados de cães
uivando à lua
Carregados de anões e
mortos frios
E ele vai balouçando
como um mastro
Aos seus ombros
apoiam-se as esquinas
Vai sem aves nem ondas
repentinas
Somente sombras nadam
no seu rastro.
Nas confusas redes do
seu pensamento
Prendem-se obscuras
medusas
Morta cai a noite com o
vento
E sobe por escadas escondidas
E vira por ruas sem
nome
Pela própria escuridão
conduzido
Com pupilas
transparentes e de vidro
Vai nos contínuos
corredores
Onde os polvos da
sombra o estrangulam
E as luzes como peixes
voadores
O alucinam.
Porque ele tem um navio
mas sem mastros
Porque o mar secou
Porque o destino apagou
O seu nome dos astros
Porque o seu caminho
foi perdido
O seu triunfo vendido
E ele tem as mãos
pesadas de desastres
E é em vão que ele se
ergue entre os sinais
Buscando a luz da
madrugada pura
Chamando pelo vento que
há nos cais
Nenhum mar lavará o
nojo do seu rosto
As imagens são eternas
e precisas
Em vão chamará pelo
vento
Que a direito corre
pelas praias lisas
Ele morrerá sem mar e
sem navios
Sem rumo distante e sem
mastros esguios
Morrerá entre paredes cinzentas
Pedaços de braços e
restos de cabeças
Boiarão na penumbra das
madrugadas lentas
E ao Norte e ao Sul
E ao Leste e ao Poente
Os quatro cavalos do
vento
Sacodem as suas crinas
E o espírito do mar
pergunta:
“Que é feito daquele
Para quem eu guardava
um reino puro
De espaço e de vazio
De ondas brancas e
fundas
E de verde frio?”
Ele não dormirá na
areia lisa
Entre medusas, conchas
e corais
Ele dormirá na podridão
E ao Norte e ao Sul
E ao Leste e ao Poente
Os quatro cavalos do
vento
Exactos e transparentes
O esquecerão
Porque ele se perdeu do
que era eterno
E separou o seu corpo
da unidade
E se entregou ao tempo
dividido
Das ruas sem piedade.
SOPHIA DE MELLO BREYNER
ANDRESEN
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